Fabricio Muller

Diego Armando Maradona (1960-2020)
Esporte
Diego Armando Maradona (1960-2020)
25 de novembro de 2020 at 21:37 0
Ninguém aqui em Curitiba sabia ainda quem era Maradona quando meu avô assistiu a um especial com uma série de jogadas do argentino, espetaculares. Ele ainda jogava no Argentinos Juniors, nem para o Boca Juniors tinha ido ainda. A partir daquele momento, para meu avô Pelé não existia mais. Maradona era muito melhor. Continuou repetindo isso para quem quisesse ouvir, enquanto viveu. *** Eu tinha a foto que acompanha este texto, obtida da revista Veja, colada na parede do meu quarto. Ela foi tirada praticamente no momento em que a Alemanha empatou o jogo no final da Copa de 1986, depois de estar perdendo de dois a zero: enquanto todos os argentinos estão desesperados, Maradona levanta a mão, em posição de desafio. A Argentina ganhou a Copa. *** Assisti ao jogo Brasil x Inglaterra do lado do meu amigo João Roberto Liparotti. Nenhum de nós dois viu que Maradona fez gol com a mão, mesmo depois de vários replays. *** Maradona torcia para o Boca Juniors, grande rival do meu time na Argentina, o River Plate. Isso não impediu que o Millonario postasse dois tweets lindos sobre o grande campeão, reproduzidos abaixo: Mais importante que isso ainda, acho, é o abraço que o técnico do River Plate, Marcelo Gallardo, dá no grande campeão numa partida em 2019, quando o Millonario jogou com o Gimnasia, time que Maradona treinava na ocasião - veja o video, numa reportagem ainda com mais algumas informações, aqui. *** Finalmente, quem foi melhor, Pelé ou Maradona? Eu acho que esse é um assunto inútil e divertido. Mas se fosse para eu responder, eu faria uma relação com o xadrez: normalmente os analistas deste esporte dizem que os jogadores de hoje em dia ganhariam dos melhores do passado, se estes pudessem ser teletransportados para o dia de hoje, simplesmente porque aprenderam com quem veio antes. Então, não tem como fazer uma comparação justa. Do mesmo modo, para mim, no futebol comparações entre jogadores de épocas diferentes são injustas por natureza. *** Descanse em paz, Maradona.  
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“A maçã envenenada”, de Michel Laub
Literatura
“A maçã envenenada”, de Michel Laub
20 de novembro de 2020 at 14:46 0
Roberto Bolaño, em seu monumental “2666”, escreveu algo (cito de memória) no sentido de que um conto pode ser perfeito, mas um grande romance deve ter, por definição, imperfeições e exageros – já que a vida não é perfeita mesmo. É interessante pensar nisso: algumas raras vezes eu termino de ler uma história de ficção e penso comigo: “isso aqui foi perfeito”. Um ou outro conto de Cortázar e Alice Munro, quase todo Kafka e mesmo um romance – “As irmãs Makioka”, de Junichiro Tanizaki – me passaram essa sensação de perfeição. E, como Bolaño mesmo dá a entender, achar que uma obra é perfeita não quer dizer necessariamente que ela seja melhor que outras, “imperfeitas” e impactantes. Pensando nisso tudo, comecei a brincar comigo procurando defeitos nos meus livros preferidos, e foi mais ou menos simples: vá lá, “Ada ou Ardor”, de Nabokov, o já citado “2666”, de Roberto Bolaño, “Em busca do tempo perdido”, de Marcel Proust, a série “Minha luta”, de Karl Ove Knausgard ou mesmo a poesia de Georg Trakl têm lá seus trechos chatos, normalmente ausentes das obras “perfeitas”. Enfim, tudo isso para falar que “A maçã envenenada”, do gaúcho Michel Laub (Companhia das Letras, 120 páginas, publicado originalmente em 2013), que conta basicamente a história do relacionamento atormentado entre o narrador da história e sua primeira namorada, sobre o qual o show do Nirvana em São Paulo em 1993 teve papel importante, é basicamente uma rara história “perfeita” - e que li de uma sentada. Lindo demais. (foto de Michel Laub obtida no site da Companhia das Letras)
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Roberto Campos em “Energia”, terceira parte de “Rua Paraíba”
História, Literatura
Roberto Campos em “Energia”, terceira parte de “Rua Paraíba”
15 de novembro de 2020 at 19:07 0
