Literatura

“O belo sexo dos homens”, de Florence Ehnuel
Literatura
“O belo sexo dos homens”, de Florence Ehnuel
3 de maio de 2025 at 21:14 0
"Nesse sentido, e desde que ele não exiba o sexo de modo brutal ou vulgar, todo homem guarda em si magia e mistério, uma capacidade secreta e acrobática que provoca meu respeito e toda a minha admiração. Apenas esse espetáculo já é satisfatório. Apenas essa ideia já é enfeitiçante. Apenas esse mistério já seduz. Evidentemente, se o homem é grosseiro e faz uma demonstração exibida, é ridículo. Por que ser grosseiro quando já se é grande? Por que ser exibido quando se tem a capacidade, sem gesto suplementar, de apresentar-se e de oferecer-se amplamente? Isso faz a grandeza cair no grotesco, e a oferta, numa vā demonstração. É pura e simplesmente sacrilégio. Mas quando o espetáculo é verdadeiramente apresentado sem excesso de vaidade ou pudor, então eu acredito que não haja nada mais encantador. Acredito que não haja presente mais bonito. É até mesmo o presente por excelência. Que gesto mais bonito pode me ser dirigido, e ainda por cima com modéstia, que o de apontar-me como aquela que o motiva? Essa superação do corpo do homem por si mesmo, esse transbordamento de sua carne, essa concentração manifesta de sua energia, essa circulação de seu fluido capaz de bloquear seu refluxo, assim como a retração do prepúcio, o descobrimento da glande, a inchação das veias que sulcam, em frisas, os lados, a elevação do membro, tudo isso é tão fascinante, tão exaltante que, quando assisto a isso, só sei dizer: "Que maravilha! Esplêndido! Magnífico!" - do mesmo modo que posso exclamar diante de algumas grandiosas paisagens naturais sobre as quais nada posso dizer ao contemplá-las senão que estou satisfeita, e até embasbacada. Sublime! E se, além disso, posso pensar que tenho alguma influência nisso, nesse processo de multiplicação do pão, nesse afluxo do sangue, nesse vinho que tem a genialidade de correr abundantemente e de se estocar no lugar certo, então eu me sinto profundamente honrada. Encantada em conhecê-lo. Que honra pode ser superior a essa? Que honra maior?"
(in "O belo sexo dos homens", de Florence Ehnuel (Objetiva, 112 páginas, traduzido por Véra Lucia dos Reis, publicado originalmente em 2008). Como o próprio título já entrega, o livro é uma ode ao pênis.)
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“A garota que só pensava naquilo” e “Minha vida na horizontal”
Literatura
“A garota que só pensava naquilo” e “Minha vida na horizontal”
2 de maio de 2025 at 21:31 0
"A garota que só pensava naquilo - confissões de uma sedutora", de Abby Lee (Prestígio Editorial, 224 páginas, tradução de Vera Whately, publicado originalmente em 2006) e "Minha vida na horizontal - aventuras sexuais de uma noite só" (Bertrand Brasil, 267 páginas, tradução de Sibele Menegazzi, publicado originalmente em 2005) têm muito em comum: foram escritos na mesma época, são autobiográficos e descrevem sem nenhum pudor a vida sexual ativa de suas autoras. Mas, enquanto Chelsea Handler é uma humorista de stand-up de sucesso, Zoe Margolis (o nome real de Abby Lee) contou que perdeu suas oportunidades de emprego na indústria cinematográfica quando sua real personalidade foi revelada, e hoje escreve como uma mortal comum no X, aparentemente sem grande sucesso.
"A garota que só pensava naquilo" foi originada de um blog que foi descontinuado em 2018, com o mesmo nome do livro. Em uma de suas últimas postagens, ela conta que finalmente estava ficando em paz com seu corpo. O livro é muito bem escrito, e suas descrições de desejo sexual são bastante explícitas. Já "Minha vida na horizontal" tem como ponto forte o humor, e ri alto em diversas passagens do livro - mas desejo sexual também é descrito de maneira bastante forte e explícita. E no final de ambos os livros as autoras chegam à conclusão que, ao invés de uma vida promíscua, elas gostariam mesmo é de um relacionamento estável.
