História

Livros lidos recentemente – julho de 2023
História, Literatura, Religião
Livros lidos recentemente – julho de 2023
30 de julho de 2023 at 18:45 0
“Viver é prejudicial à saúde”, de Jamil Snege (Arte e Letra, 78 páginas, publicado originalmente em 1998): meu grande amigo Renê Bettega me recomendou este livro porque, segundo ele, o estilo é parecido com o meu. Não poderia haver um motivo maior para despertar minha curiosidade! Não sei se escrevo tão bem, mas, de fato, “Viver é prejudicial à saúde”, que conta a história em primeira pessoa de um arquiteto decadente, é delicioso e divertido! Quero ler agora outro livro do autor, “Como eu se fiz por mim mesmo” (um título que eu usaria para uma obra se eu tivesse tido a ideia, com certeza). “O território do vazio – a praia e o imaginário ocidental” de Alain Corbin (Companhia das Letras, 385 páginas, tradução de Paulo Neves, publicado originalmente em 1988): este foi o primeiro livro não profissional que comprei depois de casado, e tenho carregado a obra comigo desde então, em todas as mudanças que fiz - mas não a tinha lido até agora. O tema, a história da concepção ocidental sobre a praia desde a Antiguidade até o século XIX, é fascinante - mas “O território do vazio” é tão detalhista que acaba por ser chato. É um livro raro, vale de uns cem a trezentos reais na Estante Virtual, mas não vou me desfazer dele por motivos de: lembranças afetivas. “Tudo é rio”, de Carla Madeira (Record, 209 páginas, publicado originalmente em 2014): Lucy é uma prostituta que gosta muito da profissão, e Venâncio é o marido de Dalva, uma mulher com um comportamento mais convencional. Ele comete um crime inominável e toda a história se desenrola a partir deste fato. Erótico, forte, muito bem escrito, “Tudo é rio” merece o sucesso que faz. “O Alcorão – Livro Sagrado do Islã (Edições BestBolso, 489 páginas, tradução de Mansour Challita): como literatura, é uma perfeição. “O Hiduísmo”, de Louis Renou (Publicações Europa-América, 130 páginas, tradução de Eduardo Saló, publicado originalmente em 1951): apesar de ser de família católica, a primeira religião pela qual me interessei de verdade foi o Hinduísmo, ainda no final da infância, mas depois me afastei dele. Este “O Hinduísmo” serviu para mostrar que tenho muito o que aprender sobre o assunto ainda. “O que é fascismo? E outros ensaios”, de George Orwell (Companhia das Letras, 160 páginas, tradução de Paulo Geiger, organização e prefácio de Sérgio Augusto): autor dos clássicos “A revolução dos bichos” e “1984”, George Orwell era também um ensaísta de mão cheia – eu gostei mais do prefácio dele no livro “Viagens de Gulliver” de Jonathan Swift, do que do próprio romance. Este “O que é fascismo? E outros ensaios” se concentra mais em ensaios literários (ele comenta livros de gente como T.S. Eliot, Joseph Conrad e Oscar Wilde) e é sensacional.
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Interesses estranhos
Ciência, História, Religião
Interesses estranhos
21 de dezembro de 2022 at 15:02 0
Tenho interesses que eu mesmo acho estranhos. Pesquisei muita coisa sobre o Império Wari, que veio antes dos incas no Peru. Li quase tudo na internet que consegui sobre São Luís de Tolosa, um santo medieval obscuro. Tenho também particular interesse na vida de outro santo esquecido, São Lourenço de Brindisi (1559-1619). Atualmente tenho pesquisado os poucos vídeos no YouTube que consegui sobre a fauna do Período Permiano, cujos animais dominantes – quase todos destruídos no evento cataclísmico hoje chamado de A Grande Morte – eram muito mais parecidos com os mamíferos de hoje do que os dinossauros, que surgiram milhões de anos depois. Foi tema de um texto no meu “Rua Paraíba” as micronações, “países” inventados por alguns sujeitos estranhos. Já pesquisei até sobre um obscuro e excêntrico candidato a presidente nas eleições presidenciais de 1989, Antônio Pedreira, do PPB (Partido do Povo Brasileiro). Claro, tenho interesses mais “normais”, como o Império Romano, música clássica, filmes noir e os horrores do período nazista, mas não é esse o assunto aqui. Meus novos interesses esquisitos – bem, não sei se tão esquisitos assim – são o Jesus Histórico e os etruscos. Vamos lá. Como já comentei aqui, sou fascinado pela seguinte questão:
“o que será que os antigos romanos, com seus deuses imponentes e grandiosos, achavam de um pessoal - muitos compatriotas entre eles, inclusive - que achava que Deus era um pobre judeu que teve a morte mais humilhante possível, na cruz? Deviam achar estranho, no mínimo. Eu acho que também acharia.”