A primeira vez que lembro de ter ouvido falar de Roberto Campos foi numa entrevista na Veja em que ele, então senador pelo Mato Grosso, vituperava contra a lei de reserva de mercado da informática. Era uma coisa estranha: uma espécie de Dom Quixote, do próprio partido do governo (de quem era a responsabilidade pela a malfadada lei), numa luta solitária e infrutífera contra tudo e contra todos: nesse ponto específico, o governo e a oposição de esquerda estavam do mesmo lado, contra Roberto Campos. Era uma lei que hoje parece uma coisa do século XV: as grandes empresas estrangeiras de informática eram proibidas de investir no Brasil – nos dias de hoje, é como se ninguém pudesse mais comprar um iPhone ou um laptop da Lenovo. É claro que estavam todos errados, e só Roberto Campos estava certo. (...) Il va sans dire que Roberto Campos tinha uma forte rejeição por parte da esquerda. O Luís Fernando Veríssimo, inclusive, criou uma piada que dizia que Delfim Netto era o Roberto Campos brasileiro – o senador mato-grossense, afinal, era chamado de Bobby Fields. Para a esquerda ele era um entreguista. Queria vender o país para os Estados Unidos a preço vil (a esquerda adora essa expressão). Era um lobista que defendia apenas os interesses estadunidenses (aqui no Brasil, quando alguém fala “estadunidense”, pode saber que é de esquerda). Durante um bom tempo, o que Roberto Campos escrevia era lei para mim. Eu ficava esperando - não lembro exatamente quantas vezes por semana - para ler suas colunas no jornal, ficava acordado esperando suas entrevistas na TV, defendia o cara contra tudo e contra todos. O ápice da minha ligação com ele foi a leitura do monumental “Lanterna na Popa”, autobiografia de mais de mil páginas. Eu reconhecia que certos comentários dele eram grosseiros, mas que vida a do Roberto Campos! Ministro da Fazenda de Castello Branco, embaixador na Inglaterra no governo Médici, senador por Mato Grosso no governo Figueiredo. Fica evidente, no livro, a frustração que ele teve ao perder o poder que teve no início do regime militar e que nunca mais iria recuperar. Ele deixava claro sua opinião segundo a qual o milagre econômico do governo Médici dependeu de maneira fundamental das reformas que ele implantara, ainda no governo Castello Branco. Para Roberto Campos, o governo Médici era excessivamente repressor contra a oposição. Para quem, como eu, cresceu num lar em que a mãe, esquerdista, tinha um peso fundamental na ideologia da casa, ser um admirador tão incondicional de um burocrata importante do governo militar não deixava de ser meio incômodo. O fato de ele efetivamente não ter participado da repressão e tê-la até criticado um pouco não deixava de ser um alívio. Pequeno, mas um alívio. De todo modo, ele estava numa fase áurea em termos de influência intelectual – até a esquerda o estava respeitando - Roberto Campos subitamente parou de escrever no jornal, por estar doente. Eu senti o baque, fiquei meio perdido, mas achava, claro, que logo ele se recuperaria e eu teria de novo meu economista de bolso para poder copiar as opiniões. Mas isso não ocorreu. Roberto Campos faleceu depois de uns dois anos doente. Nesse meio tempo era possível ler algumas notícias sobre a sua vida de recluso. Uma delas é que ele se obrigava a rezar a Ave-Maria – mesmo sem acreditar direito em Deus - em algumas línguas, para não perder a memória. Não adiantou, acabou perdendo a vida. Desculpem essa piada sem-graça: é uma homenagem às piadas sem graça de Roberto Campos. Na época em que os telefones celulares eram melhores e mais caros quanto mais pequenos, ele escreveu que eles eram uma espécie de homenagem à impotência, já que viviam dobrados e paravam de funcionar quando entravam em túneis. Chamava o whisky de néctar. Ex-seminarista, no início de seu livro de memórias ele conta a história de um colega de seminário que virou padre, mas que acabou sendo afastado. Segundo o que um colega em comum acabou contando para Roberto Campos, o padre afastado
"era comunista, e isso a gente podia aceitar; ele tinha um caso com uma mulher, e isso dava para aceitar; mas nunca acreditou em Deus, e isso não dava para aceitar".
