Fabricio Muller

Is John John a brother of Resistência?
Impressões, Textos em outras línguas
Is John John a brother of Resistência?
21 de dezembro de 2024 at 19:06 0
I consider myself a center-right liberal, as I mentioned in the section called “Energy” of my third book, “Rua Paraíba”. In today’s political political controversy, I can consider myself an “isentão”, an unbiased person, the guy who is hated by both sides of the fight. But the text here is not about politics, rest assured. President Lula’s dog Resistência (resistance in English) was probably born in 2018. According to a post by President Lula on Facebook,
“a small black mongrel crossed the crowded Via Rápida in the Santa Cândida neighborhood, one of the highest and coldest in Curitiba. Swerving between cars and frightened by the noise of the horns, the little puppy trembled and cowered when two men who were passing by finally took her in. It was April 2018 and the two were not from there. Marquinho and Cabelo, metalworkers from São Bernardo do Campo, didn't think twice and, thus, the little dog named Resistência became the first mascot of the then Lula Livre Camp (the camp in front of the Federal Police in Curitiba, where now President Lula was imprisoned).”
According to a report in the Brazilian newspaper Folha de São Paulo on January 1, 2023, the current First Lady Janja Lula da Silva adopted her in June 2018, after Resistência fell ill at the Lula Livre Camp. The little dog then ended up climbing the ramp of the Planalto Palace (literally Plateau Palace, the seat of national executive power) during the president's inauguration. John John, our dog, is so fun that he ended up serving as inspiration for a comic book, “John John's Paradise”, written by André Duarte Curtarelli and Juliana Frank, for which I wrote the afterword, which can be read here on the website. He was adopted on February 2, 2020, the day before my birthday. According to the afterword,
“I didn’t want to have another dog so soon after our poodle Ninon had died. To convince me to keep him, Teresa, my daughter, suggested naming him after my favorite surfer, the American John John Florence.”
When he arrived here at home, he had already spent a little over a year in a pet adoption NGO: our dog had been picked up wandering on a street that I don’t know which one it is, and he always took care of a little dog that ended up being adopted before him. He was probably about two years old when I adopted him, so he must have been born in 2018, just like Resistência. Likewise, the president’s dog, according to the Folha de São Paulo report, has “black fur and white spots on the chest and on the tips of her paws — over the years, the tone has become more grayish,” which is a perfect description of John John’s fur. And they look exactly like each other, as we can see in the photo that accompanies the text. John John may not be a brother of the Resistência, but from everything I wrote above, he seems to be, don't you think?
Leia mais +
Será que o John John é irmão da Resistência?
Impressões
Será que o John John é irmão da Resistência?
15 de dezembro de 2024 at 16:14 0
Eu me considero um liberal de centro-direita, conforme comentei na parte chamada “Energia” do meu terceiro livro, “Rua Paraíba”. No “Fla-Flu” político dos dias de hoje, posso me considerar um “isentão”, o cara que é odiado pelos dois lados da briga. Mas o texto aqui não é sobre política, fiquem tranquilos. A cadela Resistência, do Presidente Lula, nasceu provavelmente em 2018. Segundo uma postagem do Presidente Lula no Facebook,
“uma pequena vira-lata preta cruzou a tumultuada Via Rápida do bairro Santa Cândida, um dos mais altos e mais gelados de Curitiba. Desviando entre os carros e assustada pelo barulho das buzinas, a pequena filhote tremia e se encolhia quando dois homens que passavam pelo local finalmente a acolheram. Era abril de 2018 e os dois não eram dali. Marquinho e Cabelo, metalúrgicos de São Bernardo do Campo, não pensaram duas vezes e, assim, a cachorrinha batizada de Resistência tornou-se a primeira mascote do então Acampamento Lula Livre.”