Para dar uma ideia da coisa, a figura que acompanha este texto, obtida aqui, é um desenho esquemático do Grafite de Alexamenos (também conhecido como grafite blasfemo) que, segundo a Wikipédia,
“é um grafite da Roma Antiga gravado em gesso sobre uma parede nas proximidades do Palatino, em Roma, hoje encontrado no Museu Antiquário do Palatino. É uma das primeiras representações gráficas da crucificação de Jesus, junto com algumas gemas encravadas. É difícil datar, mas estima-se que tenha sido feito por volta de 200. A imagem parece mostrar um jovem adorando uma figura crucificada e com cabeça de burro. A inscrição grega traduz-se aproximadamente como 'Alexamenos adora [o seu] deus', indicando que o grafite aparentemente foi feito para satirizar um cristão chamado Alexamenos.”
As pesquisas sobre o chamado Jesus Histórico tentam desvendar essas e outras questões, utilizando métodos científicos para descobrir mais sobre o fundador do cristianismo (bem, até essa denominação é discutível, mas essa é outra questão). Existem dois canais no YouTube excelentes sobre esse assunto: o de Jonathan Matthies, mais voltado à divulgação científica, e a do professor da UFRJ Andre Leonardo Chevitarese, um pesquisador de mão cheia. O primeiro livro que li sobre Jesus Histórico é de um livro que eu tinha comprado, coincidentemente, antes de acompanhar o canal do pesquisador da UFRJ: “A descoberta do Jesus histórico”, coletânea organizada pelo próprio Chevitarese e por Gabriele Cornelli (Paulus, 167 páginas, lançado em 2009). São muitos artigos interessantíssimos, e os meus preferidos versam sobre assuntos que correlacionam cristianismo e judaísmo: “Parábolas de Jesus e parábolas talmúdicas", de Edgard Leite Ferreira Neto, “O Cristianismo e os essênios. João Batista e Jesus conheceram os essênios?”, de Isidoro Mazzarolo, e “A oração de Nabônides (4Q242) e o Jesus histórico”, de André Leonardo Chevitarese. Numa live dia desses o professor da UFRJ comentou que logo lançará um livro sobre a visão de outros povos (como os romanos) sobre o cristianismo nos primeiros séculos da nossa era. Não vejo a hora de ler! Finalmente, meu último interesse estranho a ser comentado neste texto é o povo etrusco, que habitava o norte da Itália e que acabou sendo conquistado – e/ou absorvido – pelos romanos alguns poucos séculos antes de Cristo. Muito do que se sabe sobre a cultura e os costumes desse povo é de difícil comprovação, já que sua linguagem ainda não foi totalmente decifrada e que os romanos não fizeram muita questão de preservar os documentos etruscos. Já li o primeiro dos quatro livros sobre o assunto que comprei recentemente na Estante Virtual, “Os Etruscos – uma civilização reencontrada”, de Attilio Gaudio (Edições MM, tradução de Charles Marie Antoine Bouéry, 207 páginas, publicado originalmente em 1969), mas não vou comentar nada sobre ele ainda – pretendo escrever mais sobre esse povo fascinante no futuro.
