Traduções de entrevistas de Morrissey
Música
Traduções de entrevistas de Morrissey
18 de abril de 2021 0
Quando do lançamento do extraordinário “You are the quarry” em 2004, Morrissey concedeu várias entrevistas, algumas das quais eu traduzi na época para o Mondo Bacana, e que estão relacionadas abaixo. *** GQ [EUA] [Sobre a formação dos Smiths] Eu não tinha absolutamente mais nada. E também era um chamado, porque instantaneamente teve sucesso e não requisitou um grande esforço. Preparação sim, esforço não. [Sobre o fim dos Smiths] Era um compromisso, porque para mim foi um enorme investimento, e então Johnny [Marr, guitarrista e parceiro de Morrissey nas composições] simplesmente disse: “Acabou-se”. E não acho que ele entendeu o tamanho do investimento que fiz. [Sobre a volta dos Smiths] Eu estou cansado de perguntas sobre a volta dos Smiths, porque só existe uma maneira de responder a uma dada questão e eu sinto que dei a resposta há 112 anos. Mas as pessoas ainda me perguntam – e não entendo o porquê. [Sobre envelhecer] Eu simplesmente adoro isto. Quanto mais velho fico, melhor me sinto. Eu sou fascinado por pessoas com 80, 90 anos. Especialmente por aqueles que ainda estão criando e vivendo de uma maneira interessante. [Sobre David Bowie] Ele não é mais a pessoa que era. Ele não é mais David Bowie de jeito nenhum. Hoje ele dá às pessoas o que ele acha que as vai fazer felizes, o que faz com que elas bocejem. E, fazendo isto, ela não é relevante. Ele só foi relevante por acidente. *** Sonic [Suécia] [comentários do jornalista] (…) Não há nenhum artista que é amado de uma maneira tão sem reservas por seus fãs, nenhum outro artista que seja tão intimamente definido pelo ouvinte. Eu não sou um deles. Mas é fácil entendê-los. A relação de Morrissey com a música pop sempre foi seríssima. Com 13 anos, sempre que os New York Dolls, T.Rex ou David Bowie passavam por Manchester, ele costumava chegar muito mais cedo do que qualquer outra pessoa até mesmo imaginasse em chegar, para estar o mais próximo possível do palco. Tendo chegado ali, ele agarrava o cercado tão firmemente que “mesmo um guindaste industrial não poderia me mover”. Ele se sentava para assistir a Top Of The Pops toda semana, escrevia quilos de cartas a todas as publicações que simplesmente não iriam entender nada, construiu seu próprio reino onde as principais figuras seriam Oscar Wilde, James Dean e Johnny Thunders. Todo seu enorme amor pela música pop foi canalizada para sua própria música. Deste modo, o primeiro single dos Smiths, “Hand In Glove”, soa como um ultrajante ataque a um mundo que simplesmente não vai entender, utilizando a música como sua arma (“Eu vou lutar até a morte/ Se eles ousarem tocar em um fio de cabelo seu”). Morrissey nunca deixa de acentuar o fato de que ele é o último outsider. Ele parece se sentir terrivelmente bem – mas ele não vai, jamais, fazer parte do mesmo mundo que nós: “Minha posição nunca parece se modificar. Eu pareço existir em algum planeta solitário, no meu mundo privado. Eu não sou parte de nada. Eu não pareço ter os mesmos interesses de outros letristas, eu não invado o território alheio e ninguém invade o meu.” Você está testando seus fãs trabalhando com Jerry Finn? Não, provavelmente eles não vão ver isto como uma boa idéia. Mas no fim das contas isto é problema meu. Se eu for tomar constantemente as idéias alheias em consideração, eu nunca faria mais nada. As pessoas sempre dizem: “Não, você não pode fazer isto”, mas você não pode ouvir o que as