“Sanatório”, de Bruno Schulz
Literatura
“Sanatório”, de Bruno Schulz
10 de janeiro de 2021 0
O judeu polonês Bruno Schulz (1892-1942), assassinado durante o Holocausto, tem sua obra completa composta basicamente por dois livros: “Lojas de canela” e este “Sanatório” (Imago Editora, 236 páginas, tradução de Henryk Siewierski, publicado originalmente em 1937), uma sequência interligada de contos que, segundo o autor, é “uma tentativa de recobrar a história de uma certa família, uma certa casa numa cidade provinciana”. Boa parte dos contos fala sobre o pai do narrador: ou sendo um chefe tirânico em sua loja, ou trabalhando num estranho corpo de bombeiros, ou vivendo num sanatório onde o tempo passa mais devagar que o normal, ou ainda quando se transforma numa barata. Em outros contos, o narrador fala de um livro mítico ou descreve estações como a primavera ou o outono. “Sanatório” é bastante imaginativo e poético, mas sua leitura é terrivelmente cansativa em boa parte do tempo. (fonte da imagem: Wikipédia)
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“O sofá”, de Crébillon Fils, e “Les bijoux indiscrets”, de Denis Diderot
Filosofia, Literatura
“O sofá”, de Crébillon Fils, e “Les bijoux indiscrets”, de Denis Diderot
5 de janeiro de 2021 0
O sultão muçulmano Shah-Riar não era uma pessoa de muitas luzes, e fica impressionando quando seu Vizir, Amanzei, que era hindu, lhe diz que, devido ao seu mau comportamento, tinha sido condenado a ter sua alma vagando por diversos sofás. A descrição das aventuras de Amanzei neste estranho estado é o tema de “O sofá” (L&PM, 255 páginas, tradução de Carlota Gomes, publicado originalmente em 1742), do escritor moralista francês Crébillon Fils (1707-1777). Com a alma presa num sofá, Amanzei acaba sendo testemunha dos casos de diversas mulheres que normalmente não conseguem resistir às investidas sexuais de homens que tentam conquistá-las. Se a premissa parece interessante, as discussões morais entre as mulheres e seus conquistadores são terrivelmente chatas e confusas, epítetos que podem servir também ao livro como um todo. O filósofo Denis Diderot (1713-1784) era ainda relativamente jovem quando, a partir de uma aposta, tentou demonstrar a uma amante – a quem ajudou com a renda devida ao livro – que seria fácil fazer um livro como “O sofá”, colocando ainda nele temas mais sérios, de caráter filosófico.  O resultado desta aposta é o romance “Les bijoux indiscrets”, lançado originalmente em 1748 (eu li na versão em francês obtida na Amazon, e há uma versão em português chamada “As jóias indiscretas”, lançada pela Global em 1986 e traduzida por Eduardo Brandão). No caso de “Os bijoux indiscrets”, o sultão congolês Mangogul pede ao gênio Cucufa, que já tinha ajudado seus antepassados, que fizesse algo que o divertisse. Ele recebe dele então um anel que, apontado para uma mulher, fizesse com que seu sexo (a “jóia” do título) contasse o que a sua dona andava aprontando. Mais tarde Diderot acabou se arrependendo de ter escrito este romance libertino que, mesmo assim, consta da maioria das edições de suas melhores obras compiladas. Realmente, o livro é divertido e tem discussões filosóficas fora da licenciosidade – e é muito melhor que “O sofá”.
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“A leitora do Alcorão”, de G. Willow Wilson
Religião
“A leitora do Alcorão”, de G. Willow Wilson
1 de janeiro de 2021 0
G. Willow Wilson é uma autora de HQs, criadora da super-heroína Kamala Khan da Marvel. A americana também é ensaísta e jornalista, e seu livro autobiográfico “A leitora do Alcorão” (Rocco, 318 páginas, tradução de Antônio E. de Moura Filho, lançado originalmente em 2010) é fascinante. Estudante de história e de língua e literatura árabes na Universidade de Boston, inicialmente ela tinha a visão blasée que boa parte da intelectualidade tem em relação à experiência religiosa. Com o tempo ela passou a sentir como que um “chamado divino”, e inicialmente pensou em se converter ao judaísmo, porque admirava “a ideia do Deus indivisível que é um e todo ao mesmo tempo”. Mais tarde, já vivendo no Cairo, aonde fora trabalhar como professora de inglês,  acabou se convertendo (ou se “revertendo”, pela terminologia muçulmana) ao Islã, religião pela qual ela já se sentia atraída um bom tempo antes. Também no Cairo ela se casa com Omar, um professor de física que era seu “guia cultural” local. Tudo é fascinante no livro de G. Willow Wilson: a descrição dos contrastes entre as culturas e hábitos ocidentais e egípcios, o relato do aprofundamento de sua relação com Islã – e com Deus, por consequência -, a coragem da autora em enfrentar todos os problemas causados por suas decisões. Segundo a Wikipédia, ela continua casada com o Omar – hoje um advogado especializado em refugiados – e, pela foto que acompanha este texto, obtida da mesma fonte, ela parece muito feliz como muçulmana, não acham?