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“How to Survive in Ancient Rome”, de L J Trafford
História
“How to Survive in Ancient Rome”, de L J Trafford
25 de abril de 2022 at 01:46 0
“How to Survive in Ancient Rome” (como sobreviver na antiga Roma), de L J Trafford (Pen and Sword History, 176 páginas, lançado originalmente em 2020), é uma espécie de guia turístico para alguém que esteja visitando Roma no ano de 95 d.C., época do imperador Domiciano. O livro traz diversas curiosidades sobre aquela época: como os anos eram contados? Como era o dinheiro? Como as mulheres deveriam se comportar? Como eram os nomes e sobrenomes das pessoas? Como eram as roupas? Como eram a medicina, o direito, a religião e a política da época? Como eram as casas dos ricos e as dos pobres? Os “guias” de “How to Survive in Ancient Rome” são dois personagens, não sei bem se reais ou fictícios, da alta nobreza romana: Titus Flavius Ajax, ex-escravo que acabou obtendo o cargo de secretário especial de Domiciano, e Hortensia, que, “como membro da alta elite romana, pode responder tudo o que você queria saber sobre os ultrarricos da época, mas tem medo de perguntar”. O livro é extremamente divertido e informativo, delicioso para pessoas como eu, que amam a história do Império Romano. E eu não poderia deixar de citar, neste texto, a única vez que o cristianismo é citado no livro: segundo a “guia” Hortensia, 
“O atual imperador é muito exigente quanto à manutenção de ritos religiosos e recomendamos que você não demonstre qualquer inclinação para crenças estrangeiras. O imperador baniu sua própria sobrinha, Domitilla, por se converter a esse estranho culto cristão. Ele não hesitaria em fazer o mesmo com você, ou pior.”
É um assunto que me fascina: o que será que os antigos romanos, com seus deuses imponentes e grandiosos, achavam de um pessoal - muitos compatriotas entre eles, inclusive - que achava que Deus era um pobre judeu que teve a morte mais humilhante possível, na cruz? Deviam achar estranho, no mínimo. Eu acho que também acharia.
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Livros que eu mais gostei de ter lido em 2021
Ciência, História, Literatura
Livros que eu mais gostei de ter lido em 2021
16 de janeiro de 2022 at 19:52 0
  1. “Vulgo Grace”, de Margaret Atwood: a história de um assassinato real ocorrido no século XIX foi o ponto de partida para um livro fascinante, transformado numa série tão fascinante quanto.
  2. “O fim”, de Karl Ove Knausgård: o final da monumental série “Minha luta” mistura ensaios, principalmente sobre o nazismo, e problemas pessoais ligados ao sucesso de seus livros anteriores e ao casamento do autor.
  3. “Mundos paralelos – uma jornada através da criação, das dimensões superiores e do futuro do Cosmo”, de Michio Kaku: a estranha física moderna e valores humanos num livro afetivo e delicioso.
  4. “Os andarilhos do bem”, de Carlo Ginzburg: tudo é estranho neste livro de não-ficção que conta batalhas espirituais contra bruxas na Itália do século XVI.
  5. “O segundo tempo”, de Michel Laub: o narrador desta novela excelente não sabe se vai dar ou não uma notícia ruim a seu irmão mais novo durante um Grenal no estádio Beira Rio, em Porto Alegre.
  6. “O Outono do Patriarca”, de Gabriel García Márquez: só Gabriel García Márquez para conseguir fazer o leitor sentir empatia por um caudilho sanguinário.
  7. “Rei, valete, dama”, de Vladimir Nabokov: já Nabokov não consegue fazer com que o leitor sinta empatia pelos personagens deste romance, mas ele escreve tão bem que isso pouco importa.
  8. “A leitora do Alcorão”, de G. Willow Wilson: autora de HQs, criadora da super-heroína Kamala Khan da Marvel, G. Willow Wilson emociona na descrição de sua conversão ao Islã.
  9. “Amiga de juventude”, de Alice Munro: as histórias da canadense, Nobel de 2012, são pérolas da literatura.
  10. “A gafieira de dois tostões”, de Georges Simenon: conforme o comentário do leitor Heitor Vieira de Resende no site da Amazon, “o pior livro de Simenon é ainda muito bom”. E este certamente não é o pior livro de Simenon.
