Duas estudantes de medicina norueguesas, Nina Brochmann e
Ellen Dahl, resolveram escrever um livro sobre o órgão sexual feminino que, ao
mesmo tempo, contivesse informações cientificamente corretas e que fosse acessível
ao grande público. Tiveram grande sucesso nessa empreitada, e “Viva a vagina:
Tudo que você sempre quis saber” (Paralela, 344 páginas, publicado
originalmente em 2017) acabou sendo traduzido para diversos países.
De fato, o livro – que fala de assuntos como
anticoncepcionais, anatomia da região genital feminina, doenças sexualmente
transmissíveis, menstruação, hormônios, gravidez - merece esse sucesso todo.
Escrito em linguagem leve e divertida, é uma leitura altamente recomendada para
quem se interessa pelo assunto, sejam homens ou mulheres.
As autoras só poderiam ter falado um pouco menos no DIU,
haha – mesmo assim, bem, agora acho que até eu entendo um pouco desse método
anticoncepcional.
Valérie Tasso é uma escritora, sexóloga e pesquisadora francesa radicada em Barcelona, na Espanha – onde é presença frequente em debates televisivos, falando sobre sua especialidade, o sexo. Li recentemente três livros dela.
“Diário de uma ninfomaníaca” (Essência, 262 páginas) foi seu livro de estreia, publicado originalmente em 2003, e é de caráter autobiográfico. O início da obra conta o tempo em que a autora trabalhava como publicitária em Barcelona, de onde saía para diversas viagens, nas quais se encontrava com vários homens diferentes para fazer sexo. Lá pelas tantas, ela se apaixonada por um “homem errado”, que a engana e acaba a levando à falência. Sem emprego e sem dinheiro, Valérie começa a trabalhar como prostituta para tentar se reerguer.
O livro é francamente ruim, escrito com mão pesada, sem
nenhuma sutileza. O leitor não consegue ter muita empatia para com a narradora,
o que dificulta muito a leitura num livro com tal temática.
Por sorte eu – que sigo a Valérie Tasso no Twitter e simpatizo com suas postagens – acabei insistindo com a autora e acabei tentando a leitura de “Confesiones sin vergüenza: Las mujeres españolas nos cuentan sus fantasías sexuales” (Grijalbo, 150 páginas), publicado originalmente em 2015. A partir de uma turnê na qual a autora fez palestras e reuniões por toda a Espanha falando sobre sexo, o livro reproduz fantasias sexuais escritas por mulheres participantes de tal turnê. As fantasias apresentadas no livro são de mulheres de todas as idades e estados civis, e o resultado é interessantíssimo.
Muito bom também é “El otro
lado del sexo” (Plaza & Janés, 248 páginas, 2006), publicado originalmente
em 2006. O livro descreve as pesquisas de Valérie Tasso sobre grupos ou pessoas
que têm a originalidade (ou estranheza?) como característica principal. Entre
eles, umas tais “Tigresas Brancas”, que passam a vida praticando a felação,
elevando esta atividade em arte sagrada; abstinentes sexuais; um médico que diz
aumentar o prazer feminino injetando colágeno no ponto G; sadomasoquistas.
Ao contrário de o “Diário de uma
ninfomaníaca”, os outros dois livros comentados aqui são de leitura bastante
leve e agradável.
