“Atingir o Estado de Buda nesta Existência”, de Daisaku Ikeda
Religião
“Atingir o Estado de Buda nesta Existência”, de Daisaku Ikeda
7 de abril de 2024 0
“Se deseja libertar-se dos sofrimentos do nascimento e da morte – suportados desde o tempo sem início – e atingir infalivelmente a iluminação suprema nesta existência, deve despertar para a verdade mística inerente nos seres vivos. Essa verdade é Myoho-renge-kyo. A recitação do Myoho-renge-kyo lhe possibilitará compreender a verdade mística inata em cada vida.” O trecho acima está na capa de “Atingir o Estado de Buda nesta Existência”, de Daisaku Ikeda (Editora Brasil Seikyo, 96 páginas, tradução de Elizabeth Miyashiro, publicado originalmente em 2006), e a frase é de autoria de Nichiren Daishōnin (1222-1282). Segundo a Wikipédia, ele foi um monge budista do sec. XIII que fundou o budismo Nichiren, um importante segmento do budismo japonês que engloba dúzias de escolas de diversas interpretações doutrinárias. A ênfase que o livro dá na recitação do Myoho-renge-kyo, em japonês, me fez pensar numa coisa que grande parte das grandes religiões têm em comum, a recitação em línguas sagradas. O hebraico nas sinagogas, o árabe nas mesquitas, o sânscrito no Hinduísmo, o japonês no caso do Budismo Nichiren. Será que o catolicismo errou em deixar de fazer suas rezas em latim? Quem sou eu para dizer?
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“A descoberta da Europa pelo Islã”, de Bernard Lewis
História
“A descoberta da Europa pelo Islã”, de Bernard Lewis
31 de março de 2024 0
Os muçulmanos na Idade Média achavam que os ocidentais tinham uma religião, o Cristianismo, verdadeira – já que é reconhecida como tal no Alcorão -, mas ultrapassada; a Europa também era considerada atrasada cultural, intelectualmente e até em termos de higiene em relação aos países islâmicos. Na verdade, o interesse dos muçulmanos pela Europa era mínimo. Este e outros aspectos da visão dos islâmicos em relação à Europa – da Idade Média até o sec. XX – são descritos com grande vivacidade e riqueza de detalhes em “A descoberta da Europa pelo Islã”, de Bernard Lewis (Perspectiva, 432 páginas, tradução de Maria Clara Cescato, publicado originalmente em 1982). Várias aspectos do Ocidente, na Idade Média, espantavam os muçulmanos. Por exemplo, como se falava basicamente apenas três idiomas (árabe, persa e turco) em vastas regiões de terras islâmicas, a enorme quantidade de línguas europeias lhes parecia sem sentido. Como tinham certeza da superioridade do Islã sobre o Cristianismo, a teimosia europeia em não reconhecer a “verdadeira” religião era uma prova, para os muçulmanos, da inferioridade intelectual dos ocidentais. Mas, conforme comentado anteriormente, o que se destaca mesmo na leitura de “A descoberta da Europa pelo Islã” é a gigantesca indiferença e desconhecimento do mundo islâmico em relação ao mundo europeu. Isso, dá a entender o autor, acabou sendo um aspecto importante do atraso tecnológico – a partir do século XIX – dos países muçulmanos, se comparado aos países ocidentais.