Segundo uma reportagem da Folha de São Paulo de 1 de janeiro de 2023, a atual primeira-dama Janja Lula da Silva a adotou em junho de 2018, depois que Resistência ficou doente no Acampamento Lula Livre. Depois a cachorrinha acabou subindo a rampa do Palácio do Planalto na posse do presidente. O John John, nosso cachorro, é tão divertido que acabou servindo de inspiração para uma história em quadrinhos, “O Paraíso de John John”, escrita por André Duarte Curtarelli e Juliana Frank, na qual eu escrevi o posfácio, que pode ser lido aqui no site. Ele foi adotado no dia 2 de fevereiro de 2020, véspera do meu aniversário. Segundo o posfácio supracitado,
“eu não queria saber de outro cachorro logo depois que a nossa poodle Ninon tinha morrido. Para me convencer a ficar com ele, Teresa, minha filha, sugeriu batizá-lo com o nome do meu surfista favorito, o americano John John Florence”.
Quando ele chegou aqui em casa, já tinha ficado pouco mais de um ano abrigado numa ONG de adoção de pets: nosso cachorro tinha sido pego vagando numa rua que eu não sei qual é, e sempre cuidava de uma cachorrinha que acabou sendo adotada antes que ele. Ele provavelmente tinha cerca de dois anos quando o adotei e, assim, deve ter nascido em 2018, assim como a Resistência. Do mesmo modo, a cachorra do presidente, ainda segundo a reportagem da Folha de São Paulo, tem “pelagem preta e manchas brancas no peito e na ponta das patas —com o passar dos anos, a tonalidade foi ficando mais acinzentada”, que é uma descrição perfeita da pelagem do John John. E um é a cara do outro, como podemos ver na foto que acompanha o texto. O John John pode até não ser irmão da Resistência, mas, por tudo o que escrevi acima, ele parece ser, não acham?
Leia mais +
Dalton Trevisan (1925-2024)
Literatura
Dalton Trevisan (1925-2024)
10 de dezembro de 2024 at 01:19 2
Eu devia ser ainda criança quando minha mãe me falou de Dalton Trevisan pela primeira vez. Ela tinha alguns livros escritos por ele em casa, fui ler e não levei muito a sério: não devia ser assim tão bom um escritor que falava só de bairros e lugares que eu conhecia. O bairro Barreirinha. A Praça Tiradentes. A Rua das Flores. O prazer que eu tenho com suas histórias é difícil de descrever. Até hoje, se leio um conto dele e vejo citado um lugar em que eu sempre passo, eu sinto um certo arrepio bom. Bobo, mas bom. Por uma dessas coisas que é difícil de explicar racionalmente, passei a sentir de uns dois meses para cá uma grande necessidade de ler seus contos – cheguei a contar para um amigo que estava com cada vez menos vontade de ler ficção, fora J.M. Coetzee e Dalton Trevisan. Comprei quatro livros dele recentemente, já li um – "Mistérios de Curitiba" - e, entre os outros três, um grosso volume chamado “Antologia Pessoal”. Não via a hora de começar a lê-lo. Não via a hora de escrever sobre os contos dos livros que comprei recentemente. Não costumo me abalar muito com a morte de quem não conheço pessoalmente, e não conheci pessoalmente o maior escritor que já nasceu na minha cidade. Mas me abalei MESMO com a morte de Dalton Trevisan. De uma maneira idiota e meio patética, no fundo eu achava que ele era meu amigo. Descanse em paz, gigante. (foto que acompanha o texto obtida na Banda B)
Leia mais +
“A ciência tem todas as respostas?”, de Sabine Hossenfelder
Ciência, Religião
“A ciência tem todas as respostas?”, de Sabine Hossenfelder
8 de dezembro de 2024 at 15:49 0
Não muito tempo atrás escrevi aqui que "quanto a mim, poucas coisas me dão mais tédio do que cientistas ateus filosofando, tentando dar um sentido positivo à vida". No mesmo texto, comentei: "como disse a polêmica – e divertida – física alemã Sabine Hossenfelder  (...), cientistas frequentemente entram no campo da religião (...) quando falam das “grandes questões” (criação e o sentido da vida, eu poderia citar) e (...) não há nada de errado com isso, desde que eles assumam que estão fazendo isso". Minha curiosidade sobre Sabine Hossenfelder me levou a ler, recentemente, seu livro "A ciência tem todas as respostas?" (Editora Contexto, 257 