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Os livros que mais gostei de ter lido em 2020
História, Literatura
Os livros que mais gostei de ter lido em 2020
31 de dezembro de 2020 0
“Gengis Khan e a formação do mundo moderno”, de Jack Weatherford: provavelmente você não sabia que o grande imperador mongol (1158 – 1227) tinha uma mentalidade tão à frente do seu tempo. “Não me abandone jamais”, de Kazuo Ishiguro: poucos livros me perturbaram tanto. “O império de Hitler”, de Mark Mazower: sempre tive curiosidade de saber como os nazistas se comportavam como colonizadores, coisa que este livro monumental explica. “A destruição dos judeus europeus”, de Raul Hilberg: outro livro monumental, sobre o Holocausto neste caso. “O mapa e o território”, de Michel Houellebecq: fico mais feliz lendo uns autores do que outros, e Michel Houellebecq é um dos que me dão mais alegria na leitura. “Os testamentos”, de Margaret Atwood: continuação de “O conto da Aia”, não preciso explicar mais. “As luas de Júpiter”, de Alice Munro: tem gente que reclama do Prêmio Nobel de Literatura por causa disso e daquilo, mas eu provavelmente não conheceria autoras como esta canadense se não fosse a Academia Sueca. “A época da inocência”, de Edith Wharton: um amor mal resolvido e os preconceitos e costumes dos ricos americanos do final do século XIX e início do século XX numa obra-prima. “O dom”, de Vladimir Nabokov: Nabokov é Nabokov, e pronto. Deus, essa gostosa, de Rafael Campos Rocha: uma história em quadrinhos que comprova que God is a woman, como diz a Ariana Grande, uma favorita aqui da casa.
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“As luas de Júpiter”, de Alice Munro
Literatura
“As luas de Júpiter”, de Alice Munro
27 de dezembro de 2020 0
“As luas de Júpiter” (Biblioteca Azul, 295 páginas, tradução de Cássio de Arantes Leite, publicado originalmente em 1982), da escritora canadense Alice Munro, Nobel de Literatura de 2013, é composto por onze contos, basicamente sempre contados sob o ponto de vista feminino. As histórias são sempre narradas de modo sutil, seja um possível caso de dois trabalhadores homossexuais numa granja (“A temporada de Peru”), um relacionamentos extraconjugal entre um professor e uma professora (“Acidente”), uma paixão mal resolvida (“Bardon”), uma visita entre irmãos que não se viam há décadas (“Visitas”), uma mulher de meia idade que vai visitar seu pai doente no hospital (“As luas de Júpiter”), duas senhoras que se conhecem desde o jardim de infância e que agora estão juntas numa casa de repouso (“A Sra. Cross e a Sra. Kidd”), uma mulher que tem primas muito diferentes em termos de educação e comportamento de um lado e de outro da família (“Chaddeley e Flaming”), um jantar entre casais de amigos (“Jantar no Labor Day”), ou um caso amoroso cheio de nuanças (“Prue”). Fiquei muito entusiasmado com o primeiro livro que li de Alice Munro, “Ódio, Amizade, Namoro, Amor, Casamento”, conforme comentei aqui, entusiasmo que não diminuiu em nada depois de ler “A fugitiva” (ver aqui). Já “As luas de Júpiter” me surpreendeu bem menos, por mais que eu tenha amado a leitura do livro. Já dá para perceber que a canadense, única pessoa a receber o Nobel de Literatura tendo escrito somente contos na carreira, tem um estilo todo próprio: o negócio então, para mim, é continuar lendo suas ótimas histórias, mesmo que o maravilhamento tenha diminuído muito da leitura de “Ódio, Amizade, Namoro, Amor, Casamento” para cá. Fonte da foto: Alice_Munro.jpg (996×1348) (macleans.ca)
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“Gengis Khan e a formação do mundo moderno”, de Jack Weatherford
História
“Gengis Khan e a formação do mundo moderno”, de Jack Weatherford
25 de dezembro de 2020 2
O imperador mongol Gengis Khan (1158 – 1227) é comumente visto como um assassino violento e estuprador em série. A visão dada por “Gengis Khan e a formação do mundo moderno” (Bertrand Brasil, 460 páginas, tradução de Jorge Ritter, publicado originalmente em 2006), do historiador americano Jack Weatherford, não chega a negar essas suas características, mas mostra uma pessoa bastante diferente da ideia comum que se tem dele. O grande imperador, nascido com o nome de Temujin, teve uma infância difícil nas estepes mongóis – tendo sido inclusive rejeitado pelo próprio clã – e o caminho para se tornar o maior líder de seu povo foi árduo e marcado por muita