Carta publicada na Revista Bizz, edição 97, de agosto de 1993:
Nunca (mas nunca mesmo) me senti tão ofendido com uma matéria da BIZZ quanto com aquela infeliz relação dos “piores de todos os tempos”. Afinal o que se pode dizer de uma relação que coloca como “oitavo pior disco” o Meat is Murder, dos Smiths? Foi a brincadeira mais sem graça que já li nesta revista.
O pior é que o comentário que acompanha cada disco é impessoal – parece que é a opinião da revista. Vocês, que se consideram tão fodões e corajosos, por que não publicaram a lista de cada crítico? E não me digam que faltou espaço, afinal vocês gastaram dez (dez, meu Deus!) páginas com a mais medíocre e pretensiosa banda do mundo, os Titãs (com direito a conveniente puxada de saco por parte do sr. Carlos Eduardo Miranda). É de chorar.
Fabricio Müller
Curitiba – Pr
Resposta da Revista:
Primeiro: não foi a redação da BIZZ que elegeu aquela lista e sim um conjunto de vinte críticos. Segundo: não publicamos a votação pessoal de cada um porque não tinha espaço – e agora é que não vamos publicar mesmo, porque vocês são uns fanáticos sem senso de humor e perigam sair caçando a pau quem detonou os Smiths (como o Rogério, por exemplo).
Como é fácil imaginar, a carta que eu enviei para a Bizz foi escrita com ódio. Ódio contra a revista, ódio contra os críticos que colocaram um disco dos Smiths numa lista de “piores de todos os tempos” – mas, quem sabe, este ódio deveria ter sido voltado contra mim mesmo.
Quando comprei a primeira revista Bizz – foi aquela “famosa”, que dizia que a Patsy Kensit iria ultrapassar o sucesso da Madonna – parecia que um mundo novo se abria para mim. Ao contrário de bandas consagradas como Rolling Stones e Beatles, a Bizz se concentrava mesmo em bandas que eu nunca tinha ouvido falar: Jesus and Mary Chain, The Smiths, The Cure. As roupas dessas novas bandas eram bonitas, o visual da revista era sofisticado, as resenhas – principalmente as de José Augusto Lemos – eram extremamente bem escritas. Aquele era um mundo não só novo como maravilhoso. Eu, que sempre relutei em prestar atenção no rock – era muito mais ligado em música clássica, jazz e MPB – finalmente tive um bom motivo para entrar de cabeça no “movimento”. E tinha o guia certo para isto. Tinha meu manual. Tinha meu “livro guia” de pensamentos sobre a música pop.
Com o tempo a minha verdadeira relação de fanatismo com a música pop, e com a Bizz em particular, só aumentou. Logo eu era um dos maiores conhecedores do assunto dentro da minha turminha. Todo os meses era uma agonia esperar pelo dia em que, finalmente, chegaria a minha revista preferida. Ia várias vezes, vários dias antes, a várias bancas para ver se a revista tinha chegado. Ganhei uma assinatura de presente de uma ex-namorada, mas foi uma péssima idéia: a revista estava sempre nas bancas antes do que na minha casa, e eu ficava tão desesperado que acabava comprando a revista na própria banca mesmo. Assim que finalmente abria a revista, lia avidamente tudo o que podia, o mais rápido que podia. Várias leituras eram feitas dos mesmos textos (tanto que sei muitas críticas quase de cor até hoje).
É claro que este fanatismo todo tinha um sério inconveniente: eu simplesmente não conseguia discordar da opinião da revista. Era óbvio que o maior nome da música dos anos 80 foi o Prince (alguém ainda pensa assim?); era óbvio que as três melhores bandas de todos os tempos eram Echo and the Bunnymen, The Doors e Velvet Underground (como assim?); era óbvio que os quatro primeiros discos do Talking Heads eram geniais (o quê???). Isto chegava a pegar mal.
As coisas começaram a mudar quando o grunge apareceu, e quando André Forastieri apareceu na revista. Estes dois fatores foram transformando uma revista sofisticada numa outra que pregava o barulho acima de tudo – e, o que era pior, a Bizz começou a ficar cada vez mais rasteira, cada vez mais apelativa. Muito embora o talento da escrita do Forastieri fosse inegável, também me parece claro que a Bizz começou a cair de nível depois de sua chegada.
Mas não é assim que um grande amor acaba – ele normalmente acaba aos pouquinhos. Apesar de estranhar os novos rumos da Bizz, quase comprei uma bermuda grunge na época – só não o fiz por que eu já tinha passado da idade para isto. Conheci a banda que mais influiu no som do grunge, o Black Sabbath da fase Ozzy Osbourne, da qual sou fã até hoje. Comecei a ouvir as barulheiras que a revista recomendava – e, atualmente, gosto de barulhos ainda mais ensurdecedores do que os daquela época.
Mas a desilusão só veio mais forte mesmo quando o Forastieri e o Rogério de Campos deram nota 1 e zero, respectivamente, para a obra-prima Your Arsenal, do Morrissey (um dos meus discos preferidos, na lista que fiz para o site Tsc,Tsc,Tsc). E pouco tempo depois veio a maldita lista dos “piores discos de todos os tempos”, que tinha a obra-prima Meat is Murder dos Smiths em oitavo lugar. Das 24 cartas publicadas na Bizz sobre o assunto – quase todas xingando os críticos – apenas a minha foi respondida. Nem adiantou o José Augusto Lemos, na mesma edição da revista em que minha carta foi publicada, numa crítica aonde deu nota máxima para o disco ao vivo Beethoven Was Deaf, do Morrissey, ter escrito que quem votou nos Smiths para aquela lista de piores na verdade disfarçou sua “homofobia” num “humor de borracharia”.
Era tarde demais. Finalmente percebi que tinha dado muito mais importância para críticas e críticos do que eles realmente mereciam. E é por isto que o ódio, mostrado na carta do início deste texto, deveria ter sido voltado contra mim mesmo – e não contra os pobres Forastieri e Campos, que nada mais fizeram, afinal de contas, do que me abrir os olhos.
(texto escrito em 2004)
0
There are 0 comments