páginas, tradução de Peter Schulz), que analisa vários aspectos da ciência, como o início do universo e da vida, por exemplo. A física alemã é ateia de quatro costados: ela defende, por exemplo, que não existe "livre arbítrio" porque nossos pensamentos, em última análise, são criados por átomos. Ela acha também que a física quântica não é tão surpreendente assim, e que a consciência não atua sobre fenômenos quânticos (não me peça para resumir a explicação dela, não a entendi direito!). Mas ela também acha uma bobagem quando cientistas defendem que Deus não existe, já que a ciência não pode dar esta resposta, simplesmente por falta de provas! Como ela escreve em seu brilhante livro,
"Não me leve a mal. Eu não tenho nada contra pessoas perseguem essas ideias em si. Se alguém achar que isso tem valor por alguma razão, tudo bem para mim - todos devem ser livres para praticar sua religião. Mas eu quero que cientistas estejam atentos aos limites de suas disciplinas. Às vezes, a única resposta científica que pode ser dada é 'nós não sabemos'. É por isso que me parece provável que, nesse processo de descoberta do conhecimento, religião e ciência continuarão a coexistir ainda por um longo tempo. Isso porque a ciência é em si limitada e, onde a ciência termina, buscamos por outros tipos de explicação. (...) Não é que eu queira ser simpática com pessoas religiosas pela única razão de ser agradável. Para começo de conversa, eu não sou exatamente conhecida como uma pessoa agradável. Mais importante do que isso, cientistas que afirmam, como fez Stephen Hawking, que 'não existe a possibilidade de um criador', ou como Victor Stenger, que Deus é uma "hipótese falseada", demonstram que não entendem o limite de seu próprio conhecimento. Eu sinto arrepios quando cientistas fazem essas declarações presunçosas."
O último parágrafo do livro mostra que nem sempre cientistas ateus dão preguiça quando escrevem sobre a vida:
"Então, sim, nós somos sacolas de átomos rastejando por um pálido ponto azul no braço espiral externo de uma galáxia incrivelmente ordinária. E, ainda assim, somos muito mais que isso."
"A ciência tem todas as respostas?" é, sem dúvida nenhuma, o melhor livro de divulgação científica que já li. E é divertidíssimo.
Leia mais +
“O dia em que o céu caiu”, de René Goscinny e Albert Uderzo
Literatura
“O dia em que o céu caiu”, de René Goscinny e Albert Uderzo
24 de novembro de 2024 at 18:11 0
Criada em 1961 por René Goscinny e Albert Uderzo, a série de livros de história em quadrinhos Asterix faz, até hoje, um imenso sucesso no mundo inteiro: além das HQs (traduzidas em mais de 100 idiomas e que já venderam mais de 120 milhões de exemplares) e filmes (de desenho animado e "normais"), até um parque temático nos moldes da Disneyworld foi construído nas imediações de Paris. As histórias da pequena aldeia gaulesa (a Gália se situava onde atualmente é a França) que resiste à dominação romana, pouco antes do início da Era Cristã, graças à poção mágica criada pelo druida Panoramix - que dá uma força sobrenatural a seus habitantes - continua fascinando crianças, jovens e adultos pelo mundo todo. Entre as maiores qualidades das histórias do baixinho e corajoso Asterix podem ser citados: o brilhante traço de Uderzo (que nitidamente foi melhorando a cada nova história criada, até se estabelecer em sua plenitude por volta do episódio "Asterix entre os bretões", lançado em 1966); a esperteza e a inteligência do personagem principal; o conseqüente contraste com a obtusidade de seu melhor amigo Obelix (que caiu num caldeirão da poção mágica quando criança e que, por isto, conquistou uma força sobre-humana para o resto da vida); a sabedoria do druida; os engraçados personagens Abracurcix (o chefe da aldeia), Chatotorix (um bardo que canta insuportavelmente mal) e Ordenalfabetix (o vendedor de peixes que vive se pegando com o ferreiro Automatix) - e não se pode esquecer do charme adicional de histórias em que os não-poderosos (os gauleses, neste caso) sempre vencem os poderosos (aqui, os romanos). Mas sem dúvida nenhuma a qualidade