outras pessoas dizem. E você não pode, definitivamente, ouvir seu próprio público, porque quando você faz isto você simplesmente se torna um deles. Eu não rezo a Deus para que eles apreciem o que eu faço… Na maior parte do tempo eles não gostam mesmo. Bem, pelo menos eles fingem que não gostam. Eles sempre querem parecer tão superiores e intelectuais. Nada diz melhor “que se estrepe a NME” que um longo solo de flauta. Você acha que isso soa ridículo? Todos deveriam seguir as regras do jogo? E uma flauta sempre é progressiva? Alguns diriam que não. [comentários do jornalista] Quando a imprensa britânica estava acusando Morrissey mais do que nunca, ele se encheu e se mudou para os Estados Unidos. E Los Angeles foi aonde ele teve a maior audiência da sua vida. Em 1992, ele bateu o recorde dos Beatles, esgotando os ingressos do Hollywood Bowl no menor tempo já registrado. Ele foi, estranhamente, acolhido pela audiência dos chicanos dos EUA – audiência que adora el Moz com a mesma intensidade que os pálidos britânicos tinham tido dez anos antes. Quem sabe eles sejam apenas apaixonados pelos topetes rockabilly ou quem sabe eles apenas encontraram um cantor pop que canta sobre chorar sobre o travesseiro da mesma maneira que os cantores de baladas mexicanas fazem. Mas é provável que o principal é que as letras de Morrissey sobre ser um outsider são universais. Quão bem você se adaptou aos Estados Unidos, realmente? Existem tantas coisas que são muito importunas e as pessoas geralmente são muito importunas. Mas a paisagem é fabulosa; eu costumava dar uma volta com meu Jaguar e aproveitar a linda paisagem. Além disso, eu não tenho que ver uma única pessoa por milhares de milhas – o que, é claro, é muito prazeroso. As letras são muito diretas, pelo menos em “America Is Not The World” Sim, sem nuances, sem ambigüidade nenhuma. Eu não me importei muito em ser sutil agora. Simplesmente não há tempo para isto. E os Estados Unidos da América não é o mundo. Se você se opuser a isto você vai aparecer apenas idiota. Qual o objetivo em cantar sobre coisas óbvias? Bem, ao menos você não corre o risco de que eles não entendam o que você está cantando. Como nós podemos interpretar todas as suas referências a “andar ao léu” no álbum? É algo em que você está engajado? Ah sim. É realmente uma grande
Leia mais +
“Cassino Hotel”, de André Takeda
Literatura
“Cassino Hotel”, de André Takeda
15 de abril de 2021 0
João Pedro é um guitarrista que fez muito sucesso, nos anos 80, com a banda gaúcha Gol. Depois da dissolução do grupo, passou a sobreviver como músico acompanhante de vários cantores de quem antes “falara mal em festas promovidas por socialites que faziam de tudo para passar de modernas”. Quando Cassino Hotel, o segundo romance de André Takeda (Editora Rocco, 196 páginas), começa, ele é o guitarrista do conjunto de Mel X – nome artístico da cantora pop Melissa, uma menina recém-saída da adolescência, filha de um cantor sertanejo de sucesso (alguém aí pensou em Sandy ou Wanessa Camargo?). O complicador de tudo vem agora: João Pedro mantem um tórrido caso de amor com Mel X e o pai dela não gosta nada da história (alguém aí pensou nos pais de Sandy ou Wanessa Camargo?), principalmente devido ao passado de excessos do guitarrista. Pressionado pelo pai da cantora para que abandone o romance com Melissa, João Pedro toma uma decisão radical. Foge de São Paulo, onde participaria de um show dali a alguns dias, para a praia do Cassino, no litoral gaúcho – “o mais feio de toda a costa