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Mario Vargas Llosa (1936-2025)
Literatura, Obra Literária
Mario Vargas Llosa (1936-2025)
14 de abril de 2025 at 10:51 0
Na adolescência eu tinha variado entre a esquerda radical (comunismo), a esquerda liberal e o anarquismo. Cheguei a fazer uma micro-tatuagem com o símbolo do anarquismo: tinha livros do Proudhon, do Bakunin, do Kropotkin e do Malatesta. Achava que o governo — qualquer governo — é a fonte de todos os males. Quando da primeira eleição para presidente no Brasil em muitos anos, eu tinha votado nos candidatos de esquerda, não porque ainda tivesse qualquer ilusão quanto ao sucesso do comunismo/socialismo, mas porque eu tinha uma questão incômoda e não respondida: “Por que diabos o capitalismo dá certo nos países da Europa e não aqui?” Enquanto ninguém me respondia a essa pergunta, eu votava nos candidatos da esquerda porque a pobreza aqui do Brasil é uma coisa horrorosa. Mas eu me interessava muito pelo assunto, vivia numa verdadeira ebulição intelectual atrás de alguém que me desse uma resposta para a questão acima. Resposta esta que acabou vindo no “Programa Henry Maksoud e Você”, em que o apresentador entrevistava o escritor Mario Vargas Llosa. Segundo este, os países latino-americanos não chegam a ter um capitalismo desenvolvido, mas um mercantilismo, onde os governantes se unem com os grandes empresários num jogo de interesses. O verdadeiro capitalismo significa concorrência, coisa que, segundo o então futuro Prêmio Nobel de Literatura, não existe aqui na América Latina. Em outras palavras, o problema do país não é excesso de capitalismo, mas a falta dele. *** Se sou um liberal de centro-direita até hoje, devo boa parte disso à influência e à chancela de Mario Vargas Llosa, conforme o trecho acima, reproduzido do meu livro “Rua Paraíba”. Mas o grande escritor peruano, falecido ontem, era muito mais do que isso para mim. Li com grande prazer várias de suas obras, “Conversa na Catedrak”, “Pantaleão e as visitadoras”, “Tia Júlia e o escrevinhador”, “Elogio da madrasta”, “Quem matou Palomino Molero?”, “Travessuras de menina má”. Tenho aqui os “Cadernos de Dom Rigoberto”, continuação de “Elogio da madrasta”, e logo devo ler. Só deixei dois no meio: “A guerra do fim do mundo”, uma espécie de releitura de “Os sertões”, de Euclides da Cunha, porque achei meio chato, e “A festa do bode”, uma obra-prima absoluta sobre o ditador dominicano “Rafael Leonidas Trujillo Molina - o "Bode" - e a implacável ditadura que implantou no país durante seus 31 anos de governo”, segundo o site da Amazon. Prova de que tem épocas em que a gente não está muito a fim de ler mesmo. Descanse em paz, mestre. (Foto que acompanha o texto obtida no Portal Uol.)
