Em vídeos e crônicas, o famoso filósofo Luiz Felipe Pondé – que eu admiro muito, aliás – parece citar sempre os mesmos escritores: Fiódor Dostoiévski, William Shakespeare, Liev Tolstói, Nelson Rodrigues, Machado de Assis, Georges Bernanos e mais alguns poucos (não custa lembrar que ele está lançando um curso online sobre literatura, cujo link está aqui). Dostoiévski, então, é uma verdadeira mania para ele: em suas entrevistas da série “Democracia na Teia”, por exemplo, há uma edição gigantesca do grande autor russo atrás de entrevistador e entrevistado – mais do que isso, ele parece sempre pronto a citá-lo a qualquer momento, com ou sem necessidade.
Eu raramente cito qualquer um desses escritores da turma do Pondé. Do Dostoiévski, li “Crime e Castigo” quando adolescente, e “Os irmãos Karamazov”, bem mais tarde. Gostei muito, mas não me marcaram. De Tolstói li mais e gostei mais, mas raramente lembro dele. Machado de Assis é um gênio, claro, mas aqui no Brasil prefiro Lima Barreto (acabei de ler “Recordações do escrivão Isaías Caminha” pela terceira vez dia desses) e Dalton Trevisan. De Shakespeare conheço muito pouco, embora tenha lido “Júlio César” ano passado e tenha amado. Sobre Nelson Rodrigues eu comentei no meu “Verão de 54”: “para ser grande literatura ainda falta um tanto para Nelson Rodrigues”. Bernanos eu conheci recomendado pelo próprio Pondé, gostei muito, mas achei meio confuso.
Eu tenho uma turminha de escritores que cito sempre, também. Lembro, por exemplo, que parei de ler as colunas de dois críticos de literatura só porque falaram mal de “2666”, de Roberto Bolaño: um deles ainda teve o desplante de escrever que outra obra do chileno, “Os detetives selvagens” – que eu achei ruim – era “mais bem acabado” (ou alguma outra expressão sem sentido) que “2666”.
De todo modo, minha turminha de escritores, fora os que já citei – Lima Barreto, Dalton Trevisan, Roberto Bolaño – tem ainda Patrick Modiano, Gabriel García Márquez, Marcel Proust, Karl Ove Knausgard, Honoré de Balzac, Junichiro Tanizaki, Philip Roth, Thomas Mann, J.M.G. Le Clézio e mais alguns. Tem um outro autor que está na minha turma e na do Pondé, mas ele não foi citado – ainda.
Existe uma autora que acabou entrando na minha turma há uns poucos anos, a escritora e cantora Patti Smith. Em “O ano do macaco” ela conta de sua paixão avassaladora por “2666”, de Roberto Bolaño. Em “Devoção” ela fala de maneira extremamente carinhosa – como só ela consegue fazer – de Patrick Modiano e Simone Weil. Modiano e Bolaño admirados como devem ser! (A Simone Weil, cujas obras nunca li, deve ser muito boa também, haha.) Será que a turma de Patti Smith é parecida com a minha? Espero que sim.
De todo modo, por que a turma de Pondé é diferente da minha e, quem sabe, da da Patti Smith também? Porque, acredito eu, como filósofo, ele quer retirar algum ensinamento, quer “enxergar” algo por trás de uma obra literária. Dostoiévski e o problema da existência. Machado de Assis e o ciúme. Shakespeare e os sentimentos humanos. Nelson Rodrigues e a hipocrisia da classe média. Georges Bernanos e a fé. Tolstói e… sei lá o que ele quer ver em Tolstói.
Já eu e, provavelmente, a Patti Smith, queremos nos deslumbrar com uma obra literária. Não há o que enxergar por trás de “2666”, não há nenhum ensinamento por trás desta maravilha. O livro é apenas isso – uma maravilha. [1]
Antes de terminar, comentei acima que existe um autor que
faz parte da minha turma e da do Pondé: o nome dele é Franz Kafka. Ele deve
admirar o grande autor tcheco pela crítica à burocracia, ou pelo retrato
simbólico do absurdo da existência, ou coisa que o valha. Eu sei que amo Kafka
pela imaginação e pela maravilhosa técnica de contar histórias malucas como se
estivesse fazendo um relatório de empresa de seguros.
[1] Algum engraçadinho pode vir me questionar dizendo que o que está por trás das obras de Balzac, Thomas Mann e Junichiro Tanizaki, da minha turma, sejam respectivamente o dinheiro, a arte e o sexo. O que eu teria em minha defesa? Sei lá, hehe.
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