Se a polícia política chegasse aqui e eu fosse obrigado a me
exilar, levando apenas doze livros de casa, eu acho que eu levaria esses:
- “Heavier than heaven – Mais pesado que o céu: Uma
biografia de Kurt Cobain”, de Charles R. Cross (Globo Livros, 456 páginas): a
biografia do líder do Nirvana (estou no meio da leitura), me lembraria de uma impressionante
história do rock, assim como
- “Atravessar o fogo - 310 letras de Lou Reed” (Companhia
das Letras, 792 páginas): uma edição com as letras do líder do Velvet
Underground (no original e traduzidas para o português), algumas das quais
citei no meu livro “Rua Paraíba”, ainda não publicado. Antes que me perguntem,
não existe um livro semelhante com as letras do Morrissey aqui no Brasil;
- “En una noche escura - poesía completa y selección de prosa”, de San Juan de la Cruz (Penguin Clásicos, 560 páginas), que ainda não li, mas que serviria para eu treinar meu espanhol - além do que a poesia do santo carmelita é maravilhosa;
- “Alcorão Sagrado”: conheço outras versões do livro sagrado dos muçulmanos, mas nenhuma tão linda como a tradução de Samir El Hayek, publicada na coleção “Livros que mudaram o mundo”, da Folha de São Paulo. Além disso, a edição, com 700 páginas, tem mais de 2500 notas;
- “Bíblia Sagrada”, da NVI (Nova Versão Internacional – Editora Vida, 1640 páginas), com letra grande e linguagem bem mais acessível do que a maioria das que se encontram por aí;
- “Légendes de Catherine M.” (Denoël, 240 páginas), em que o marido de Catherine Millet – crítica de arte e autora do escandaloso e autobiográfico “A vida sexual de Catherine M.” – posta fotos da esposa, nua, e as comenta;
- “Machado de Assis – Obra Completa – Volume 1 – Romances” (Companhia Nova Aguilar, 1216 páginas): o bacana do mais importante escritor brasileiro é que ele faz comentários geniais em cada página - o que acaba incentivando bastante a releitura. Reler é útil num exílio, o que fez me lembrar também de
- “La Chartreuse de Parme”, de Stendhal (Éditions du milieu du monde, 676 páginas), provavelmente o único romance que li quatro vezes;
- “O Conto da Aia”, de Margaret Atwood (Rocco, 368 páginas): preciso confessar que gostei mais da série “Handmaid’s Tale” do que do romance que lhe deu origem. Mas o mundo que a escritora canadense criou é assombroso e distópico – e são livros que eu teria que levar e não séries para TV, não é?
- “Oeuvres”, de Diderot (Bibliothèque de la Pléiade, 1448
páginas), edição que amo tanto que até já fiz um texto sobre ela no meu
blog;
- “Poemas”, de Friederich Hölderlin (Companhia das Letras, 216 páginas): vou querer levar comigo o meu poema preferido, “Aos jovens poetas”:
Num futuro não especificado, foram descobertos materiais de construção, com os quais todas as construções passaram a ser construídas, que não pegavam fogo de jeito nenhum. Os bombeiros passaram a não trabalhar contra os incêndios – que não existiam mais -, mas para colocar fogo em um tipo de material extremamente perigoso, os livros.
Este é o mote principal do clássico distópico “Fahrenheit 451” (Coleção Folha – Grandes Nomes da Literatura, 168 páginas), publicado em 1953 pelo americano Ray Bradbury, e que inspirou o clássico cinematográfico de mesmo nome dirigido em 1966 por François Truffaut. O livro conta a história de um bombeiro, Montag, que começa a ter consciência pesada por colocar fogo em todos os livros que as pessoas guardam, e as aventuras daí decorrentes.
“Fahrenheit 451” (temperatura em graus Fahrenheit da queima do papel, equivalente a 233 graus Celsius) é um excelente romance, que merece o sucesso e status de clássico que obteve no decorrer dos anos. Mas o assustador é o motivo pelo qual a humanidade resolveu proibir os livros: tudo decorreu de um lento processo de imbecilização entre as pessoas, no qual as complexidades dos grandes clássicos passaram a não ter mais espaço em uma sociedade cada vez mais simplista, cada vez mais receptiva a histórias fáceis, cada vez mais preocupada com as minorias.
Qualquer semelhança com o mundo de hoje, infelizmente, parece não ser mera coincidência.
No ano 2540 o mundo será bastante diferente do que é hoje. As pessoas não dizem mais “Meu Deus”, mas “Nosso Ford”, em homenagem Henry Ford. A crença em Deus não existe mais. É altamente respeitável, para mulheres e homens, ter vários parceiros sexuais – quanto mais, melhor, aliás. Por outro lado, ter filhos ou fazer parte de uma família é algo decididamente obsceno, já que os seres humanos e, 2540 nascem por um processo industrial que une espermatozoides e óvulos. Este processo permite que pessoas nasçam, de maneira deliberada, com diferentes capacidades, fazendo parte de cinco diferentes castas - dos Alfa (os mais evoluídos entre todos) até os Ípsilon (inferiores aos demais). O objetivo do governo geral é a harmonia e a felicidade entre todas as pessoas, e para isso um alucinógeno chamado Soma é amplamente distribuído. Também visando este objetivo, a leitura de clássicos como Shakespeare, por ser perturbadora, é proibida.
De todo modo, nem toda a população mundial vive conforme descrito no parágrafo anterior: alguns povos ainda vivem em ilhas, de maneira “primitiva”: casando, formando famílias, tendo filhos, acreditando em forças espirituais e em Deus.