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Sobre Trilogias e Trios
Cinema, Literatura, Música
Sobre Trilogias e Trios
23 de março de 2025 at 17:31 0
É impressionante como, pelo menos para mim, em termos de qualidade literária as trilogias “MaddAddão” de Margaret Atwood, e “Os caminhos da liberdade”, de Jean-Paul Sartre, são similares. Citando primeiro as obras da escritora canadense, e depois as do existencialista francês, ambas começam com uma obra-prima - “Oryx e Crake” e “A idade da razão” -, continuam com livros ruins - “O ano do dilúvio”, sobre o qual comentei aqui, e “Sursis”, simplesmente ilegível - e terminam com algo um pouco melhor, mas mesmo assim nada demais: “MaddAddão”, lido recentemente (Rocco, 448 páginas, traduzido por Márcia Frazão) e “Com a morte na alma”. Também as trilogias têm em comum o fato de eu terminado de lê-las me irritando por continuar a leitura – com um pouco de “morte na alma”, eu diria. *** Estava navegando na internet dia desses quando vi uma foto do cartaz de “MaXXXine” (que é a foto que acompanha este texto), filme de 2024 do diretor Ty West lançado em 2024 (104 min), e fiquei curioso por assistir. Acabei descobrindo que o filme era a terceira parte de uma trilogia do mesmo diretor, chamada “X”, também formada por “X – a marca da morte”, de 2022 (105 min), e “Pearl”, também lançado em 2022 (102 min), e assisti aos três recentemente, todos pela Prime Video. Mia Goth - que é uma atriz britânica filha de uma brasileira e que viveu por aqui parte de sua juventude, e é neta da importante atriz Maria Gladys - não só é atriz principal dos filmes, como atuou como corroteirista e coprodutora de em alguns deles. “X – a marca da morte” fala sobre um grupo que vai rodar um filme pornográfico numa casa numa fazenda no interior dos Estados Unidos – e é lá que coisas estranhas começam a acontecer. Mia Goth faz ao mesmo tempo a “mocinha” – por falta de uma palavra melhor - e a vilã do filme, e é como a personagem malvada que ela retorna em “Pearl”, uma prequel que conta a juventude dela. Finalmente, “MaXXXine” é a continuação de “X – a marca da morte”, retomando a história da “mocinha” do primeiro filme da trilogia. Confesso que meu conhecimento sobre terror gore é basicamente inexistente, mas gostei muito da trilogia “X”. Mia Goth é estranha, sensual e misteriosa, e é o grande destaque dos filmes – não à toa, Martin Scorcese e Stephen King confessaram admiração por seu trabalho. *** Para que terminar este texto com o disco com o álbum “Piano Trios Nos. 1 Op.8 & 2 Op. 87”, de Johannes Brahms, com o violinista Augustin Dumay, o violoncelista Juan Wang e a pianista Maria João Pires? Não sei, na verdade. Afinal de contas, são dois trios para piano, e não trilogias! Sei lá. Acho que é porque eu queria comentar que, nestas obras, Johannes Brahms não cansa o ouvinte com tanta beleza: quando você acha que um trecho não pode ser mais lindo, ele vem com outra coisa mais maravilhosa ainda. Não canso de ouvir, há anos já. E a pianista portuguesa Maria João Pires não parece deste mundo, de tão perfeito que é o seu toque. *** Se você quiser receber meus textos semanalmente, clique aqui e cadastre seu e-mail.
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Livros que minha mãe amava: 8. “O Drible”, de Sérgio Rodrigues
Literatura
Livros que minha mãe amava: 8. “O Drible”, de Sérgio Rodrigues
9 de março de 2025 at 18:45 0
Minha mãe insistia para eu ler “O Drible”, de Sérgio Rodrigues (Companhia das Letras, 220 páginas, lançado em 2013). Insistia e insistia. Mas eu não queria ler. E não queria por um motivo besta: o autor tinha um blog, no site da Revista Veja (acho), no qual, não bastando falar mal de meu livro preferido na época, “2666”, de Roberto Bolaño, ainda dizia que o chatíssimo “Os detetives selvagens”, do mesmo autor, era melhor - porque mais completo, ou mais bem pensado, ou alguma coisa no gênero. O grande escritor chileno fez sua obra-prima sabendo que estava com os dias contados: na ideia de Sérgio Rodrigues, isso fazia com que o livro fosse meio mal-acabado. Cito de memória, mas acho que era isso. Sérgio Rodrigues ainda falou mal de “Verão”, de J.M.Coetzee, uma obra-prima absoluta, e se divertia dizendo que a mulher dele, ou