(foto: Karl Ove Knausgard, obtida no Rascunho)
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Liberdade Versus Igualdade: O Mundo em Desordem
História
Liberdade Versus Igualdade: O Mundo em Desordem
26 de junho de 2021 at 14:46 0
O historiador marxista inglês Eric Hobsbawn contou a história dos últimos séculos em quatro livros que ficaram famosos: Era das Revoluções (1789-1848), A Era do Capital (1848-1875), A Era dos Impérios (1875-1914) e A Era dos Extremos (1914-1991) – eu mesmo só li os dois primeiros. Em discussão recente no jornal Folha de São Paulo, o sociólogo brasileiro Demétrio Magnoli reconhece que o seu Liberdade Versus Igualdade: O Mundo em Desordem (1915-1945) Vol. 1, (Editora Record, escrito em colaboração com Elaine Senise Barbosa), é uma contraposição ao quarto volume da obra de Hobsbawn. Enquanto o inglês é um marxista empedernido (que acredita, portanto, na igualdade entre os homens), Magnoli visa a provar que não há possibilidade de conviverem, lado a lado, liberdade e igualdade. Segundo o brasileiro, todas as tentativas de promover a igualdade entre os homens acabam descambando, inevitavelmente, para um totalitarismo atroz. Esta tese não é nova, e um dos mais brilhantes defensores dela é Friedrich Hayek, em seu O Caminho da Servidão. O que Magnoli quer é contar a história do mundo entre o final da Primeira Guerra Mundial e o final da Segunda sob um prisma liberal – e não o prisma marxista de Hobsbawn. Fora esta, existe uma diferença importante entre as obras. Nos livros da série de Hobsbawn – e não custa reforçar que só li os dois primeiros – o historiador inglês se preocupa enormemente em dar um "sentido" aos acontecimentos. Em A Era das Revoluções, as ligações entre a Revolução Francesa (de cunho político) e a Revolução Industrial (de cunho econômico) são mostradas a todo momento. O leitor sente que está vendo a "história acontecer" e grandes movimentos históricos são descortinados diante de nossos olhos. Tudo parece ter um sentido profundo. Apesar de não ser nem de longe um defensor de ideias marxistas ou socialistas, gostei muito da maneira como Hobsbawn descreve a História. Demétrio Magnoli e Elaine Senise Barbosa por outro lado, tentam ser mais sutis em mostrar sua visão de mundo. Sim, eles acham mesmo que, se um governo prioriza a igualdade, a liberdade sairá prejudicada. Esta maneira de ver as coisas realmente aparece aqui e ali no livro. Mas a obra, frequentemente, parece uma descrição de fatos históricos e ideias sem muita ligação uns com os outros. Não temos, ao ler Liberdade Versus Igualdade, a sensação de estarmos "compreendendo o que está por trás" dos acontecimentos históricos. Seria este então o desejo de Magnoli e Senise Barbosa? Como bons liberais, será que eles acham que o leitor deve ter a liberdade (opa!) de concluir o que bem lhe der na veneta? Pode ser. De todo modo, apesar de menos "emocionante" que os livros de Hobsbawn, a leitura deste primeiro volume Liberdade Versus Igualdade me parece indispensável para quem quer ter uma ideia do que aconteceu naquele período tão conturbado da história humana - e sob um prisma, no meu modo de entender, mais correto que o prisma marxista de Hobsbawn. (texto publicado em 2011 no Mondo Bacana)
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“Quero Matar Hitler”, de Edward Moorhouse
História
“Quero Matar Hitler”, de Edward Moorhouse
22 de maio de 2021 at 15:07 0
Hoje qualquer um pode (e deve) ser antinazista. Na Alemanha entre os anos 1933 e 1945, por outro lado, a coisa era muito diferente. Pequenos deslizes, pertencer ao povo “errado”, opiniões divergentes do usual – qualquer coisa podia fazer a pessoa ser torturada e assassinada em algum dos muitos campos de concentração espalhados pelo território ocupado pelos nazistas. É por causa deste tenebroso pano de fundo que são tão admiráveis os muitos casos de bravura descritos em Quero Matar Hitler, do historiador Edward Moorhouse (Ediouro). Como o próprio nome sugere, o livre descreve diversas tentativas de matar o ditador, sejam individuais, sejam parte de movimentos maiores de resistência. Tendo em vista que Hitler se suicidou em 1945, desde o início se sabe que nenhuma destas ações conseguiu seu atingir seu objetivo. Os dois capítulos iniciais são também os mais tocantes. Eles tratam de duas tentativas individuais de matar o Führer, uma por parte do estudante suíço Maurice Bavaud e outra perpetrada por um comunista alemão chamado Georg Elser. Bavaud, católico fervoroso, tentou assassinar o ditador por diversas maneiras e por causa de uma delas acabou preso e posteriormente assassinado em um campo de concentração. O suíço chegou próximo de seu objetivo em 1938, quando Hitler passava por um carro aberto em um desfile em Munique enquanto Maurice estava armado com uma pistola automática na platéia. Neste dia o sanguinário ditador acabou passando mais longe do que o estudante