Policarpo Quaresma era um brasileiro patriota. Muito patriota. Para ele, nossas terras eram as mais férteis. A nossa cultura, a melhor. Nada do que fosse estrangeiro merecia o seu respeito. A força de sua brasilidade era tão grande que ele propôs que a língua pátria deixasse de ser o português, que veio de outras terras, e passasse a ser o tupi, nativo daqui. Era funcionário público e sua proposta foi pessimamente recebida, o que acabou lhe causando uma crise de nervos – foi aposentado por motivos de saúde e logo se recuperou.
Com muito tempo livre, Policarpo Quaresma, que era solteiro e morava com a irmã, comprou um sítio e começou a plantar: já deu para imaginar que o ex-funcionário público queria provar que as nossas terras são as mais férteis do mundo, não é? Mas as saúvas prejudicaram enormemente a sua produção – não por acaso, segundo o naturalista francês Saint-Hilaire (1779-1853), “ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil”.
As coisas estavam nesse pé quando eclode a Segunda Revolta da Armada (1892-1893), em que um grupo de altos oficiais da Marinha exigiu do então presidente Floriano Peixoto a imediata convocação de eleições para a escolha dos governantes. Policarpo Quaresma não tem dúvidas: sai do seu sítio e vai à então capital da República para pegar em armas e apoiar Floriano – com quem chega a conversar e apresentar suas propostas para um Brasil melhor.
Acho que não dou nenhum spoiler se eu revelar que nesta nova aventura Policarpo Quaresma novamente dá com os burros n’água; afinal de contas, o título da obra-prima de Lima Barreto, cujo enredo é descrito sucintamente acima, já revela como ela acaba: “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, de Lima Barreto (Penguin-Companhia das Letras, com introdução e notas de Lilia Moritz Schwarcz e prefácio de Oliveira Lima, 368 páginas).
Tinha lido o romance há alguns anos e não tinha gostado, já que achei tudo muito triste e depressivo: relendo esta maravilha hoje percebo que, na primeira leitura, fiz exatamente como aqueles leitores que não entendem a ironia dos textos do grande Chico Barney e ficam furiosos com o colunista do UOL. “Triste Fim de Policarpo Quaresma” tem, sim, um travo amargo, mas a visão ao mesmo tempo carinhosa e irônica de Lima Barreto para com seu personagem é uma das muitas qualidades que asseguram a permanência deste romance como uma das obras-primas absolutas de nossa literatura.
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