outra pessoa próxima, achava que ele não manjava nada de nada por não gostar do meu livro preferido do grande escritor sul-africano. Bem, enfim, um dia, uns meses atrás, fui procurar aqui em casa “O Drible”, na edição que minha mãe tinha literalmente me empurrado para eu ler – digo que ela insistia. Não achei a edição, e comprei outro exemplar. O romance é contado em primeira pessoa por Neto, um revisor meio fracassado cuja mãe tinha se suicidado quando ele era criança. Ele era filho de Murilo Filho, um grande cronista de futebol meio senil, que no passado tinha sido um conquistador e mulherengo inveterado, um informante da ditadura e um pai basicamente ausente na educação do filho. Eles tinham ficado anos sem se falar, e quando o livro começa Neto estava com o costume de visitar semanalmente o pai na chácara dele. Murilo Filho, nestas ocasiões, basicamente ficava falando sem parar sobre futebol – algumas passagens do livro já são antológicas para fãs do esporte. Além disso, o retrato que Sérgio Rodrigues faz do Rio de Janeiro dos anos 1950 em diante é extremamente interessante. Mas o forte mesmo desta pequena obra-prima é a relação conturbada entre pai e filho. É claro que minha mãe não iria insistir tanto para que eu lesse um livro ruim. *** Importante ressaltar que achei a versão que minha mãe tinha me dado assim que terminei de ler a minha versão do romance! A foto que acompanha o texto mostra as duas edições, a minha e a dela. Quem quiser receber meus textos semanalmente, clique aqui e cadastre seu e-mail.
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Meus livros: passado e futuro
Literatura, Obra Literária
Meus livros: passado e futuro
23 de fevereiro de 2025 at 12:27 0
Eu tenho três livros inéditos, que pretendo publicar pela Amazon ainda neste ano. *** O primeiro é “3040”, um romance de mais de 400 páginas contado em primeira pessoa por uma personagem feminina, chamada Silvia. O livro foi baseado num sonho da minha filha Teresa, no qual ela fez uma viagem no tempo: saindo de uma espécie de submarino, ela viu que estava em 5040; a paisagem era estranhíssima, com prédios gigantescos e brilhantes. A partir do sonho dela, imaginei que em 5040 a humanidade resolveria se fechar, se isolando em prédios gigantescos, e que ninguém mais viveria ao ar livre. Isso porque os seres humanos resolveram sair da natureza, que estava sofrendo com nossa participação no aquecimento global. Grande parte da energia deste futuro enclausurado era obtida em painéis solares gigantescos, situados nas paredes externas de arranha-céus enormes. Estes painéis deixavam os edifícios brilhantes - conforme o sonho da minha filha. Comecei a escrever “5040” no início de 2019, antes ainda da pandemia de COVID! Lá pelas tantas entrei numa “sinuca de bico” literária, sem saber para que lado deveria levar a história. Quando, em 2020, a pandemia chegou e efetivamente tivemos que ficar enclausurados, consegui entrar em contato com a grande escritora Juliana Frank (autora, entre outros, de “Meu coração de pedra-pomes”, publicada pela Companhia das Letras, e “Cabeça de Pimpinela”, pela 7 letras) para me ajudar. Ela logo mudou “5040” para “3040”, e na história a humanidade foi para prédios gigantes não mais por causa do aquecimento global, mas devido a pandemias. Muitas pandemias. No fim, com muito esforço de parte a parte (meu e da Juliana), 3040 ficou pronto, e agora está na hora de lançá-lo! *** Junto com o “3040” escrevi um livro de contos, também com mentoria da grande Juliana Frank. Tem histórias fantásticas, histórias eróticas, histórias assustadoras, e muitas que misturam tudo isso. Ainda não tem nome, mas acho que vai se chamar “Contos” mesmo. *** Finalmente, tenho um livro de poemas, dividido em duas partes: “Sempre”, com poemas curtos, e “deus um delírio”, uma espécie de viagem ao inconsciente, escrito sem nenhuma pontuação e sem nenhuma letra maiúscula. Acho que o livro vai se chamar “Poesia” mesmo. *** Isto, para o futuro. No passado, publiquei os livros abaixo: *** “Um amor como nenhum outro”, lançado em 2017 pela Editora Schoba. Novela sobre um nadador fracassado. Segundo Jonatan Silva, meu grande amigo e também escritor, um dos donos do ótimo canal Curitibando, “quem foi