Este é o mundo descrito no clássico “Admirável Mundo Novo”, do inglês Aldous Huxley (Biblioteca Azul, 312 páginas), publicado originalmente em 1932. No romance, a tensão entre o mundo “oficial” e o “primitivo” ocorre quando os personagens Bernard Marx e Helmholtz Watson (ambos Alfas) resolvem visitar uma ilha “primitiva” e trazem de lá um “selvagem”, chamado John, leitor de Shakespeare.
Os conflitos apresentados e os personagens são rasos, mas “Admirável Mundo Novo” é espetacular ao descrever um mundo totalitário, onde a utopia se mistura com a distopia.
Sempre que alguém comenta "que os livros são sempre melhores do que os filmes baseados neles” eu lembro que “Laranja Mecânica”, o filme de Stanley Kubrick (1971), me pareceu muito melhor do que o livro correspondente de Anthony Burgess, publicado em 1962. Já com “Carrie, a estranha” (Objetiva, 200 páginas), a disputa filme x livro é bem acirrada.
Assisti ao filme de 1976 (há outras duas versões, uma de 2002 e outra de 2013), de Brian De Palma, com Sissy Spacek no papel principal, há muitos anos já. Carrie é uma garota que tem poderes de telecinese (basicamente, mover objetos com o poder da mente) e sofre bullying na escola em que estuda. Tentando aliviar a barra da moça, um garoto, convencido pela namorada, convida Carrie para o baile de formatura – e chega de contar a história.
O livro - que li recentemente e que foi o primeiro publicado por Stephen King, em 1974 -, à maneira de H.P. Lovecraft, descreve com linguajar científico e detalhado a história da pobre garota e dos seus poderes mentais, o que acaba fazendo com que assistir ao filme - muito mais direto - seja muito mais assustador do que ler o livro. De todo modo, o sofrimento de Carrie, personagem baseada em duas meninas que o autor realmente conheceu, é mostrado em cores bem mais fortes no romance - o que faz com que o jogo termine praticamente empatado, no final das contas.
“O verão de 54 (novelas)” , de Fabricio Muller (Editora Appris), é composto por quatro histórias bastante diferentes uma da outra.
O Verão de 54 é uma história de amor proibido. Conversão trata de família e religião, Morrissey é um policial sobre um assassino serial com “uma missão” e Sorry é uma novela para adolescentes. O Verão de 54 é uma história em metalinguagem. Conversão utiliza um narrador onisciente, Morrissey é em formato de diálogo e Sorry é um diário.
Como se vê, o leitor pode iniciar a leitura deste livro por qualquer uma das quatro novelas cujo tema lhe pareça mais interessante.
Já se sabe que o único romance publicado por Dalton Trevisan é “A Polaquinha”, de 1985, sobre o qual já comentei aqui. De todo modo, “Essas malditas mulheres”, lançado em 1982 (Editora Record, 130 páginas), é um livro de contos com muitas características de um romance. Explico: a história de João e Maria (são frequentes casais com esses dois nomes na obra dele) que Dalton Trevisan conta aqui perpassa a maioria dos contos do livro.
Em “Essas malditas mulheres” o João é um “doutor” – não é dita a sua formação específica – que tem uns vinte anos a mais que Maria, uma moça pobre e com pouca instrução. Dalton Trevisan utiliza principalmente o diálogo entre estas duas personagens para contar a história deles.
Durante a maior parte do tempo Maria conta para João as suas histórias de amor, quase sempre malfadadas: com um sargento cujo corpo ela admira; com um “baixinho da Bíblia”; com um viúvo; com um moço loiro. João é casado com outra mulher, ouve as histórias de Maria, lhe pede pequenos favores sexuais - alguns dos quais ela recusa, outros não. E ela lhe pede dinheiro, que ele quase sempre lhe dá.
A dinâmica da relação entre João e Maria é baseada principalmente no grande interesse que ele tem pela vida – e pelo corpo – dela, enquanto que ela não deixa transparecer muito se gosta ou não da sua companhia: Maria parece mais interessada no interesse dele por ela do que em qualquer outra coisa. Ela lhe diz, lá pelas tantas: “não gosto de você. João. Mas não fique triste: não gosto de ninguém. Nem de minha mãe eu gosto.”
Mesmo com traços amargos, “Essas malditas mulheres” é delicioso e tem um final divertido e espetacular.
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