que é a maior responsável pelo imenso sucesso de Asterix são os brilhantes roteiros assinados por René Goscinny, falecido em 1977 - e a morte deste foi uma perda insuperável para a qualidade das histórias do baixinho gaulês, o que se pode comprovar lendo "O dia em que o céu caiu”, HQ recentemente publicada lá fora e também por aqui (Record, 49 páginas). Quem assina o roteiro, como tem feito desde a morte de seu colega, é o desenhista da dupla, Albert Uderzo. A história conta a chegada de duas naves extraterrenas na aldeia gaulesa, uma dos walneydistianos, da estrela Walneydist, que são mais bonzinhos; a outra nave é dos nagmas, seres ambiciosos e sem escrúpulos vindos do planeta Gnama que querem conquistar o universo todo. O que estas duas expedições, de planetas rivais, querem na aldeia dos irredutíveis gauleses? Saber o segredo de sua força, claro, que já conquistou fama muito além do nosso planeta. E, a partir deste mote, muita coisa acontece na aldeia: luta de naves, vôos, desaparecimentos, toda a sorte de acontecimentos fantásticos. Não que "O dia em que o céu caiu” seja ruim, não mesmo. A HQ tem brigas memoráveis entre Ordenalfabetix e Automatix, os "efeitos espaciais" são bem bolados - sem contar que é sempre um prazer ver o pessoal da aldeia em ação. Mas quando comparamos esta história bobinha com as brilhantes HQs com roteiro de Goscinny, como por exemplo a fábula sobre a luta entre a razão e a superstição rasteira “Asterix e o adivinho”, a profundamente melancólica “Asterix e o caldeirão”, o estudo sobre a ambição humana “Asterix e o domínio dos deuses” ou o enorme deboche sobre os dominadores de todos os tempos que é “Asterix e os louros de César”, ficamos pensando se realmente Asterix e Obelix mereciam este final de carreira tão melancólico. (texto publicado no suplemento dominical do jornal "O Estado do Paraná" em 2006)
Leia mais +
Revendo filmes
Cinema
Revendo filmes
17 de novembro de 2024 at 15:23 0
Acho que foi no Cine Groff, na extinta Galeria Schaffer, no centro de Curitiba, que assisti a "Stalker" (1979, 2h43min, Alemanha/União Soviética), de Andrei Tarkovski. Um filme longo e lento, com algumas cenas coloridas e outras numa espécie de preto-e-branco em sépia, em cenários de construções decadentes ou abandonadas, onde a floresta e a extrema umidade começam a tomar conta de tudo e com uma história misteriosa - e meio incompreensível para o adolescente metido a intelectual que eu era nos anos 1980. Sempre quis rever este filme, o que só fui fazer dia desses. A história não era tão difícil de entender assim. Basicamente um guia (o "Stalker") tenta levar duas pessoas a uma "Zona" no meio de uma região abandonada, onde os desejos de cada um são satisfeitos. A sua mulher tenta de todas as maneiras que o guia não faça mais uma expedição, mas o "Stalker" não a obedece. O filme - que merece o status de cult que tem até hoje - conta uma história profunda de fé e crença, e me lembrou demais a de "Ordet" (1955), obra-prima de Carl Dreyer. *** Eu já era casado quando resolvi assistir a "Encontros e desencontros" (2003, Lost in translation, Sofia Coppola, 2003, 1h41min, Estados Unidos/Japão), mas não lembro quando foi. Certamente assisti ao filme em casa e não no cinema, e devo ter lido alguma crítica favorável que dizia que o filme era "leve e bom", ou coisa assim. Lembro que gostei bastante do filme mas, para mim, era isso mesmo: "leve e bom". Revi dia desses. Bill Murray faz Bob Harris, um ator de seus cinquenta anos que está em Tóquio para algumas sessões de publicidade, não entende nada de japonês, e muitas cenas melancolicamente engraçadas são criadas a partir deste fato - aliás, a incompreensão da linguagem é um dos motivos para o título original, em tradução livre, se chamar "perdido na tradução". Bob Harris se encontra no hotel com Charlotte (Scarlett Johansson), a esposa de um fotógrafo que trabalha virtualmente o dia inteiro e a deixa sozinha no hotel. Ambos se sentem meio perdidos e solitários em Tóquio, e eu não lembro de ter visto um filme onde tantos diálogos sem palavras são