Boas pessoas, de Nir Baram
Literatura

Boas pessoas, de Nir Baram

9 de abril de 2015 2

Os grandes totalitarismos do século XX, o stalinismo e o nazismo, continuam temas inesgotáveis para a literatura. É com um misto de horror e fascínio que os leitores consomem cada vez mais livros sobre o período, tentando entender como tudo aquilo aconteceu – e também tentando saber como era viver naqueles dias sombrios em que uma palavra mal falada, num momento errado, podia significar exílio, tortura e morte.

Aleksandra (Sacha) Vaisberg, filha de intelectuais judeus, e Thomas Heiselberg, publicitário alemão que trabalha na filial germânica de uma empresa americana, são os dois personagens principais de “Boas pessoas”, romance do israelense Nir Baram: ela na União Soviética de Stálin, ele na Alemanha de Hitler. A história se passa entre 1938 e 1941, intervalo em que ocorrem o Pacto Nazi-Soviético, o início da Segunda Guerra com a invasão alemã da Polônia, em 1939, e a invasão alemã da União Soviética, em 1941.

As histórias de Sacha e Thomas mostram bem a dificuldade de sobreviver nos dois países naquela época maluca. Ela tem quase toda a família presa ou exilada por atividades subversivas, mas mesmo assim se alia aos opressores para tentar sobreviver, como interrogadora do NKVD (o órgão repressivo do governo de Stálin). Já Thomas é um oportunista: quando a empresa americana onde trabalha fecha a filial alemã por causa da guerra, ele vende aos nazistas seu programa de descrição do “homem nacional polonês” (elaborado originalmente com fins publicitários) para ajudar na invasão alemã da Polônia. Em “Boas pessoas” a história dos dois corre paralela e, por mais oportunistas que sejam, nem Sacha nem Thomas são totalmente desprovidos de qualidades: ela arrisca a vida para salvar seus irmãos mais novos, ele tenta de tudo para salvar sua psicanalista judia que ainda tenta sobreviver na Alemanha de Hitler.

A um passo de cair em desgraça devido a intrigas diversas, os dois acabam sendo convocados como  principais representantes dos seus governos nacionais para a organização de uma parada militar Nazi-Soviética em Brest – já nas vésperas da invasão nazista. A tal parada era uma fantasia sem o menor risco de ocorrer: embora os russos ainda confiassem superficialmente no Pacto Nazi-Soviético, os nazistas já tinham desistido completamente dele. Como se pode imaginar, ninguém na Alemanha ou na União Soviética dá a menor bola para o que Sacha e Thomas estão organizando. É a partir de então que os dois mostram o melhor de sua personalidade – mas não dá para contar muito sem estragar a surpresa.

Com personagens complexos e uma história profundamente envolvente, “Boas pessoas” ajuda a tentar responder a uma das questões do início deste texto: como era a vida durante os maiores totalitarismos do século XX?

E o romance ainda suscita outra pergunta, bem mais incômoda: o que o leitor faria no lugar de Sacha e Thomas? Tentaria ser herói ou simplesmente tentaria sobreviver com todas as forças, como eles fizeram?

 (Agradeço a Antonio Carlos Sandoval Pedro pela indicação do livro.)

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There are 2 comments

  • Marcus ASBarr disse:

    Ler ou assistir obras que remetem ao obscuro período onde imperavam as atrocidades “Nazi-Socialistas” no mundo é algo feito para elucidar os fatos. Vamos costurando cada fragmento deste painel constituído de muitas vidas destroçadas pela intolerância. E este período, apesar de já muito debatido, não se esgotará jamais, pois são muitos cenários e muitos protagonistas que continuam no anonimato, em uma História que marcou para sempre a humanidade.
    Encontrei a obra do Nir Baram por acaso. Nunca ouvi falar, nem dela nem de seu criador… mas ao ler a sinopse elaborada com esmero, vale salientar, não pude deixar de adquirir de imediato.
    A sequência de fatos vai se apresentando de forma natural e nos absorvendo por completo. A vida dos protagonistas é truncada e cercada dos acontecimentos da época que sequer imaginam a sua dimensão. Conviver em ambientes completamente hostis a vida humana e algo que leva ao limite, e neste limite cada um irá responder de uma forma bem peculiar.
    Ainda não terminei minha leitura, mas na busca de mais informações a respeito desta obra colossal, ao me deparar com este portal, não poderia passar sem deixar minhas impressões. “Boas pessoas” nos leva a vivenciar o jogo pela sobrevivência naquela época. Acompanhar esta jornada torturante, onde a perda de entes queridos é uma constante e onde a vida não possuía nenhum valor, tudo em maio aos cruéis ritos de ganância e manutenção de poder característicos de ambos os regimes.
    A falência do Nazismo se deu, oficialmente, com o término da II Grande Guerra, no entanto, o perverso regime implantado na falida URSS se manteve ainda causando danos e semeando terror no mundo por uma longa jornada.
    O mais interessante é que uma obra como esta nos apresenta, ainda, a possibilidade de aprofundar os estudos na área. Com ele descortinei mais episódios e fatos históricos que desconhecia, como, por exemplo, a revolta de 1830 na Polônia, a “Revolução dos Cadetes” e o poderio da Dinastia jaguelônica.
    Um imenso problema dos dias atuais é não querer se informar para entender, ao menos um esboço de compreensão, do que é o mundo e seus acontecimentos interligados com reflexos por todo planeta.
    As pessoas têm extrema necessidade de pertencerem a um grupo e vão se posicionando “contra ou a favor” de algo que sequer se dão o luxo de conhecer primeiro, de ter ao menos uma base fundamental a respeito do assunto.
    Leiam!!! Busquem em diferentes fontes. A história é fragmentada, mas tudo vai se encaixando e revelando novas leituras ao longo do tempo. A História é fascinante. Este livro, “Boas pessoas” de Nir Baram, é leitura obrigatória. Imaginem só… um romance. Mas vai além com uma obra cujo conteúdo está recheado de significados e de um realismos sem igual ao tratar da personalidade de seus personagens centrais.

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