adolescente na década perdida, ou nos anos seguintes, pode cair na tentação de se identificar e, com certeza, vai se encontrar como peça no jogo criado por Fabricio Muller, um ardiloso experimento sobre os pequenos fracassos que nos fazem mais fortes”. Meu livro de estreia está fora de catálogo, mas quem quiser uma cópia em pdf pode pedir no e-mail fabriciomuller60@gmail.comO verão de 54 (novelas)”, lançado em 2019 pela Editora Appris, “é composto por quatro histórias bastante diferentes uma da outra. O Verão de 54 é uma história de amor proibido. Conversão trata de família e religião, Morrissey é um policial sobre um assassino serial com “uma missão” e Sorry é uma novela para adolescentes. O Verão de 54 é uma história em metalinguagem. Conversão utiliza um narrador onisciente, Morrissey é em formato de diálogo e Sorry é um diário. Como se vê, o leitor pode iniciar a leitura deste livro por qualquer uma das quatro novelas cujo tema lhe pareça mais interessante.”  Pode ser obtido, impresso ou para Kindle, neste link. “Rua Paraíba”, lançado em 2020 pela Café do Escritor. “Formado por três livros (“Rua Paraíba”, “Memórias” e “Energia”) escritos entre 2016 e 2019, “Rua Paraíba” conta histórias pessoais, histórias profissionais e comentários do autor a respeito de assuntos como religião, economia, política e música pop.” Pode ser obtido em versão em Kindle aqui. Tenho algumas cópias impressas comigo, se alguém se interessar. Além dos três livros acima, a versão inicial da novela “Conversão”, que está na coletânea “O verão de 54 (novelas)”, foi lançada na Amazon, e pode ser obtida em Kindle e impressa, neste link. Publiquei também um conto da coletânea “Ser: Antologia em contos”, da Editora EntreCapas, de 2019, coordenada pelo meu grande amigo e grande escritor Robertson Frizero, que pode ser obtida em versão impressa aqui. Fiz também um vídeo de divulgação do conto, que pode ser assistido neste link. Mais informações sobre minha obra literária podem sobre obtidas no meu no meu site. (Na foto que acompanha o texto, eu e a grande escritora Juliana Frank. quem tiver interesse em receber meus textos semanalmente, clique aqui e cadastre seu e-mail )
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“A vegetariana”, de Han Kang
Literatura
“A vegetariana”, de Han Kang
9 de fevereiro de 2025 at 17:28 0
Quando fiquei sabendo, em algum noticiário, que o livro mais conhecido da escritora coreana Han Kang (1970- ), vencedora do Prêmio Nobel de Literatura de 2024, chamado “A vegetariana” (Todavia, 171 páginas, tradução de Jae Hyung Woo, lançado originalmente em 2007), falava sobre uma mulher que, um belo dia, resolveu parar de comer carne, causando revolta na família, logo pensei que era alguma espécie de libelo pró-vegetarianismo. Ledo engano. O grande escritor inglês Ian McEwan chamou “A vegetariana” de “um pequeno romance sobre sexualidade e loucura que merece seu grande sucesso”. É interessante perceber que, como o livro é dividido em três partes, a primeira e terceira tratam de “loucura”, e a segunda, de “sexualidade”. A mulher que resolve parar de comer carne, por causa de “sonhos”, é Yeonghye, uma discreta e calada dona-de-casa coreana, vivendo em Seul, mulher de um alto executivo. Conforme comentado acima, a família entra em polvorosa com a sua decisão, mas não é porque ela simplesmente virou vegetariana – o que até seria aceitável -, mas é porque estava perdendo peso numa escala e numa velocidade preocupantes. Isso é contado principalmente na primeira parte do livro, escrito em primeira pessoa pelo marido de Yeonghye. A segunda parte, narrada em terceira pessoa, é contada sob o ponto de vista do cunhado da personagem principal do romance, um artista visual casado com a irmã da “vegetariana”. Já a terceira, também narrada em terceira pessoa, mostra os acontecimentos sob o olhar da irmã de Yeonghye. Por mais que eu pense a respeito, não consigo contar mais do livro para não dar spoiler, tantos são os acontecimentos surpreendentes no romance. Mas o que dá para contar é que “A vegetariana” é realmente uma obra-prima, uma história extremamente perturbadora narrada com uma prosa límpida. (Se você quiser receber meus textos semanalmente, clique aqui e inscreva seu e-mail.)