brasileira”. E é lá, no Cassino Hotel, que João Pedro, com enormes dificuldades pessoais, começa a enfrentar os problemas do passado. Isto por que no hotel estão hospedados Letícia, a namorada que abandonara quando ela não quis se mudar para São Paulo com ele; seu ex-melhor amigo Mateus, agora casado com a mesma Letícia; e, principalmente, o seu pai, com quem o guitarrista havia perdido totalmente o contato – a família nunca se recuperara totalmente da perda de Cibele, irmã de João Pedro, quando ambos ainda eram crianças. Escrito em primeira pessoa, o livro é uma espécie de catarse para João Pedro – que, sintomaticamente, faz aniversário de trinta anos na ocasião. Voltando a ter contato com pessoas fundamentais do seu passado, o guitarrista é obrigado a enfrentar o fato de que sempre preferira escapar dos problemas a enfrentá-los: por isso a fuga nas drogas e no álcool, os quais [antes da parada definitiva, aos 27 anos] quase tinham acabado com sua vida. Passando por avanços e retrocessos, coragens e covardias, os diferentes estados de espírito de João Pedro são apresentados para o leitor. Mas, apesar de tanta tensão e insegurança, o livro termina esperançoso. Cassino Hotel é uma obra intensa, profundamente emocional e bem escrita- você a lê praticamente de um fôlego. Alguns trechos nos quais Takeda fala com o leitor [por exemplo, quando ele diz lá pelas tantas: “Você é capaz de ler? Você é capaz de decifrar? Você é capaz de me aceitar? Sem preconceitos, por favor”] parecem perfeitamente dispensáveis. E parte do Apêndice 2, onde ele escreve que o romance “não seria possível” sem a ajuda de vários grupos de música pop, está muito mais para texto de de blog do que para texto impresso – parto do óbvio pressuposto que o livro seria, sim, possível sem a ajuda das bandas citadas. Entretanto, isso em nada atrapalha o verdadeiro prazer que temos ao ler Cassino Hotel. (Texto publicado anteriormente no Mondo Bacana; fonte da foto: Buenos Porteños: André Takeda)  
Leia mais +
“A Fonte da Donzela”, de Ingmar Bergman
Cinema
“A Fonte da Donzela”, de Ingmar Bergman
28 de março de 2021 0
Dias atrás eu pensei em fazer um texto aqui chamado “os cinco melhores filmes de Ingmar Bergman”, e achei que seria uma lista fácil, sem muitas dúvidas. A lista teria “Persona”, “Gritos e Sussurros”, “O Sétimo Selo”, “Sonata de Outono” e “Morangos Silvestres”. Dos cinco, o único que fazia muito tempo que eu não revia era o último, então eu precisaria assisti-lo de novo antes de escrever o texto. Para tirar alguma dúvida que eu tivesse ainda, resolvi assistir a mais alguns filmes do grande diretor sueco, nascido em 1918 e falecido em 2007, para garantir que minha escolha dos cinco filmes fosse a mais fiel possível com o meu gosto pessoal. Tudo bobagem, claro, mas justificável por meu amor por listas e por Bergman. Enfim, o primeiro que eu revi recentemente pensando nessa lista de “cinco melhores de Bergman” foi “Noites de Circo”, de 1953, que me pareceu um pouco pior do que eu me lembrava – foi o primeiro filme dele a que eu assisti, ainda na Cinemateca do Museu Guido Viaro, o ponto inicial de uma admiração que nunca esmoreceu. Pouco antes disso, revi a “Trilogia do Silêncio”, conforme comentei aqui, que não tem nenhum filme entre os cinco melhores dele – na minha opinião, claro. Depois veio a “A Fonte da Donzela” (Jungfrukällan), de 1960, a que só tinha assistido uma vez, e que não tinha me agradado: o filme, que conta uma história trágica que se passa na Idade Média sueca, me pareceu tão violento que acabou desprovido de sentido. Na revisita ao filme, a surpresa: um filme brutal, sim, mas forte, poderoso, e com um significado religioso profundo – isso sem contar na interpretação extraordinária de Max von Sydow. Nem vou comentar nada porque não quero dar spoiler. Mas garanto: para mim, “A Fonte da Donzela”, que ganhou merecidamente o Oscar de Filme Estrangeiro, já desbancou o grande “Morangos Silvestres”, de 1957, que também acabei revendo recentemente. (fonte da foto: Pinterest)