(trecho de Energia, terceira parte do meu livro "Rua Paraíba", publicado recentemente - mais detalhes aqui; fonte da foto: Estadão)
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“Rua Paraíba”, meu novo livro
Obra Literária
“Rua Paraíba”, meu novo livro
6 de novembro de 2020 at 10:03 0
"Rua Paraíba", meu livro mais recente, é autobiográfico, fala sobre minha carreira como engenheiro (além de muitos outros assuntos), e é composto por três partes, "Rua Paraíba", "Memórias" e "Energia", escritas entre 2016 e 2019. Seguem alguns links sobre a obra:
  • Trechos e outras informações: aqui
  • Texto do Alvaro Augusto: aqui
  • e-book na Amazon: aqui
  • Entrevista com Sandro Bier, do Café do Escritor: aqui
  • Texto do Horacio Sendacz: aqui
  • Compra do livro físico: e-mail para fabriciomuller60@gmail.com
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Música na pandemia
Música
Música na pandemia
31 de outubro de 2020 at 14:27 0
O marco do final da “vida normal”, para mim, foi o show da banda de metal belga Amenra, no Fabrique Club em 1 de março de 2020 - sobre o qual já comentei aqui, num texto que acabou aparecendo também no meu livro mais recente, “Rua Paraíba”. Foi um show espetacular, o melhor a que já assisti na minha vida e, estranhamente, parece mesmo realmente ter sido o final de uma era. Mas a vida continuou mesmo com a pandemia e, em termos de música, não tenho muito do que me queixar de 2020. Por exemplo, alguns dos meus artistas preferidos lançaram discos maravilhosos, como Selena Gomez com “Rare” (lançado antes da pandemia), The Weeknd com “After Hours”, Morrissey com “I Am Not a Dog on a Chain”, 21 Savage com “Savage Mode II”, Ariana Grande com “positions”. Além disso, os dois clipes que eu já considero os melhores que vi até hoje foram lançados depois do início da pandemia: “Dance again”, com a Selena Gomez dançando sozinha, e “POPSTAR”, de DJ Khalled e Drake, um vídeo divertidíssimo em que Justin Bieber canta no lugar do Drake. Também depois da pandemia foram lançados dois podcasts sobre música viciantes: Álvaro & Barcinski & Forasta & Paulão, com os jornalistas Álvaro Pereira Jr., André Barcinski, André Forastieri e Paulo César Martin, sendo que os três primeiros eu acompanho desde o tempo da revista Bizz. Segundo a descrição do próprio podcast, este apresenta “dicas e opiniões musicais malfeitas e desatualizadas para sua quarentena” – já dá para ter uma ideia do quanto ele é divertido. Outro podcast nos mesmos moldes é o B3, também com o André Barcinski, mais Benjamin Back e João Marcello Bôscoli. Outra coisa recente e marcante em termos de música  para mim foi a descoberta das coleções completas de música de câmara de Brahms e Mozart no YouTube Music (lançadas, é preciso que se diga, antes de 2020). Nem me sinto muito à vontade para comentar tanta maravilha junta. E não posso deixar de citar o cd Brahms: Piano Trio Nos.1 Op.8 & 2 Op.87, com Maria João Pires ao piano. Mas provavelmente o disco que vai ser o primeiro a vir à minha cabeça quando, daqui a um bom tempo, eu me lembrar da pandemia, vai ser o disco Brahms: Lieder, com a mezzo-soprano sueca Anne Sofie von Otter e o pianista Bengt Forsberg (também lançado antes de 2020). Infelizmente o YouTube Music não registra, até onde eu sei, quantas vezes um disco é escutado. Não importa, imagino que pus para tocar essa maravilha – que começa com uns lieder mais “alegres” e vai aumentando a carga de dramaticidade até lugares meio impossíveis de imaginar – no mínimo mais de cem vezes durante a pandemia. crédito da foto: AbeBooks
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“O mapa e o território”, de Michel Houellebecq
Literatura
“O mapa e o território”, de Michel Houellebecq
26 de outubro de 2020 at 13:17 0