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Quem é vivo sempre aparece: 2.“In Washington D.C. 1956 Volume Four”, de Lester Young
Música
Quem é vivo sempre aparece: 2.“In Washington D.C. 1956 Volume Four”, de Lester Young
17 de março de 2024 0
Grande parte das pessoas, depois de uma certa idade, continua a ouvir apenas as músicas e/ou músicos que gostava na juventude. Já ouvi um podcaster famoso contando que continuava ouvindo sons do passado porque eles lhe lembravam de sua juventude – e acho que é assim com muita gente. Comigo, ao contrário, praticamente nunca é assim. Se volto a ouvir algo que eu gostava quando era mais jovem, julgo este som como se eu o estivesse ouvindo pela primeira vez: se continuo achando bom, ótimo; se mudei de ideia e não acho mais, lamento. Como raras exceções a este comportamento não-saudosista, lembro de um momento, alguns poucos anos atrás, em que ouvi “Standing on a Beach”, da banda inglesa The Cure, e ter me sentido de novo no Cursinho, na Rua Vicente Machado, aqui em Curitiba, onde estudei em 1986. O texto de hoje desta série “Quem é vivo sempre aparece”, onde comento músicas que não ouvia há muito tempo e que voltei a escutar e gostar, é sobre o disco “In Washington D.C. 1956 Volume Four”, do saxofonista americano Lester Young (1909-1959), que tenho ouvido bastante nos últimos tempos – mas não sei se é por causa de saudosismo ou não. Por muito tempo tentei gostar de jazz, mas isto é assunto para o episódio desta série que tratará de Modern Jazz Quartet. De todo modo, um dos discos que comprei no estilo, na adolescência, foi este “In Washington D.C. 1956 Volume Four”, e nunca vou ter ideia de quantas dezenas – ou centenas – de vezes ouvi o LP. Eu só sabia que, se colocasse o disco na vitrola, eu não pensaria em trocá-lo tão cedo. E lamentava que só tinha conseguido o Vol. 4 da série. Já casado comprei alguns CDs de Lester Young, mas eram sempre versões de “melhores músicas da carreira” que tinham coisas de orquestra, coisas com vocal, e quase nada que se aproximasse da sensação de prazer que “In Washington D.C. 1956 Volume Four” me dava. Até que, com o advento do Spotify, resolvi um belo dia ouvir os três primeiros volumes da série do grande saxofonista, precursor do bebop, tocando na capital dos Estados Unidos (eu não tinha ideia de quantos discos havia na série, mas eram só quatro mesmo). E aí veio a decepção. Os volumes 1 a 3 estão, obviamente, longe de ser ruins. Mas não me passavam a emoção que “In Washington D.C. 1956 Volume Four” me passa, até hoje. Saudosismo? Quem sabe.
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Livros que minha mãe amava: 5. “O Gênio e a Deusa”, de Aldous Huxley
Literatura
Livros que minha mãe amava: 5. “O Gênio e a Deusa”, de Aldous Huxley
10 de março de 2024 0
Se esta série de livros que minha mãe amava tivesse apenas um exemplar, este certamente seria “O Gênio e a Deusa” (Civilização Brasileira, 113 páginas, tradução de João Guilherme Linke, publicado originalmente em 1955), o preferido dela. Como eu, minha mãe não costumava reler livros, mas tinha algumas exceções – as minhas eu comentei aqui pouco tempo atrás, e a única exceção que eu sei dela era (devia ter mais algumas, mas eu não lembro) era este “O Gênio e a Deusa”. Ela me dizia que tinha lido mais de dez vezes este romance, e que às vezes o relia quando lhe dava na telha. Alguns trechos da obra ela repetia em algumas ocasiões, e este aqui, sublinhado na edição dela, é o que eu mais lembro de tê-la ouvido recitar: “’A gente acaba se acostumando’ – repetiu. Cinquenta por cento das Consolações da Filosofia em cinco palavras. E os outros cinquenta podem ser expressos em seis: irmão, quem está morto, está morto. Ou, se se prefere, em sete: irmão, quem está morto, não está morto.” Eu não achava esta citação nada demais, no início. Até que um belo dia percebi que ela falava, de modo descontraído e profundo ao mesmo tempo, da vida após a morte – provavelmente a maior questão da humanidade. Outro trecho que ela citava é famoso início do livro: “O mal da ficção – disse John Rivers – é que ela faz sentido demais. A realidade nunca faz sentido. – Nunca? – contestei. – Talvez do ponto de vista de Deus – concedeu ele. – Do