Leia mais +
“Judas”, de Amós Oz, e “O Outono do Patriarca”, de Gabriel García Márquez
Literatura
“Judas”, de Amós Oz, e “O Outono do Patriarca”, de Gabriel García Márquez
14 de março de 2021 0
Shmuel Ash parece um urso de história em quadrinhos: é gordo, tem as barbas grandes e desgrenhadas, é gentil e meio atrapalhado – e não consegue prestar atenção no que os outros dizem. Ele vive na parte judia de Jerusalém no ano de 1959 – o estado de Israel tinha sido fundado pouco mais de uma década antes – e está passando por graves problemas: seus pais entram em falência e não vão mais conseguir pagar seus estudos e, como se não bastasse, sua noiva deixa dele e o troca por um hidrólogo “especialista em captação de águas pluviais”. Sem saber o que fazer da vida, consegue um trabalho em que tudo o que tem que fazer é companhia, por seis horas por dia, a Gershom Wald, um senhor muito culto que adora conversar. Além dele, na casa também mora Atalia, uma mulher de meia idade por quem Shmuel acaba se apaixonando. Ash é o personagem principal de “Judas”, do escritor israelense Amós Oz (eu li em espanhol, publicado pela Siruela, com 303 páginas e traduzido por Raquel García Lozano – a versão em português é da Companhia das Letras), publicado originalmente em 2014, quatro anos antes da morte do autor, em 2018. A tese na universidade que Ash queria defender versaria sobre Jesus na visão dos judeus. Segundo ele, Judas não foi um traidor, mas “o primeiro cristão”, um apaixonado por Cristo – opinião, aliás, do apócrifo “O Evangelho de Judas”, atribuído a gnósticos do século 2 – uma heresia para a Igreja, como se pode imaginar. Se o romance como um todo aborda vários assuntos interessantes – os problemas dos judeus contra os árabes em Israel, a visão dos judeus sobre Jesus, a temática da traição – a falta de empatia acaba prejudicando em muito a leitura de “Judas”: não consegui simpatizar nem um pouco com os dois personagens principais do romance. Shmuel Ash é terrivelmente autocentrado, parecendo quase incapaz de ter um sentimento de simpatia. Atalia, a mulher por quem ele se apaixona, é dos personagens mais frios com quem já tive contato. E assim é com tudo. “Judas” é um livro desesperançado e triste. Até a tese de um Judas apaixonado por Jesus é – desculpem – meio boba. Muito diferente é “O Outono do Patriarca”, de Gabriel García Márquez (Record, tradução de Remy Gorga, Filho, 260 páginas), publicado originalmente em 1975. Contando a história de um ditador latino-americano cruel e sanguinário, o Prêmio Nobel de 1982 mostra um personagem tão complexo e interessante que é impossível não simpatizar com ele. Livro delirante, de leitura difícil, com frases longuíssimas e sem parágrafos, apenas com algumas divisões sem títulos, “O Outono do Patriarca” é tão espetacular que não sei direito como terminar este texto. Vou então citar o meu necrológio sobre Gabriel García Márquez, no qual escrevi que o colombiano “é um daqueles gigantes da literatura que nascem de vez em quando em nosso planeta”.
