Cristianismo Positivo
História

Cristianismo Positivo

22 de junho de 2025 0

Eu tenho interesses estranhos. O Império Wari, precursor dos Incas, no Peu. São Luís de Tolosa. As espécies meio-mamíferas, meio-rápteis do Período Permiano. Os Etruscos. Futebol Australiano. Os Papas de Avignon, no século XIV.

O texto de hoje é sobre outro interesse esquisito, o “Cristianismo Positivo”. A história é esquisita e assustadora demais, deve ser isto que despertou meu interesse.

Seguinte: Cristianismo Positivo é a ideia de que muitos nazistas tinham de que Jesus Cristo era ariano. É isso. Na minha opinião, isso é tão estranho e idiota que eu poderia terminar o texto aqui. Mas vou comentar um pouco mais.

O grande historiador brasileiro André Chevitarese, o maior especialista brasileiro no Jesus Histórico, escreveu com Daniel Brasil Justi um artigo, chamado “O Jesus Ariano. O imaginário e as concepções historiográficas do Jesus Histórico na Alemanha Nazista” (*), no qual detalha como teólogos alemães, alinhados ao nazismo, ativamente promoveram e popularizaram a imagem de um “Jesus Ariano” para desvincular o cristianismo de suas raízes judaicas e justificar o antissemitismo, culminando na colaboração com o Holocausto. Segundo os autores, por mais que o Nazismo tenha promovido o tal “Cristianismo Positivo”, estas teorias já eram anteriores à década de 1930, sempre no bojo de um antissemitismo feroz.

Em seu artigo, Chevitarese e Justi citam alguns textos antigos alemães que sugeriam tirar o Velho Testamento da Bíblia:

“Conforme observou Richard Steigmann-Gall (2004, p. 39, 48), não apenas Artur Dinter, em 1921, no seu romance O Pecado contra o Espírito (…), reivindicava a necessidade de remoção desse material judaico da bíblia cristã, pois ele constituiria um monumento ao ‘pensamento religioso dos judeus, que se baseia em mentiras e traição, negócios e lucro’, como também o próprio Mestre Eckart, a quem Hitler fez um tributo em Mein Kampf, ao escrever no poema intitulado ‘O Enigma’: ‘O Novo Testamento afastou-se do Velho / como tu te libertaste do mundo / E assim como estás livre das tuas ilusões passadas / também Jesus Cristo rejeitou a sua condição de judeu’.”

Cristo, no Cristianismo Positivo, era equivalente, e muitas vezes inferior, a Hitler:

“Quanto à crença na redenção cristã entre muitos alemães durante o período nazista, percebe-se que ela era composta de duas metades, como se formassem uma perfeita simbiose (STEIGMANN-GALL, 2004, p. 46). A primeira delas era formada pela figura de Hitler como salvador. Sua missão era aquela mesma de Cristo, qual seja, a de combater sem medo e sem trégua o judaísmo. A segunda metade dizia respeito às instituições religiosas, muitas delas destacando a ideia de redenção através da cruz. Neste sentido, essa redenção só poderia ser realizada na sua plenitude pela purificação de Jesus de toda e qualquer relação com o judaísmo, reconstruindo-o como ele pretensamente teria sido, isto é, como um ariano, e não como um judeu.”

Finalmente, Chevitarese e Justi citam a (tenebrosa) ideia de um Jesus musculoso:

“A fim de superar, do ponto de vista estético, aquilo que poderia parecer um sinal de derrota frente às maquinações judaicas, outras representações de Jesus foram desenvolvidas nos anos trinta no interior da Alemanha. Por meio delas, buscou-se reforçar a vitória da cruz sobre os judeus. Jesus, firme como uma rocha, tem um corpo musculoso e reluzente, cabeça erguida e olhos fixos no horizonte, como que transcendendo à dor, à violência e à derrota. Vê-se aqui, do ponto de vista estético, a sistematização de um olhar historiográfico levado ao seu ápice pelos teólogos e religiosos nazistas: o Jesus ariano.”

Em um vídeo no Instagram, André Chevitarese comenta que centenas de igrejas foram construídas no período nazista, levando em conta as ideias absurdas do Cristianismo Positivo, mas apenas uma, a Martin-Luther-Gedächtniskirche (Igreja Memorial Martin Lutero), em Berlim, construída em 1935, sobreviveu. A imagem de um Jesus musculoso e vitorioso, que está nesta igreja, é apresentada na imagem que acompanha o texto.

O artigo de Chevitarese e Justi apresenta várias outras imagens do Cristianismo Positivo, como altares luteranos cheios de suásticas e outra foto da igreja Martin-Luther-Gedächtniskirche, em que Jesus aparece seguido por apóstolos e um soldado alemão (!).

Enfim, eu nem precisaria reforçar, acho, mas não custa nada: ideia de um “Jesus Ariano” é categoricamente rejeitada pela esmagadora maioria das denominações cristãs em todo o mundo. O cristianismo, em sua essência, reconhece Jesus como judeu, nascido em Belém, na Judeia, e pertencente à linhagem de Davi. Negar sua identidade judaica é negar a própria base histórica e teológica do cristianismo, que se enraíza nas tradições e escrituras judaicas.

A existência do “Jesus Ariano” é um testemunho da capacidade de ideologias totalitárias de distorcer e manipular até mesmo as crenças mais sagradas para seus próprios fins perversos. Ele permanece como um exemplo sombrio da corrupção da fé para justificar o ódio e a violência.

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(*) CHEVITARESE, André Leonardo; JUSTI, Daniel Brasil. O Jesus Ariano: o imaginário e as concepções historiográficas do Jesus Histórico na Alemanha Nazista. Horizonte, Belo Horizonte, v. 15, n. 45, p. 188-205, jan./mar. 2017.

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