previra e, por isto, este acabou não atirando. Já Georg Elser plantou uma bomba-relógio na cervejaria em que Hitler iria discursar, em 8 de novembro de 1939, também em Munique. A bomba explodiu conforme o planejado, às 21h20. Mas o sanguinário ditador, como fazia frequentemente, saiu do local mais cedo do que o previsto e escapou da morte por treze minutos. O resultado da explosão foram sessenta e três pessoas gravemente feridas e oito mortas. Tanto Bavaud quanto Elser praticamente não tiveram ajuda de outras pessoas, o que faz as ações deles serem ainda mais admiráveis. Quero Matar Hitler, aliás, mostra como estas duas tentativas também foram possibilitadas pelo fraco sistema de segurança nazista da época (final dos anos 30). À medida que os anos foram passando, ações como as de Maurice e Georg praticamente não seriam mais possíveis, graças ao crescente aumento na segurança pessoal do chefe nazista Um capítulo de Quero Matar Hitler, como não poderia deixar de ser, é dedicado ao mais famoso dos atentados contra Hitler, aquele perpetrado pelo tenente-coronel alemão Claus Von Stauffenberg, cuja história inspirou o recente filme Operação Valkiria, estrelado por Tom Cruise. A bomba que o militar plantou perto do ditador em uma reunião, no dia 20 de julho de 1944, não o matou por muito pouco – e ainda reforçou a ideia que Hitler tinha de si próprio, de que ele era um escolhido pela Providência. Outro aspecto importante deste caso é como o exército alemão (a Wehrmacht) ainda conseguia ser um foco de resistência ao regime nazista, já que da conspiração de Stauffenberg faziam parte um grande número de militares de alta patente. Aliás, quase todos brutalmente assassinados como represália ao atentado. Outro capítulo de Quero Matar Hitler descreve as tentativas de Albert Speer, já no final da guerra, para assassinar o ditador. Speer, segundo relatos, era o único dos nazistas de altíssimo escalão “que parecia uma pessoa normal, não um psicopata”. Apesar da proximidade com Hitler e dos importantes cargos que ocupou, parece que realmente Speer não participou ativamente das maiores crueldades nazistas – tanto assim que ele não fora condenado à morte pelo Tribunal de Nuremberg (mas a uma pena de 20 anos de prisão). De todo modo, o fato de Speer ter ou não pensado realmente a sério em matar Hitler no final da guerra é um assunto controverso até hoje. Os demais capítulos do livro não se concentram em tentativas de matar Hitler, mas são descrições de movimentos de resistência (polonês, russo. britânico) nos quais o assassinato do ditador era, por vezes, aventado. A conclusão descreve como seria a morte do ditador. Quero Matar Hitler é uma leitura ágil e interessante. O autor mostra uma grande preocupação em inserir as tentativas de assassinato do Führer dentro do contexto histórico, o que muito enriquece a leitura. É pena que a tradução da Ediouro seja tão descuidada - mas nada que uma boa e séria revisão futura não resolva. (texto publicado em 2010 no Mondo Bacana - foto: Revista Veja)  
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“Os andarilhos do bem”, de Carlo Ginzburg
História
“Os andarilhos do bem”, de Carlo Ginzburg
2 de maio de 2021 at 14:05 0
Nas quintas-feiras do Quatro Tempos (segundo a Wikipédia, “a semana de santa Lúcia em dezembro, Quarta-Feira de Cinzas, domingo de Pentecostes e no domingo de Exaltação da Santa Cruz em setembro”) os benandanti (ou seja, “andarilhos do bem”) são convocados para a batalha noturna contra as bruxas. Caso aqueles sejam vencedores das lutas, a colheita terá sucesso; em caso contrário, ela será um fracasso e a fome grassará no Friul, região no nordeste da Itália. Os benandanti são os “empelicados”, ou seja, aqueles que nasceram sem o rompimento do “pelico” - ou bolsa amniótica -, que muitas vezes o carregam consigo pelo restante da vida. Os “andarilhos do bem” batalham apenas em espírito, ou seja, ficam deitados na cama, imóveis, enquanto suas almas vão lutar contra as bruxas pelo bem da colheita e, em última análise, da comunidade - importante ressaltar que eles não podem ser acordados ou mexidos nessas ocasiões porque a alma corre o risco de não voltar para o corpo. A Inquisição acaba sabendo da existência sobre desses estranhos benandanti e vários processos são instalados com o intuito de descobrir o quanto o procedimento deles é contrário às leis da Igreja. Apesar de um ou outro benandanti ser condenado à fogueira, na grande maioria dos casos os inquisidores, muito mais preocupados contra heresias protestantes, acabam deixando os bruxos do bem em paz. O que foi descrito acima aconteceu entre o final do século XVI e o início do século XVII, e é descrito com detalhes em “Os andarilhos do bem”, do historiador italiano Carlo Ginzburg (Companhia das Letras, 283 páginas, tradução de Jônatas Batista Neto, publicado pela primeira vez em 1966). E o livro é tão fascinante quanto parece.