Jed Martin é um artista plástico de sucesso, tendo feito uma exposição com fotos de ferramentas e outra com montagens de fotos de mapas Michelin, e é o personagem principal de “O mapa e o território”, do escritor francês Michel Houellebecq (Editora Record, tradução de André Telles, 400 páginas, publicado originalmente em 2010 e vencedor do Prêmio Goncourt). Quando vai fazer sua primeira exposição de pinturas – cujo principal tema é o trabalho, e na qual o maior destaque é um quadro chamado “Bill Gates e Steve Jobs discutem o futuro da informática” - ele resolve chamar o escritor Michel Houellebecq para fazer o texto do catálogo. Sim, Houellebecq acaba aparecendo no próprio livro como personagem e não de maneira elogiosa – solitário, amargurado, sem higiene, alcoólatra. Jed Martin é solitário, compenetrado e tem alguns relacionamentos amorosos - mas nada muito profundo. Grande parte de “O mapa e o território” é dedicado à descrição de sua arte, e é pena que o assunto “artes plásticas” não chegue a me interessar muito. Enfim, pela temática, pelo personagem principal e pela história este livro teria tudo para me desagradar, mas não foi o que aconteceu. Afinal de contas, que escritor sensacional é Michel Houellebecq! Li “O mapa e o território” com grande prazer, e não me entediei em nenhuma das suas 400 páginas. (foto: france-amérique.com )
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Trecho de “Memórias”, da coletânea autobiográfica “Rua Paraíba”
Obra Literária
Trecho de “Memórias”, da coletânea autobiográfica “Rua Paraíba”
18 de outubro de 2020 at 17:59 0
ESCREVI um conto batido a máquina. Cabia numa folha A4, no modo paisagem. Era escrito em três colunas: lendo a primeira coluna, o conto tinha um sentido. Se se juntassem as linhas da primeira e da segunda colunas, o sentido se modificava. Juntando a primeira, a segunda e a terceira colunas, outro sentido ainda aparecia. Eu não devia ter mais que onze anos, e mostrei o conto para um colega do curso de francês. Ele, então, mostrou para o pai dele, que veio com a sentença: “esse menino vai ser um grande escritor”. Eu ri e ele respondeu, sério: “meu pai nunca se engana.” (fonte da imagem: Wikipédia)  
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“Meu Ano de Descanso e Relaxamento”, de Ottessa Moshfegh
Literatura
“Meu Ano de Descanso e Relaxamento”, de Ottessa Moshfegh
11 de outubro de 2020 at 22:11 0
A moça que é a personagem principal e narradora de “Meu Ano de Descanso e Relaxamento”, de Ottessa Moshfegh (Todavia, 240 páginas, tradução de Juliana Cunha, lançado originalmente em 2018), é uma jovem adulta linda, loira, alta, rica, e se formou com louvor em Arte pela Universidade Columbia. É também órfã - tanto seu pai quanto sua mãe eram distantes e ausentes – e apaixonada por Trevor, um homem alto e atraente que nunca lhe deu muita atenção. Sua única amiga, Reva, é bulímica e – segundo a narradora do livro – chata e meio burra. Trabalhando entediada numa galeria de arte em Nova Iorque e cansada do trabalho, dos egos inflados dos artistas ao redor e da vida em geral, ela resolve passar um ano sabático – até porque a herança que recebeu dos pais não a faz ter preocupações com dinheiro. Só que não é um ano sabático comum: ela quer ficar chapada o tempo todo. Para isso, ela arranja – na lista telefônica – uma psiquiatra que lhe dá receitas para todos os remédios que quer, ao mesmo tempo que não se lembra de quase nada que sua cliente lhe fala. A quantidade de remédios controlados que ela toma é absurda, e boa parte do livro de Ottessa Moshfegh – que é filha de uma mãe croata e de um pai iraniano - descreve os efeitos de cada um deles: nomes como Notuss, Buspirona, Stilnox, Donaren, Remeron, Valium, Seroquel, Imovane, Frontal, Neuroproxin, Gardenal e Zyprexa (alguns reais, outros inventados, segundo a crítica de Clara Balbi na Folha de São Paulo de 9 de agosto de 2019) aparecem a todo momento. E é com uma substância fictícia, Infermiterol, que a coisa pega de verdade. Embora algumas pessoas tenham achado “Meu ano de descanso e relaxamento” um livro divertido, para mim foi uma leitura opressiva. Um livro original e que conta com maestria um mergulho depressivo num abismo da mente humana. (foto da autora obtida no jornal Folha de São Paulo)
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