Leia mais +
Algumas histórias minhas com Erich von Stroheim
Cinema
Algumas histórias minhas com Erich von Stroheim
7 de março de 2021 0
Isso aconteceu há alguns anos. Estava mudando de canal até que apareceu a imagem de Erich von Stroheim na tela do Telecine Cult. Era um filme mudo que estava bem no final, e os poucos minutos a que assisti foram marcantes, nunca mais me esqueci deles. Várias imagens passaram na minha mente depois que ele terminou. A primeira, claro, foi a do verbete da Enciclopédia Abril que eu tinha lido diversas vezes na adolescência e que reproduzi aqui. Nele, se dizia que Stroheim (austríaco, nascido em 1885, e que fez sua carreira como diretor em Hollywood) era um caso “típico” de “poder criador liquidado pelo sistema industrial”. O verbete dizia que, devido ao seu “naturalismo delirante”, seus filmes sofriam impedimentos de “ordem moral” por parte dos produtores e, para exemplificar isto, é citado o texto de um crítico cinematográfico segundo o qual um de seus filmes, “Foolish Wives”, “deveria ser interditado”, pois era um caso de “alta traição contra a América e um insulto à mulher em geral” – o crítico citado ainda comenta que “mataria o homem que levasse meus filhos a assistir este filme”. Além do fato de um diretor de cinema ocupar quase duas páginas na Enciclopédia Abril, muitas coisas me fascinavam em Erich von Stroheim. O fato de o diretor ter uma aparência tão militar (só ver a foto que acompanha este texto, obtida aqui) e mesmo assim ser um gênio do cinema. O fato de ele ser uma pessoa que inventava seu passado (o “von”, partícula que indica nobreza, de seu nome foi criação sua). A injustiça que Hollywood fez com ele, que não conseguiu mais papéis como diretor, mas apenas como ator – vale aqui reproduzir, com pequenas adaptações, a parte do verbete que fala de sua participação no clássico “O Crepúsculo dos Deuses”: “Em 1950, trabalhou em outro filme de prestígio, ‘Sunset Boulevard’, de Billy Wilder. Seu papel é o de um grande diretor cinematográfico dos tempos de cinema mudo que, para sobreviver na nova era de som e imagem, torna-se mordomo de uma ex-estrela dos anos de 1920. Para fugir à depressão, a antiga ‘diva’ (interpretada por Gloria Swanson) relembra os tempos áureos mandando projetar fragmentos do velho ‘Queen Kelly’ (dirigido por Stroheim e interpretado pela própria Gloria Swanson). Certos críticos viram em ‘Crepúsculos dos Deuses’ um exercício de sadomasoquismo para o velho diretor. Bob Bergut chegou a dizer que ‘Hollywood vingou-se cruelmente de Stroheim’ fazendo-o trabalhar nesse filme ‘que ultrapassou até os limites da decência’”. A outra lembrança que me veio à mente quando vi o trecho do filme de Stroheim no Telecine Cult é divertida, e meio ridícula. Foi assim: eu ainda namorava a Valéria e a levei para assistir “Ouro e Maldição”, tradução brasileira de “Greed”, considerado por muitos críticos um dos dez melhores filmes de todos os tempos. Quem conheceu a antiga Cinemateca do Museu Guido Viaro aqui em Curitiba sabe que a sala de projeção era pequena, com bancos desconfortáveis de madeira e, frequentemente, com problemas no ar-condicionado. Pois bem, foi lá que eu a levei para assistir a este clássico do cinema. A cópia de “Ouro e Maldição” tinha intertítulos (as legendas do cinema mudo) em inglês e, para resolver a questão de idioma, tinha um sujeito na primeira fila traduzindo o que estava escrito na tela para os espectadores. Só que o filme era estranho, e não só por ser mudo: a história não fazia muito sentido. E eu, o namorado que tinha levado a namorada naquele programa esquisito, estava obviamente desconfortável. Pois bem: lá pelas tantas o filme acaba e os espectadores não conseguem disfarçar o incômodo. É quando o “tradutor” vem à frente da sala de projeção e explica o porquê da estranheza: o filme tinha três rolos, e um deles não tinha sido projetado. É por isso que ele era tão estranho! Enfim, o sujeito pediu desculpas para a plateia e pergunta se queríamos ver o primeiro rolo. Queríamos, claro (mas não sei se a Valéria