trocados entre dois personagens: Bob Harris, bem mais velho que a jovem Charlotte, parece saber tudo o que se passa na cabeça da moça apenas olhando para ela, e o inverso também vale. A interpretação sublime de Bill Murray e Scarlett Johansson faz com que "Encontros e desencontros" seja muito mais do que apenas um filme "leve e bom". *** Eu estava trocando de canal na TV a cabo muitos anos atrás quando assisti a uma cena chocante de guerra (não vou entrar em detalhes para não dar spoiler) em que participavam, no meio de vários soldados, os atores Liv Ullmann e Max von Sydow. Pela crueza da cena e pelos atores, logo pensei que era um filme de Ingmar Bergman, e eu estava certo. Poucos diretores são tão diretos - e mesmo chocantes - para tratar de algum tema importante quanto ele, e posso citar vários exemplos: a psicopatia ("Persona"), a sexualidade ("O Silêncio"), a idade média ("O Sétimo Selo"), a perda da fé ("Através de um espelho"), a dor ("Gritos e sussurros"). Apenas por um trecho eu vi que ele tratava a guerra da mesma maneira crua com que tratava outros assuntos. O nome do filme em que aparecia a cena supracitada se chama "Vergonha" (1968, Skammen, 103 min). No filme, Jan e Evan Rosenberg (Max von Sydow e Liv Ullmann, citados acima) são dois músicos que vão viver em uma ilha para fugir da guerra civil que assola seu país. Assisti ao filme poucos meses depois de ter assistido àquela cena na TV a cabo, e o revi dia desses. Na revisão o filme me pareceu ainda melhor e mais chocante do que da outra vez. (foto que acompanha o texto, de "Stalker", obtida na Far Out Magazine)
Leia mais +
“Vida e época de Michael K”, de J. M. Coetzee
Literatura
“Vida e época de Michael K”, de J. M. Coetzee
10 de novembro de 2024 at 13:11 0
"Vida e época de Michael K", do sul-africano J. M. Coetzee (Companhia das Letras, 230 páginas, tradução de José Rubens Siqueira, publicado originalmente em 1983), Prêmio Nobel de Literatura de 2003, começa assim:
"A primeira coisa que a parteira notou ao ajudar Michael K a sair de dentro da mãe para dentro do mundo foi que tinha lábio leporino. O lábio enrolado como pé de caramujo, a narina esquerda fendida."
Poucos parágrafos adiante o livro continua com:
Por causa da deformação, e porque não era rápido de cabeça, Michael foi tirado da escola depois de uma breve tentativa, e entregue à proteção do Huis Norenius, em Faure, onde, às custas do Estado, passou o resto da infância na companhia de outras crianças infelizes com afecções diversas, (...)
Além do lábio leporino e de "não ser rápido de cabeça", Michael K vive no meio de uma guerra civil na África do Sul, é pobre e tem que cuidar da mãe, que sofre de hidropsia e não consegue andar. Quando a guerra chega no bairro onde Michael K mora, e também para cumprir um antigo desejo de sua mãe, ele cria uma condução em cima de um carrinho de mão e tenta levá-la para a sua cidade natal - mas ela morre logo no início da viagem. Depois começam a acontecer uma série de acontecimentos na sua vida: ele é preso algumas vezes, é assaltado e fica sem as economias da mãe que carregava consigo, tenta morar isolado numa fazenda, é constantemente ameaçado por combatentes de algum dos lados da guerra, encontra pessoas esquisitas. Com o nome do personagem remetendo a vários outros de Kafka e vivendo sempre em condições dificílimas, pode-se imaginar que "Vida e época de Michael K" seja apenas uma espécie de denúncia contra os absurdos da guerra e da sociedade constituída - por mais que, em certo sentido, o romance seja isso mesmo. Mas Coetzee não seria o gigante da literatura que é se apenas tentasse emular o também gigante Kafka. A verdade é que, frequentemente, é o próprio Michael quem arranja problemas para si mesmo. Dadas as trágicas circunstâncias da guerra civil em que vive, ele é muito mais bem tratado - pela polícia, pelos combatentes, por outras pessoas e pela própria mãe - do que se esperaria de um personagem chamado "Michael K". Já estou com dois livros de Coetzee aqui comigo, esperando a leitura. Nunca me canso de suas histórias fortes e profundas.