nosso, nunca. A ficção tem unidade, a ficção tem estilo. A realidade não possui uma coisa nem outra.” A edição da minha mãe está cheia de trechos sublinhados, e lê-los, claro, me faz lembrar dela. O jeito como o “O Gênio e a Deusa” é contado é – apesar de não original – bastante interessante. O livro todo é uma conversa na noite de Natal, à noite, entre o narrador e John Rivers, um físico que, trinta anos antes, tinha morado na casa da família do Dr. Maartens (o “gênio” do título), um físico vencedor do Prêmio Nobel, casado com Katy (a “deusa”), e com dois filhos, Timmy e Ruth. Dr. Maartens, apesar de genial na ciência, é completamente infantil na vida pessoal (será que é a inspiração para o personagem Michael Beard, do ótimo “Solar”, de Ian McEwan, sobre o qual comentei aqui?), enquanto a bela Katy é uma espécie de “esteio da casa” e Ruth é uma adolescente problemática. Os conflitos pessoais entre John Rivers e os Maartens é o tema principal do livro. Eu já tinha lido “O Gênio e a Deusa” na adolescência, mas não tinha entendido muito. Na releitura, agora, notei que o livro é simplesmente uma obra-prima, e merece todo o amor que minha mãe tinha por ele. Mas não vou deixar de acabar este texto sem transcrever o último parágrafo do livro, que minha mãe sublinhou, e dá uma pequena mostra do humor ácido da minha mãe: “Guie com cuidado – recomendou enquanto abria a porta. – Este é um país cristão e hoje é o aniversário do Salvador. Praticamente todo mundo que você encontrar estará bêbado.”
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Quem é vivo sempre aparece: 1. Hüsker Dü
Música
Quem é vivo sempre aparece: 1. Hüsker Dü
3 de março de 2024 0
Vendo aqui a relação das coisas que tenho ouvido ultimamente, além dos preferidos de sempre da casa (a pianista Hélène Grimaud, Bones, Elvis Presley, Arctic Monkeys, Bach), percebi que boa parte são músicas que eu já tinha deixado de lado há anos, às vezes décadas, e sobre as quais nunca comentei aqui. Pensei então em criar uma nova série no site sobre estes sons retomados depois de muito tempo, nos moldes daquela sobre os livros que minha mãe amava. Só que o título da série não vinha nunca. “Das profundezas da memória”? “Inéditos no site”? “Deixados de lado, mas nunca esquecidos”? Todos eles me pareceram meio pedantes, meio autoindulgentes. “Quem é vivo sempre aparece”, por outro lado, apesar de ser falso em muitos casos (Lester Young, por exemplo, o próximo da lista, já é falecido), é engraçadinho, com o tipo de humor infame que me agrada sobremaneira. O primeiro da lista desta nova série, a banda americana Hüsker Dü, é um dos mais difíceis de comentar, por um motivo que logo conto. A banda existiu entre 1979 e 1987 e era do estado americano do Minnesota. Segundo o AllMusic, o grupo foi um “trio punk influente de Minneapolis que conciliava habilmente a introspecção barulhenta de Bob Mold com o romantismo pop mordaz de Grant Hart”. Como muita coisa nos anos 1980, comprei os dois álbuns da banda lançados por aqui (“Candy Apple Grey” e “Warehouse: Songs and Stories”, duplo) por influência da revista Bizz, e várias coisas me chamaram a atenção neles. Praticamente todas as músicas eram assinadas e interpretadas ou pelo baterista Grant Hart (falecido em 2017) ou pelo guitarrista Bob Mould – já o baixista Greg Norton, que postava um bigode completamente fora de moda para a época, nem compunha nem cantava. As capas eram lindas e coloridas (é só ver a imagem que acompanha este texto, de “Warehouse: Songs and Stories”, obtida no site da Amazon), e mesmo a foto da banda no encarte, com colunas e flores, era bem diferente do visual do rock da época. Mas o que sempre mais me marcou na banda, e que torna este texto meio difícil de escrever, era sua irregularidade – pelo menos para meus ouvidos: ou as músicas eram absolutamente irritantes, gritadas e apenas barulhentas, ou conseguiam fazer uma síntese maravilhosa entre belíssimas melodias e um punk/hardcore pesado. Ouvindo a banda hoje, infelizmente as músicas irritantes continuam irritantes. A categoria de músicas perfeitas, por outro lado – da qual fazem parte, por exemplo, “Eiffel Tower High” ou “Ice Cold Ice” – me emocionava nos anos 1980, e me emociona igualmente em 2024.  