estava muito a fim de ver, haha). Em outra ocasião, não sei se já estava casado ou não, a levei novamente para ver “Ouro e Maldição”, desta vez na ordem certa. Eu amei, mas não sei até hoje se minha – hoje – esposa gostou ou não. De todo modo, não me saiu da lembrança o comentário que meu falecido sogro, nascido em 1917, fez quando a Valéria lhe contou sobre nossas aventuras com Stroheim na Cinemateca: “um grande diretor, um grande ator”. O último filme dirigido pelo diretor, o já citado “Queen Kelly”, foi lançado em 1932, o que significa que meu sogro acompanhou o auge comercial de Stroheim – apenas para comparação, minha mãe, que amava cinema na juventude e que nasceu em 1943, nunca tinha ouvido falar nele. Agora estou com um projeto pessoal de ver todos os filmes dirigidos por Erich von Stroheim, e já assisti a cinco dos nove que ele realizou (todos podem ser vistos de graça no YouTube, aliás). Estou lendo também a ótima biografia “Stroheim”, de Arthur Lenning (The University Press of Kentucky, 588 páginas). Pretendo comentar sobre os filmes e o livro por aqui ainda. É claro que, neste processo de assistir aos filmes de Erich von Stroheim, eu estava curioso para saber qual era aquele citado no início deste texto. Acabei descobrindo: era “The Wedding March”, que teve uma continuação, chamada “Honeymoon”, que infelizmente se perdeu num incêndio em Paris. Na biografia de Arthur Lenning consta uma descrição minuciosa do que se sabe sobre este filme perdido, que ainda não li. Como nota final, acabei procurando sobre a transmissão de “The Wedding March” no Telecine Cult, e encontrei este texto na revista de cinema Contracampo, que comenta que a versão transmitida foi a restaurada – e eu lembro bem da excelente qualidade da imagem. Pois bem: infelizmente, a que eu assisti no YouTube está bem desgastada. Fui procurar o filme no canal de streaming da Telecine e, obviamente, nada de “The Wedding March”. Que ódio.
Leia mais +
Pikillacta
História, Viagem
Pikillacta
21 de fevereiro de 2021 0
A região de Cusco, no Peru, é impressionante. Grande parte das pessoas já ouviu falar Macchu Picchu, a cidade inca construída na parte superior de uma montanha nos Andes. Quando eu e minha família fomos para lá, entre o final de 2018 e início de 2019, passamos um dia inteiro fazendo o trajeto Cusco-Macchu Picchu, com meios de transporte que incluíam uma van, um trem e um ônibus tanto na ida quanto na volta. Lá em cima, na antiga cidade inca, eu tive uma crise de pânico por causa da altura da coisa, mas graças a Deus este texto não é sobre isso. Nos dias a seguir à malfadada – para mim – viagem, saímos com um guia, o querido Irvin Alex Choqque Vargas e fomos conhecer as atrações turísticas da região de Cusco. Uma igreja espetacular num pequeno povoado. Uma barragem inca. Uma outra atração inca em que eu não fui porque não queria saber de lugares altos tão cedo. Uma loja de produtos típicos. Mas nada disso tinha me preparado para o que eu encontraria em Pikillacta, um antigo centro urbano da civilização Wari. Fiquei impressionado com as ruínas desta enorme cidade, tão grande ou maior que Macchu Picchu, criada por uma civilização da qual eu nunca tinha ouvido falar. Os  Wari foram um povo pré-Inca que viveu entre os anos 500 e 1100 d.C., numa região que se estendia entre Catamarca, ao norte, e Cusco, ao sul. Uma discussão importante entre os pesquisadores atuais do Império Wari é se este povo era o tipo de conquistador ao estilo dos romanos e mongóis – imperialistas stricto sensu – ou se era simplesmente uma civilização de negociantes, cuja influência nos estilos de cerâmica se dava mais pelo comércio do que outra coisa. A arquitetura de Pikillacta é toda ortogonal, conforme mostra esta foto aérea obtida do livro de Gordon McEwan, “The Wari Empire in Cuzco”[1]: O esquema típico das construções era mais ou menos assim, ainda segundo o livro de McEwan: O mesmo livro apresenta o desenho de um desenho mais amplo de como deveria aparentar um setor a cidade de Pikillacta quando era habitada no ano 700 d.C.: E uma