"Pelas ruas falam uma língua Que já não Me lembro Mais"Este, por exemplo, abre um vasto horizonte poético de significados: pode remeter à saída de uma vida de boemia, a um desajuste mais profundo, ou a muitas outras interpretações. *** Até "3040", todos os meus textos de ficção ou literatura eram contos, memórias ou novelas, e nenhum ultrapassava as sessenta páginas em formato A4. Decidi, em determinado momento, escrever um romance muito longo, mais como um desafio do que qualquer outra coisa. A partir de um sonho da minha filha, imaginei a humanidade em um futuro distante vivendo em pequenos cubículos, isolados, longe da natureza – e isso antes mesmo da pandemia. O livro se chamava "5040", um pouco em homenagem ao meu sogro, que brincava que tinha um dinheiro enorme guardado no banco que só seria liberado em 2040. Consegui que a Juliana Frank me ajudasse na empreitada. Ela sugeriu que o livro deveria estar mais próximo no tempo e que eu deveria abordar a transição dos dias de hoje para o futuro. Tudo o que ela me ensinou na elaboração do livro foi precioso. O prefácio de "3040", livro dedicado à Juliana Frank, segue abaixo. ***
Conversamos. Você me perguntou se eu deveria reler "O Jogo da Amarelinha", já que não me lembrava de nada e nem tinha entendido direito na primeira leitura. Confesso que, mesmo agora, no início da releitura, ainda não estou entendendo tudo – preciso deixar isso bem claro. Minha resposta foi que esperei tanto pelo sexto volume de "Minha Luta" que me pareceu meio triste ter que adiar a leitura, agora que preciso reler "O Jogo da Amarelinha". Conversamos sobre Deus, sobre minhas ideias sobre Ele. Também falamos sobre política e economia, eu à direita, você à esquerda, mas nenhum de nós tão longe do centro assim. Houve um tempo em que eu me espantava com a quantidade de coisas: coisas vividas, coisas faladas, coisas escritas. É angustiante pensar que há muito mais livros escritos do que uma pessoa consegue ler na vida. Eu andava em livrarias e ficava triste porque jamais leria tudo aquilo, nem que quisesse, nem que fosse a única coisa que fizesse até o final da vida. Wilson Martins lia muito, e lia deitado: se dormisse, era sinal de que o livro era ruim. Ele disse uma vez que o Novo Testamento é o Paulo Coelho do passado e, digamos, essa é uma opinião pouco popular – apesar de, em termos estilísticos, ter sim alguma coisa a ver. Lembro do choque quando li "Sidarta", de Hermann Hesse, e me pareceu igual a Paulo Coelho – que, com razão, se queixa de não ter ganhado o Nobel, ao contrário do alemão que, aparentemente, o inspirou. Já imaginaram a quantidade de cantinhos que existem no mar? Mais cantinhos do que podemos sequer conceber. Uma pedrinha aqui, outra ali, um peixe aqui e outro ali. E Deus sabe todos os cantinhos. E leu todos os livros. E ouviu todas as conversas. Não é à toa, digo a você, que haja tantas pessoas que não acreditam Nele. Conto a você que estou gostando de reler "O Jogo da Amarelinha", percebendo nele coisas que eu não tinha notado antes – e não só porque eu tinha lido o livro muito novinho. Há todo um mistério ali, pronto para ser desvendado, que eu nem fazia ideia de que existia. Falo a você que alguns autores deixam transparecer facilmente seu amor-próprio em seus livros – refiro-me a Nabokov, Balzac e Henry James, que sempre parecem satisfeitos com a própria genialidade, e que convencem seus leitores (eu incluído) de que eles são especiais. Eu não sou desses. Sem você, eu teria parado de escrever.*** Se você tiver interesse em receber este e outros textos meus semanalmente, clique aqui e cadastre seu e-mail.
Tudo começou quando a Teresa e o André trouxeram um lindo cachorrinho, de uma feira de adoção, aqui para casa. Eu não queria saber de outro cachorro logo depois que a nossa poodle Ninon tinha morrido. Para me convencer a ficar com ele, Teresa, minha filha, sugeriu batizá-lo com o nome do meu surfista favorito, o americano John John Florence. John John logo fez amizade com a Lana, uma mistura de boiadeiro australiana com vira-lata muito agressiva com estranhos, que haviamos adotado quatro anos antes. Extremamente carinhoso, faminto e aventureiro, John John Florence logo deixou todos apaixonados. Eu acho que até a Rebeca, a cachorra da minha mãe, gostou um pouco dele. Minha mulher, a Valéria, achou que ele parecia um malandro da Zona Norte carioca, e o apelidou de "gafieira" e "fuleiragem", e assim fomos criando um personagem. Logo, o André, namorado da Teresa, começou a fazer histórias com o John John, criando uma voz para ele. Ficamos tão empolgados que decidimos transformar o John John no astro de uma história em quadrinhos. E chamamos o Rafa Campos Rocha, de quem sou fã incondicional, e a querida Juliana Frank para a empreitada. Deu tudo certo, e agora você está com o produto dessas mentes brilhantes - menos a minha, claro - nas mãos. Fabricio MullerPosfácio que escrevi para "O Paraíso de John John", história em quadrinhos publicada recentemente pela editora Oh! outra história, com roteiro de André Curtarelli e Juliana Frank e desenhos de Rafael Campos Rocha. À venda no site da editora, em https://veneta.com.br/produto/o-paraiso-de-john-john/.
charlotiê (assim mesmo, em minúsculas, como todas as letras do livro) é uma menina de treze anos que é mandada embora de casa pela mãe, com quem morava num pequeno apartamento, depois de ter sido despedida em mais um dos empregos que sua progenitora a obrigava a ter. Solta na vida, charlotiê vai morar com um tatuador, com quem fazia sexo boa parte do tempo, e depois vai arranja outro relacionamento com furks, músico que tinha acabado de ter sido abandonado pela ex-mulher. Com furks, charlotiê vai acampar num camping, onde tudo dá errado - e é lá que ela arranja um porco, que passa a acompanhá-la em todos os lugares.
Este é um resumo da novela “uísque e vergonha”, de Juliana Frank (Oito e Meio, 100 páginas), publicada em 2016 e que serviu de base para uma peça de teatro atualmente em cartaz em São Paulo, com Alessandra Negrini no papel principal.
O livro é estranho e, ao mesmo tempo, fácil e interessante de ler. Com suas cenas explícitas e texto aparentemente caótico, é a dor da personagem principal – que ainda não se recuperou do suicídio de du, o grande amor de sua vida (e que tem uma mãe, como vimos, para lá de cruel) – que faz com que “uísque e vergonha” “ganhe os ares e as alturas da mais fina, da mais leve e mais densa literatura”, como bem notou Caetano Galindo na orelha do livro.
Comentários Recentes