violência. Tendo obtido o poder ele passou a comandar guerras de conquista – os mongóis, ainda no tempo da vida de Gengis Khan, passaram a dominar um território maior que o do Império Romano, indo da China a territórios eslavos. Quando os mongóis chegavam num território para conquistá-lo, muitas vezes davam a opção para os moradores locais para que se submetessem sem violência, caso em que teriam que lhes pagar alguns impostos, mas teriam a liberdade para viver como quisessem. Outro interesse dos mongóis era o comércio, e eles abriram rotas comerciais por todo o Oriente. Mas o mais fascinante – e inesperado, para quem só conhecia a má fama do imperador mongol – em suas conquistas eram os conceitos, praticamente inéditos na época, que Gengis Khan implantou no seu império: liberdade religiosa total, primado das leis sobre as pessoas – mesmo o próprio imperador -, e busca da eficiência: para este último objetivo, aliás, Gengis Khan buscava os melhores técnicos e especialistas entre todos os povos, não importando a origem étnica, para trabalhar em seu império. Depois da morte de Gengis Khan, seus sucessores começaram disputas pelo trono, mas o impacto de suas conquistas e de suas ideias permaneceu por séculos: não à toa, Jack Weatherford chama o grande imperador mongol de “o formador do mundo moderno”.
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Os filmes a que mais gostei de ter assistido em 2020
Cinema
Os filmes a que mais gostei de ter assistido em 2020
23 de dezembro de 2020 0
Há alguns anos eu tinha decidido que iria praticamente parar de ver filmes para me dedicar mais à literatura – e isso mudou depois que comprei a primeira caixa de DVDs da Versátil, com seis filmes noir. Como se sabe, filmes noir são filmes policiais americanos lançados nas décadas de 1940 e 1950, com fotografia expressionista. O gênero polar, às vezes chamado de noir francês, é um estilo que começou baseado no similar americano e que continuou com grande sucesso até os anos 1980 – aliás, é interessante acrescentar que existem filmes polar coloridos, ao contrário dos noir americanos, sempre em preto e branco. A Versátil já lançou 17 caixas com seis filmes noir cada uma, e cinco outras com filmes polar. Segue abaixo a relação dos melhores filmes noir e polar a que assisti este ano. Alguns deles têm versões integrais no YouTube com legendas – quando é o caso, os links são acessados quando se clica no título do filme. A foto que acompanha este texto, com o cartaz de Moeda falsa, foi obtida na Wikipédia. Bob, o jogador (Bob, le flambeur, 1956, 103 min, França). De Jean-Pierre Melville, com Roger Duchesne, Isabelle Corey, Daniel Cauchy. Caixa da Versátil: Filme Noir Francês 2. Comentário: um dos meus filmes preferidos, sobre o qual já falei aqui. Moeda falsa (T-Men, 1947, 92 min, Estados Unidos). De Anthony Mann. Com Dennis O’Keefe, Wallace Ford, Alfred Ryder. Caixa da Versátil: Filme Noir 10. Comentário: agentes do governo norte-americano caçam uma quadrilha de falsificadores de dinheiro. Grande filme de um dos maiores diretores americanos de todos os tempos. Os Corruptos (The Big Heat, 1953, 90 min, Estados Unidos). De Fritz Lang, com Glenn Ford, Gloria Grahame e Lee Marvin. Caixa da Versátil: Filme Noir Francês 2. Comentário: nunca esqueço do verbete da Enciclopédia Abril que dizia que os filmes americanos de Fritz Lang eram muito piores que os alemães, que tinham sido feitos na época do expressionismo. Este filme, que fala sobre corrupção na polícia, prova que a coisa não era bem assim. Um Preço para Cada Crime (The Enforcer, 1951, 86 min, Estados Unidos). De Raoul Walsh e Bretaigne Windust, com Humphrey Bogart e Zero Mostel. Caixa da Versátil: Filme Noir 2. Comentário: o astro Humphrey Bogart está excelente no papel de um policial com dificuldade de que as suas testemunhas façam depoimentos contra um mafioso. Série negra (Série Noire, 1979, 115 min, França). De Alain Corneau, com Patrick Dewaere, Marie Trintignant. Caixa da Versátil: Filme Noir Francês. Comentário: filme estranho e violento sobre um vendedor casado que se apaixona por uma adolescente obrigada a se prostituir. O único filme colorido desta lista. Precipícios d’alma (Sudden Fear, 1952, 111 min, Estados Unidos). De David Miller, com Joan Crawford, Jack Palance, Gloria Grahame. Caixa da Versátil: Filme Noir 8. Comentário: Joan Crawford está estupenda como uma dramaturga que entra num relacionamento