planta de três setores da cidade: O estado atual de Pikillacta pode ser visto em algumas fotos que eu tirei no local, a seguir – em algumas delas se pode ver as escavações e pesquisas que estavam sendo feitas. Próximo à entrada de Pikillacta foi construído um pequeno museu, no qual se pode ver dois fósseis gigantes – bem anteriores ao império Wari – e alguns objetos de cerâmica, conforme mostrado nas fotos a seguir: A grande atração do pequeno museu, porém, é a armadura – feita em prata – do Señor Huari de Vilcabamba, provavelmente um dirigente Wari, encontrada em 2011 numa região da selva peruana chamada Espíritu Pampa, no distrito de Vilcabamba da província de La Convención, Cuzco. Abaixo segue a foto da armadura do Señor Huari de Vilcabamba, que também encabeça este texto. Foi uma pena que começou a relampejar feio quando estávamos em Pikillacta, e nossa visita foi curta. Por mim, teria ficado o dia inteiro lá. *** Fiquei tão impressionado com Pikillacta que comecei a pesquisar sobre a Civilização Wari, mas acho que comentar sobre essas pesquisas foge um pouco do objetivo deste texto – o que dá para adiantar, de todo modo, é que não se sabe direito para que servia a cidade. Gordon McEwan defende, entre outras coisas, que cerimônias religiosas importantes eram feitas no local. Eu amo este desenho retirado de seu livro, e fico imaginando como seria uma cerimônia religiosa entre as paredes de Pikillacta:     [1] McEwan, Gordon F. (2009). Pikillacta:. The Wari Empire in Cuzco (em inglês). [S.l.]: University of Iowa Press, p. 20. ISBN 9781587295966
Leia mais +
“Alias Grace”, “Vulgo Grace”
Literatura, Séries
“Alias Grace”, “Vulgo Grace”
7 de fevereiro de 2021 0
É muito comum se ouvir que o “livro é sempre melhor que o filme”. Eu não compartilho dessa opinião, e quando a escuto normalmente cito o livro “Laranja Mecânica”, de Anthony Burgess, para mim bastante inferior ao filme homônimo de Stanley Kubrick. Séries não são filmes, mas achei que seria divertido comparar a minissérie “Alias Grace” (Netflix, seis episódios de cerca de 45 minutos cada um) com o livro que lhe deu origem, traduzido no Brasil como “Vulgo Grace”, da escritora canadense Margaret Atwood (Rocco, 512 páginas, tradução de Geni Hirata). Na verdade, fiquei tão entusiasmado com a série que acabei lendo o livro logo que acabei de assisti-la. A história é baseada num fato real: Grace Marks, uma irlandesa vivendo no Canadá, é condenada à morte em 1843 junto com o cocheiro James McDermott pelo assassinato do patrão dos dois, o fazendeiro Thomas Kinnear, e de sua governanta, Nancy Montgomery. McDermott é efetivamente enforcado, mas Grace Marks tem sua pena comutada para prisão perpétua. Na história contada pelo livro e pela série um médico, Dr. Simon Jordan, é contratado pelo reverendo Verrenger (vivido pelo grande diretor David Cronenberg!), líder de um grupo que luta pela absolvição de Grace Marks, para conseguir elementos psicológicos para inocentá-la. Acho que não vale a pena contar muito mais a respeito da história para não estragar a surpresa. Vamos à comparação entre a série e o livro, então. Inicialmente, é interessante notar que a própria Margaret Atwood, assim como tinha feito na série “Handmaid’s Tale”, também baseada num romance seu, faz uma pequena ponta em “Alias Grace” – ela mesma, portanto, não parece muito incomodada em querer defender a superioridade do livro em relação à série, né? Brincadeiras à parte, tanto “Alias Grace” quanto “Vulgo Grace” são obras de extrema qualidade, e a série é muito fiel ao livro – embora este, como normalmente acontece, seja mais detalhado do que aquela. E eu me emocionei igualmente com o final da série e o do livro, por mais que, quando li “Vulgo Grace”, eu já soubesse o que me esperava. Enfim, se eu fosse escolher um dos dois, escolheria a série mesmo. Não por nada, mas Sarah Gadon, a atriz que faz Grace Marks e que está na imagem que acompanha este texto, atua de maneira tão espetacular que desempata esse jogo que teria tudo para terminar com placar igual para os dois lados!