Leia mais +
“Vida de Petrarca”, de Ugo Dotti
Literatura
“Vida de Petrarca”, de Ugo Dotti
3 de novembro de 2024 at 12:52 0
Muita gente debochou de Luana Piovani quando ela disse que tinha lido "Cem anos de solidão", o clássico de Gabriel García Márquez, em seis meses. Segundo este link da Folha de São Paulo, ela declarou, orgulhosa:
"Terminei de ler meu último companheiro de 6 meses, meu fiel amigo de cabeceira, meu gorducho livro! Gabriel e eu realmente nos entendemos! Cem Anos de Solidão me fez viajar por lugares quentes, me apresentou mulheres loucas e admiráveis e ainda me descreveu uma cena de amor enfestada [sic] de borboletas amarelas."
Eu não entendo direito o deboche, já que às vezes demoro anos para acabar de ler um livro. Eu certamente demorei mais de dez para terminar este "Vida de Petrarca", de Ugo Dotti (Editora Unicamp, 555 páginas, tradução de Luís André Nepomuceno, publicado originalmente em 1987), sobre o grande poeta e ensaísta italiano que viveu entre 1304-1374 - uma época extremamente conturbada na Europa. Petrarca participou ativamente dos distúrbios políticos de seu tempo polemizando - muitas vezes por cartas - com políticos e escritores importantes. Quando se cita o papado de Avignon (1309-1377), por exemplo, quase sempre Petrarca é lembrado por declarar, para quem quisesse ouvir, que aquela mudança de sede, da Itália para a França, era o "cativeiro babilônico dos papas" (de todo modo, agora o papado de Avignon é um dos meus interesses estranhos). Não que precise, mas vou tentar me justificar por ter terminado tanto tempo para acabar de ler a biografia do grande poeta italiano. No prefácio "Marcel Proust - uma biografia", de George D. Painter (Editora Guanabara, 798 páginas, tradução de Fernando Py, publicado originalmente em 1959) o autor declara que, com o livro, pretendeu fazer a "biografia definitiva" de um dos meus escritores preferidos. Deixei a leitura pela metade, achei chato demais. Um trecho ao acaso mostra sobre o que estou falando:
"Proust a conheceu, no outono de 1888, ela contava trinta sete anos, e ele apenas dezessete; ela estava agora exatamente com quarenta. Era roliça, porém de cintura fina, e usava um vestido bastante decotado, com festões de pérolas, três de cada lado, que pendiam da parte mínima que ocultava seu seio. O cabelo era louro-acinzentado, atado com uma fita cor-de-rosa; os olhos eram pretos e tendiam a abrir-se desmesuradamente quando ela se excitava. 'Tenho olhos amendoados, mas em sentido inverso', dizia rindo. Possuía uma grande coleção de porcelanas, na qual incluía Proust, a quem chamava de "meu pequeno psicólogo de porcelana". Ele replicava comparando a um altar a estante em ele ela dispunha suas figuras de Saxe: 'Vivemos no século de Laure Hayman; e a dinastia reinante é a de Saxe'; (...)"
Tudo bem que "Em busca do tempo perdido" tem muitos detalhes assim, mas o objetivo no romance é sempre literário e, na biografia, é sempre descritivo. E chato. Já passei da metade de mais duas monumentais biografias definitivas - e chatas -, uma de Raspútin, de Douglas Smith, e uma de Nietzsche, de Curt Paul Janz. Em comum com as de Marcel Proust e Petrarca, descrições tediosas de viagens, conversas, relações com amigos e inimigos. E etc. Enfim, achei que nunca terminaria de ler uma "biografia definitiva" deste naipe, até que, depois de mais de uma década, terminei de ler esta "Vida de Petrarca". Fiquei orgulhoso como a Luana Piovani citada acima.  
Leia mais +