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“Como fazíamos sem” e coleção “Baú de Histórias”
História
“Como fazíamos sem” e coleção “Baú de Histórias”
2 de maio de 2021 at 13:40 0
Existem alguns assuntos de conversa que são melhores que outros. Diferenças lingüísticas, por exemplo. Experimente, numa roda de amigos, dizer que o chinês é uma língua tonal, o que significa que uma palavra muda totalmente o sentido se você a pronunciar como um pergunta, como uma afirmação ou como uma ordem, que você vai ver a reação fascinada da maioria das pessoas. Outras dicas: diga, por exemplo, que o japonês tem três alfabetos, um deles copiado do chinês, o que faz com que uma pessoa japonesa consiga entender por alto um texto escrito em chinês, por mais as duas línguas sejam totalmente diferentes. Que o vietnamita é uma língua tonal como o chinês, mas que o governo comunista de lá resolveu mudar do alfabeto antigo para o alfabeto latino (o nosso). Resultado: para dar conta dos diversos tons utilizando as nossas letras, o vietnamita é escrito com mais de dez acentos, que se situam acima, no meio e abaixo das letras! Isto até pode ser "cultura inútil", que não vai fazer aumentar nossos salários, mas que diverte e fascina. Outro assunto de conversa interessantíssimo é a chamada "história da vida privada", a história, não das grandes personalidades e líderes, mas do dia-a-dia da intimidade das pessoas. Entre os assuntos que este tipo de "história íntima" analisa está o "como vivíamos sem" um ou outro novo produto ou aparelho. A tecnologia tem mudado radicalmente a vida dos seres humanos: muitas pessoas de mais de quarenta anos mal conseguem acreditar como viviam sem celulares na juventude (por mais que ninguém sentisse falta do aparelhinho na época!). Um dos grandes fascínios da recente série Roma¸ da HBO, por exemplo, é o cuidado dos produtores em mostrar a vida na República Romana (pouco antes do início do Império) exatamente como ela era: as pessoas comiam com as mãos, usavam tochas para iluminação (não havia luz elétrica) e até uma trepanação - cirurgia que consistia em fazer buracos no crânio usando uma pedra para libertar os espíritos ruins que tinham se alojado no corpo do doente - é mostrada no seriado. Comer com as mãos, tochas para iluminação e trepanação são alguns dos exemplos citados no delicioso "Como fazíamos sem", da jornalista mineira Bárbara Soalheiro (Panda Books, 144 páginas). O livro é bem-humorado - na medida certa, ou seja, nada "engraçadinho" - e muito bem ilustrado. Em seus capítulos curtos, mostra o que as pessoas faziam quando não havia anestesia, geladeira, armário, dinheiro... Alguns exemplos apresentados no livro são particularmente interessantes. Antes da invenção do vaso sanitário, "o matinho era a privada de nossos antepassados. Lá pelo século XVIII, quando as cidades começaram a crescer e já não havia tanto mato por perto, a solução foi usar baldes. E é por isso que os maiores beneficiados com a invenção de privadas não foram os que estavam com vontade de usar o toalete (afinal, cá para nós, quando a vontade é grande mesmo o lugar pouco importa), mas os transeuntes das grandes capitais. Depois que acabavam de fazer suas necessidades, as pessoas despejavam o conteúdo dos baldes nas ruas. Em Paris, para alertar quem passava, gritavam 'Água vá!' antes de jogar fezes e urina pela janela. No Rio de Janeiro ou em Salvador, nem isso eles faziam." Sem avião, sem automóveis e sem boas estradas, a viagem de "Ouro Preto ao Rio de Janeiro - as duas principais cidades brasileiras no século XVII - levava pelo menos 12 dias. Hoje, é assunto resolvido com apenas 50 minutos dentro de um avião. E se você é daqueles que reclamam depois de algumas horas dentro do carro e acha que o maior problema naquele tempo era ter paciência para agüentar quase duas semanas de viagem, é porque não