Leia mais +
Livros lidos recentemente
Literatura
Livros lidos recentemente
10 de janeiro de 2021 0
“O olho”, de Vladimir Nabokov (Alfaguara, 86 páginas, tradução de José Rubens Siqueira, publicado originalmente em 1965): quarto romance de Nabokov, ainda em sua fase russa, o livro discorre sobre Smurov, jovem russo pobre vivendo no exílio em Berlim e que se suicida logo no início da história. Se no início temos o Nabokov brilhante de sempre, o final do romance deixa um pouco a desejar. “Madame Oráculo”, de Margaret Atwood (Círculo do Livro, 325 páginas, tradução de Domingos Demasi, publicado originalmente em 1976): uma escritora de romances açucarados só pode receber uma herança se emagrecer. O terceiro romance da autora de “O conto da aia” começa brilhantemente, mas, assim como o livro citado acima, se perde um pouco no final. “Amiga de juventude”, de Alice Munro (Biblioteca Azul, 259 páginas, tradução de Elton Mesquita, publicado originalmente em 1990): comentei recentemente o seguinte sobre “A fugitiva”, outro livro de contos da escritora Prêmio Nobel de 2013: “já dá para perceber que a canadense, única pessoa a receber o Nobel de Literatura tendo escrito somente contos na carreira, tem um estilo todo próprio: o negócio então, para mim, é continuar lendo suas ótimas histórias, mesmo que o maravilhamento tenha diminuído muito da leitura de ‘Ódio, Amizade, Namoro, Amor, Casamento’ para cá”. Pois é, o mesmo vale para este “Amiga de juventude”. “Philosophy, Pussycats, & Porn”, de Stoya (Not a Cult, 148 páginas, publicado originalmente em 2018): nesta coletânea de textos já publicados anteriormente em diversas mídias, a famosa atriz pornô Stoya fala sobre relacionamentos sexuais, apresentações ao vivo, questões relacionadas a trabalhadores do sexo, viagens de trabalho e, como diz o título, filosofia e gatos. Ela escreve muito bem, e o livro é de leitura extremamente agradável. “O segundo tempo”, de Michel Laub (Companhia das Letras, 112 páginas, publicado originalmente em 2006): o narrador desta novela não sabe se vai dar ou não uma notícia ruim a seu irmão mais novo durante um Grenal no estádio Beira Rio, em Porto Alegre. O livro é tão bom quanto “A maçã envenenada”, do mesmo autor, sobre o qual eu tinha comentado aqui. “A gafieira de dois tostões”, de Georges Simenon (Companhia das Letras, 150 páginas, tradução de Eduardo Brandão, publicado originalmente em 1931): antes de ser executado, o condenado Jean Lenoir confessa ao comissário Maigret que foi testemunha de um crime seis anos antes. Conforme o comentário do leitor Heitor Vieira de Resende no site da Amazon, “o pior livro de Simenon é ainda muito bom”. E este certamente não é o pior livro de Simenon!
Leia mais +