amoroso perigoso. Eu sempre me lembro das cenas finais, impressionantes. Almas perversas (Scarlet Street, 1945, 102 min, Estados Unidos). De Fritz Lang, com Edward G. Robinson, Joan Bennett, Dan Duryea. Caixa da Versátil: Filme Noir 7. Comentário: homem se apaixona por uma prostituta. De Fritz Lang com Edward G. Robinson, nem precisa falar mais nada. O invencível (Champion, 1949, 100 min, Estados Unidos). De Mark Robson, com Kirk Douglas, Arthur Kennedy, Marilyn Maxwell. Caixa da Versátil: Filme Noir 6. Comentário: o primeiro grande papel de Kirk Douglas, que faz um boxeador inescrupuloso. Meu filme de boxe preferido. Rincão de tormentas (Brighton Rock, 1947, 93 min, Inglaterra). De John Boulting. Com Richard Attenborough, Hermione Baddeley, William Hartnell. Caixa da Versátil: Filme Noir 9. Comentário: os fãs de Morrissey já ouviram falar sobre os gângsteres londrinos de segunda categoria Dallow, Spicer, Pinkie e Cubitt, que são os personagens principais deste grande filme, sobre o qual já comentei aqui. Gângsteres de casaca (Mélodie en sous-sol, 1963, 121 min, França). De Henri Verneuil, com Jean Gabin, Alain Delon, Claude Cerval. Caixa da Versátil: Filme Noir Francês 2. Comentário: um velho criminoso quer assaltar um cassino em Cannes com a ajuda de um amigo mais novo. O ator que faz o assaltante idoso é Jean Gabin, e o que faz o jovem é Alain Delon, já basta.
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As séries a que mais gostei de ter assistido em 2020
Séries
As séries a que mais gostei de ter assistido em 2020
19 de dezembro de 2020 0
Seguem abaixo, na ordem de preferência, as séries a que eu mais gostei de ter assistido em 2020. Estão relacionados, além dos países nos quais elas foram produzidas, os serviços de streaming nos quais elas são transmitidas no Brasil – e não necessariamente as companhias produtoras originais. 8 em Istambul (Netflix, uma temporada com oito episódios, Turquia): conta com grande sensibilidade a história de alguns personagens em Istambul, certamente uma das três melhores séries a que já assisti na vida. Minha filha, a futura psicóloga Teresa da Silveira Muller, deveria assistir também. O gambito da Rainha (Netflix, uma temporada com sete episódios, Estados Unidos): maior sucesso da história da Netflix, a história da jogadora de xadrez fictícia Beth Harmon é tão boa quanto você já ouviu falar por aí. Justiça (Globoplay, uma temporada com vinte episódios, Brasil): quatro histórias paralelas em Recife, uma prova de que o Brasil pode fazer séries com a mesma qualidade das americanas ou europeias. Nada ortodoxa (Netflix, uma temporada com quatro episódios, Estados Unidos/Alemanha): uma moça recém-casada numa família ultraortodoxa de Nova Iorque resolve fugir de tudo e tentar a sorte na Alemanha. A atriz principal, a israelense Shira Haas, já tinha brilhado em Shtisel, comentado aqui. Freud (Netflix, uma temporada com oito episódios, Áustria/Alemanha): alguns fatos reais e muita especulação – de caráter às vezes paranormal – sobre o início da vida profissional do criador da psicanálise. Quarta temporada de The Crown (Netflix, dez episódios, Reino Unido): o bacana desta série sobre a família real britânica é que cada episódio conta uma história diferente e pode praticamente ser assistido de maneira independente. Se metade do que a nova temporada fala sobre o Príncipe Charles for verdade, até consigo entender por que a Rainha Elisabeth, segundo as más-línguas, não quer passar o trono para ele. Em nome de Deus (Globoplay, uma temporada com seis episódios, Brasil): série documental brilhante sobre o paranormal João de Deus – acusado por dezenas de mulheres de assédio sexual -, produzida por Pedro Bial e Camila Appel. Downton Abbey (Amazon Prime, seis temporadas com 52 episódios no total, Reino Unido): história fictícia e deliciosa de uma família nobre britânica. The man in the high castle (Amazon Prime, quatro temporadas com 40 episódios no total, Estados Unidos): baseada no romance homônimo do romancista americano Philip K. Dick, ela imagina um mundo paralelo onde os nazistas teriam vencido a Segunda Guerra. Marianne (Netflix, uma temporada com oito episódio, França): série assustadora sobre uma escritora de romances de terror. Não se impressione pelo fato de a Netflix tê-la cancelado depois da primeira temporada: Stephen King é fã, e isso diz tudo.
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