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Charles Dickens, Henry James e um álbum de fotos no Facebook
Literatura
Charles Dickens, Henry James e um álbum de fotos no Facebook
12 de janeiro de 2025 at 18:54 0
Foi num livro (“Drible”, de Sérgio Rodrigues) - que minha mãe insistiu por anos para que eu lesse, que só estou lendo agora (e amando) e que será tema de minha série “Livros que minha mãe amava” -, que li o seguinte trecho:
“- Ah, então esse é o nosso Dickens – riu um homem de suspensórios sentado de frente para ele. Meu rosto queimava.”
Eu percebi na hora, pelo contexto, que aquele homem de suspensórios era o jornalista e escritor Nelson Rodrigues - afinal, li a biografia dele escrita pelo Ruy Castro muitos anos atras, também recomendada pela minha mãe. Mas o que mais me tocou na memória foi a menção ao escritor britânico Charles Dickens (1812-1870). Não sei de onde que tirei meu preconceito contra Dickens na infância. Minhas fontes impressas principais de cultura eram a Enciclopédia Abril e a Revista Veja. Foi de uma dessas? Sei eu, eu sei que eu tinha a ideia de que Dickens era um romancista meio brega e muito meloso. Bem, isso mudou quando Morrissey recomendou o escritor como sugestão de leitura numa entrevista, ali num momento entre o final dos anos 1990 e início dos anos 2000. Todos os fãs do ex-vocalista da banda inglesa Smiths sabem que ele é obcecado por Oscar Wilde, e alguns sabem que ele declamou um texto de Marcel Proust num show. Quanto a Dickens, só soube que ele citou este escritor naquela entrevista, e mais nada (por uma coincidência engraçada, uma outra das raras sugestões literárias de Morrissey foi “O livro do desassossego”, de Fernando Pessoa, que minha mãe amava imensamente e que será também tema da série “Livros que minha mãe amava”). Enfim, dica do Morrissey é dica do Morrissey e entrei numa “fase Dickens”, muitos anos atras. Eu me apaixonei. Não tenho bem certeza quais livros dele eu li, mas certamente nesta lista estão incluídos os romances “Grandes esperanças” (que foi o que mais gostei), “As aventuras do sr. Pickwick”, “Um conto de duas cidades”, “David Copperfield”, “Oliver Twist” (e, quem sabe, “A pequena Dorrit”). Ainda nos anos 1990 estava na moda o tal “cânone literário ocidental” do crítico britânico Harold Bloom, sobre o qual o famoso jornalista brasileiro Paulo Francis falava bastante, e que foi compilado numa obra chamada “O cânone ocidental”, na qual o crítico citava e descrevia os – segundo ele - grandes escritores ocidentais. Um dia, numa livraria, dei uma folheada no livro de Bloom, e lá estava escrito algo como “que era consenso entre a crítica especializada que o grande livro de Dickens era 'A casa soturna'”, sobre a qual eu pouco tinha ouvido falar. Minha “fase Dickens” tinha passado alguns anos antes, mas me vi na obrigação de ler o romance considerado “por grande parte da crítica” o melhor do grande escritor britânico. Foi meio difícil encontrar o longo (824 páginas) romance, que tenho numa edição (Nova Fronteira, tradução de Oscar Mendes) obtida provavelmente na Livraria do Chain, a preferida de Dalton Trevisan. A leitura inicial me revelou um romance excelente, primorosamente escrito, em tom muito sério, muito diferente do que eu estava acostumado com Dickens. Mas tinha personagens demais! Quando eu começava a me sentir familiar com um