Woody Allen

Livros que minha mãe amava: 4. “Dom Casmurro”, de Machado de Assis
Literatura
Livros que minha mãe amava: 4. “Dom Casmurro”, de Machado de Assis
21 de fevereiro de 2024 at 12:12 0
Lembro como se fosse hoje. Minha mãe trabalhava na firma do meu pai, e um dia eu estava na sala dela. Tinha uma prateleira com poucos livros e, no meio destes, havia três livros grossos, belíssimos, em papel-bíblia, mas que não eram a Bíblia. Era uma edição das “Obras Completas de Machado de Assis”, da Companhia José Aguilar, de 1971. Não lembro que ano era, estávamos no final dos anos 1970 ou início dos anos 1980. Peguei os livros e comecei a folheá-los, simplesmente inebriado. Nunca tinha visto edições tão lindas como aquelas. Perguntei para minha mãe de quem eram aqueles livros. “São teus”, ela respondeu. A alegria que me invadiu naquele momento é difícil de ser definida, até hoje. Li grande parte dos romances de Machado de Assis naquela edição, no primeiro volume, muitos deles mais de duas vezes. Também li a maioria dos contos, no segundo volume, e algumas peças e poesias, no terceiro. Nunca li as crônicas, que formam boa parte do terceiro volume, mas lê-las é um projeto que carrego comigo até hoje. Minha mãe amava Machado de Assis como, acho, não amou nenhum outro autor, brasileiro ou estrangeiro. Ela fazia uma citação, que nem ela lembrava de quem era, que dizia que “as casas de Machado não têm quintais” – uma referência às poucas descrições de lugares e paisagens no autor, ao contrário do que acontecia com outro grande escritor do tempo do Império, José de Alencar. Ela sempre contava que tinha chorado quando, ainda jovem, acabou de ler o último livro de Machado, pois não teria mais nada novo dele para ler. Lamentava que ele escrevesse em português, e que fosse pouco conhecido fora do país, e ficou muito feliz quando lhe contei que “Memórias Póstumas de Brás Cubas” era um dos livros preferidos de Woody Allen. Às vezes, ela me perguntava: Capitu traiu ou não? E achava estranho que eu lhe dizia que preferia Lima Barreto a Machado de Assis. Para esta série “livros que minha mãe amava” resolvi reler (pela segunda ou terceira vez) “Dom Casmurro”. Tinha gostado muito de mais uma releitura de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, em 2016, conforme conto aqui. Mas com Dom Casmurro a situação foi bem diferente. Desde a primeira vez que o li, a parte que eu mais tinha gostado era a sensibilidade com que era contado o início do namoro entre Bentinho e Capitu. Desta vez, ao contrário, o final do romance estava muito na minha cabeça – são tantos os debates sobre a suposta, ou não, traição da personagem principal do romance que, para mim, era inevitável pensar no que aconteceria páginas adiante. Achei, enfim, um livro amargo, pesado, que não me deu nenhuma alegria ao lê-lo. Ou, quem sabe, seja só saudade da minha mãe. Mas ela não me deixaria terminar este texto sem responder a esta questão, a mais famosa da literatura brasileira: Capitu traiu Bentinho ou não? Para mim ela traiu sim, mãe, e acho que você concorda comigo.
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“Crise em Seis Cenas”, de Woody Allen
Séries
“Crise em Seis Cenas”, de Woody Allen
28 de fevereiro de 2018 at 22:25 0
Lançada em 2016 pela Amazon Prime Video, “Crise em Seis Cenas” é a única e, no dizer do próprio diretor, também a última experiência de Woody Allen no formato de série. Com seis episódios de pouco mais de vinte minutos cada um, “Crise em Seis Cenas” foi detonada pelos críticos e, até onde sei, pouca gente assistiu. Woody Allen faz um escritor, Sidney J. Munsinger (nome propositalmente semelhante a J. D. Salinger, como se percebe no decorrer da trama), casado com uma psicanalista chamada Kay (Elaine May). A série se passa nos anos 60, época de grande turbulência política – e é Lennie Dale (Miley Cyrus), uma ativista radical de esquerda conhecida de Kay, que chega na casa dos dois para se esconder da polícia e deixa tudo de pernas para o ar: o casal, seus amigos, conhecidos e até os clientes da esposa do escritor têm seus cotidianos abalados pela verdadeira força da natureza que é a personagem vivida por Miley Cyrus.   (mais…)
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Machado de Assis, Woody Allen
Literatura
Machado de Assis, Woody Allen
4 de setembro de 2016 at 22:42 0
Em algum lugar na minha cabeça confusa, o escritor brasileiro Machado de Assis e o cineasta americano Woody Allen ocupam o mesmo espaço. Explico: os dois fazem obras sofisticadas, de humor fino, com ótimos comentários sobre a existência humana, nas quais os personagens raramente se preocupam com dinheiro – mas que não grudam na memória. Consigo lembrar com detalhes do pobre pai que se sacrifica até à morte pelas duas filhas em “Pai Goriot”, de Balzac, mas não sei direito como descrever direito os gêmeos Esaú e Jacó de Machado de Assis, ou o que mesmo é que aconteceu no ótimo “Vicky Cristina Barcelona”, de Woody Allen. Duas visitas recentes às obras destes dois gigantes reforçaram esta minha impressão geral. Em “Café Society”, Bobby (Jesse Eisenberg) é um judeu nova-iorquino que vai tentar a sorte com um tio ricaço, o produtor cinematográfico Phil (Steve Carell). Depois de uma estranheza inicial – tio e sobrinho nem se conheciam –, Phil começa a ajudar Bobby, e indica Vonnie (Kristen Stewart) para auxiliá-lo na inserção no mundo hollywoodiano. O rapaz rapidamente se encanta com a garota – mas ela tem um namorado, por quem é apaixonada. Não dá para contar mais para não estragar a surpresa. (mais…)
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