tem idéia do quanto elas eram desconfortáveis. Quem fazia a viagem com mais freqüência eram os tropeiros, encarregados do comércio de animais - em geral, bois. Eles iam a cavalo, parando em fazendas para pernoitar. Um dos problemas que enfrentavam - além dos percalços da estrada como lama, mosquitos e bandidos - era levar alimentos que não perecessem em uma viagem tão longa. Foi dessas dificuldades que nasceram alguns pratos que comemos até hoje. Um dia, por exemplo, alguém que gostava muito de feijão teve a idéia de misturá-lo com farinha. Assim ficava mais fácil transportar - e o feijão se mantinha conservado por mais tempo. Resultado: nasceu o feijão tropeiro, um clássico da comida nacional." "Como fazíamos sem" ainda tem muitas outras curiosidades sobre como era a vida de nossos antepassados, como o motivo pelo qual os ingleses são pontuais e os brasileiros não. Mas, para saber mais, o negócio é comprar os livro. Se você for fã de cultura inútil ou de um bom papo, não vai se arrepender. _____________________________________________________________ Segundo a sua coordenadora de publicação, Mary del Priore, a coleção Baú de histórias, da José Olympio Editora, apresenta raridades bibliográficas, inéditas até hoje e marcadas pela indiferença e o esquecimento, que têm interesse literário, histórico e etnográfico, "raros testemunhos de um universo e um tempo que perdemos". Dois exemplares desta coleção tratam da escravidão durante o período do Império Brasileiro: Cinqüenta dias a bordo de um navio negreiro, do pastor anglicano Pascoe Grenfell Hill (123 páginas) e Entrevistas com escravos africanos na Bahia oitocentista, do estudioso francês Francis de Castelnau. O mais interessante entre eles é Cinqüenta dias... Em 1842 os brasileiros e portugueses ainda não tinham abolido o tráfico de escravos da África para o Brasil, e os navios negreiros eram considerados fora-da-lei pela legislação internacional. O livro do pastor Grenfell Hill conta uma história real: uma apreensão de um navio transportando escravos por uma barcaça inglesa. O que poderia ser uma história de final feliz com a libertação dos cativos, infelizmente, resultou em uma tragédia. Os ingleses não podiam, simplesmente, mandar os escravos para um local próximo na costa africana porque eles seriam escravizados de novo (eram próprios negros africanos que vendiam seus semelhantes). A solução era liberá-los em um lugar distante, mas os ingleses não tinham o menor conhecimento de como transportar uma grande quantidade de pessoas no espaço exíguo de um navio e com poucos víveres. Resultado da expedição descrita por Grenfell Hill: uma quantidade muito maior de mortos entre os negros do que quando os portugueses ou brasileiros - que tinham grande experiência no transporte de escravos -comandavam os navios negreiros. O grande interesse de Francis de Castelnau em Entrevistas... é saber mais sobre a possível existência de uma tribo africana cujos membros tinham rabos (!). Vários escravos entrevistados contam rapidamente suas histórias, das guerras que participaram, e de como foram apreendidos para serem vendidos - além, é claro, de contar o que sabiam sobre a tal estranha tribo. Se a leitura do livro de Castelnau é um pouco cansativa às vezes - principalmente quando descreve a geografia dos lugares pelos quais os escravos passaram - por outro o livro, como documento histórico de uma época, é de um fascínio inegável. Também sobre a escravidão é o estudo Feitio de viver - memórias de descendentes de escravos, da carioca e professora da Universidade de Londrina Gizêlda Melo do Nascimento (Eduel, 167 páginas), que apresenta 41 entrevistas com depoimentos de descendentes de escravos e sua análise, em linguagem acadêmica. (publicado no suplemento dominical do jornal O Estado do Paraná em 2006)
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