personagem ou uma história, já entrava outra coisa. E isso aconteceu tantas vezes que eu - que estava numa fase de poucas leituras - com muita dor no coração resolvi abandonar o romance escolhido “por grande parte da crítica” o melhor de Charles Dickens. Entro agora no tema que originou este texto: minhas pequenas maluquices. Gosto de pensar que todas as pessoas têm uma pequena mania que a maioria dos outros pode achar estranha. Assim fica mais fácil conviver com as minhas birutices. Eu, por exemplo, só tenho um TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) que reconheço como tal: nunca comprar pães em número ímpar. Se, em termos de TOC, provavelmente não saio disso, eu tenho uma pequena mania, um negócio que eu levo muito a sério, mas que sei que não tem a menor importância. Este “negócio” são meus álbuns de fotos “cinema”, “literatura”, “músicas”, “esportes” e “tv” no Facebook. Cada um destes álbuns tem retratos daquelas pessoas que eu considero as mais importantes em seus campos. Sobre o álbum “músicas”, por exemplo, escrevi aqui o seguinte:
“Eu não sei como explicar direito, mas acho que isso deve acontecer meio com todo o mundo: umas músicas batem diferente das outras. Sei lá, é como se elas tocassem um nervo que as outras não tocam. Normalmente os músicos, ou compositores, ou cantores, ou bandas, que têm músicas que ‘batem’ aqui comigo estão no meu álbum 'músicas' do Facebook. Sempre que vou colocar uma foto lá fico me perguntando se aquele músico compôs (ou interpretou) coisas que realmente tocaram aquele ‘nervo’ metafórico”.
Às vezes fico meses (quando penso no assunto, é claro) tentando me decidir se um artista, escritor ou esportista deve ou não entrar em algum álbum de fotos no Facebook. Às vezes - como no caso das bandas Mgła ou do The Brian Jonestown Massacre, citadas recentemente por aqui - a identificação é imediata e logo coloco as fotos correspondentes no álbum (“músicas”, nos dois casos). Enfim, pus um negócio na cabeça: como eu tinha lido Dickens muito antes de o Facebook existir, o escritor britânico só “mereceria” entrar no álbum de fotos “literatura” quando eu acabasse de ler “A casa soturna”. Olha o tamanho da birutice do sujeito (no caso, eu). Como não acabei de ler o romance de Dickens “mais estimado pela crítica”, ele não está no álbum correspondente até hoje. E Henry James (1843-1916), que tem um livro na foto que acompanha o texto, o que tem a ver com essa maluquice? Bem, também li romances deste grande escritor americano décadas atrás, e também resolvi não colocar sua foto no meu álbum do Facebook enquanto não acabasse de ler um romance seu – no caso, “As asas da pomba” (Ediouro, 555 páginas, tradução de Marcos Santarrita): meu texto seria um paralelo entre estes dois gigantes. Só que, quando fui ver o meu álbum “literatura” ontem, o retrato de Henry James estava lá! Sei lá quando o coloquei, e por quê. Mas com certeza é coisa mais ou menos recente. De todo o modo, se eu fosse dar um palpite do porquê colocar um retrato de Henry James ali, acho que é porque um belo dia resolvi achar que essa loucura de álbuns do Facebook é apenas isso, uma mania inocente, e que o Henry James não tinha culpa da minha birutice. (Agradeço à minha querida sobrinha Paula Scheffer da Silveira pela linda foto que acompanha este texto).  
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