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Dois livros de capa laranja
Religião
Dois livros de capa laranja
25 de fevereiro de 2024 0
Os dois livros que estão na foto que acompanha este texto, “Autobiografia de um Iogue”, de Paramahansa Yogananda (Self-Realization Fellowship, 648 páginas, sem indicação de tradução, lançado originalmente em 1946) e “Padre Pio: um santo entre nós”, de Renzo Allegri (Paulinas, 616 páginas, tradução de Maria do Rosário de Castro Pernas, lançado originalmente em 1968) têm muito em comum: são biografias de líderes espirituais, com um número parecido de páginas, e capas semelhantes: em laranja e com o rosto do biografado em primeiro plano. No meu caso específico, eles ainda coincidem pelo fato de eu não ter comprado nenhum dos dois: o livro sobre o Padre Pio foi a Valéria que adquiriu aqui em casa, e a autobiografia de Paramahansa Yogananda foi um presente da minha querida tia Neila para minha filha Teresa. Ambos os livros têm outro ponto de maior semelhança ainda, sobre o qual eu vou comentar mais adiante. Nascido em 1893 em Gorakhpur, na Índia e falecido em 1952 em Los Angeles, Estados Unidos, Paramahansa Yogananda desde cedo mostrou uma forte tendência a uma espiritualidade profunda. No início da adolescência começou sua jornada com o guru Sri Yukteswar, e em 1917 lançou sua primeira escola, ainda na Índia. Em 1920 fundou sua organização, a Self-Realization Fellowship, já nos Estados Unidos, para difundir o sistema de Yoga chamado de Kriya Yoga, revivido nos tempos modernos pelo guru de Sri Yukteswar, Lahiri Mahasaya. Com a sua organização Paramahansa Yogananda ficou famoso nos Estados Unidos e no mundo ocidental, tendo conhecido políticos, artistas e estadistas importantes. Sua “Autobiografia de um Iogue” é um livro delicioso, bem-humorado e de fácil leitura. Apesar de ser hindu, no livro Cristo é um mestre cujo exemplo deve ser seguido de maneira aprofundada. Nascido em 1897 na cidade italiana de Pietrelcina e falecido na cidade de San Giovanni Rotondo, também na Itália, em 1968, Padre Pio era um frade capuchinho famoso por seus estigmas. Achando que estes eram fruto de fraude, a Igreja Católica tentou o que pôde para complicar a vida do frei, impedindo-o, em épocas diversas, de rezar missas, fazer confissões, viajar, e por aí vai. A história da relação de Padre Pio com a Igreja me lembra o que o fariseu Gamaliel falou em Atos 5:38-39, dirigindo-se ao povo que queria matar Pedro e outro apóstolos: “Portanto, neste caso eu os aconselho: deixem esses homens em paz e soltem-nos. Se o propósito ou atividade deles for de origem humana, fracassará; se proceder de Deus, vocês não serão capazes de impedi-los, pois se acharão lutando contra Deus”. Isto porque hoje o Padre Pio é o São Padre Pio, tendo sido canonizado pelo Papa João Paulo II em 16 de junho de 2002. Finalmente, o maior motivo para os dois livros estarem juntos aqui neste texto são os exemplos de acontecimentos extraordinários que pululam o tempo todo neles, como curas milagrosas, bilocação e levitação no livro sobre o Padre Pio, e ressurreições e conversas com mortos no caso do livro de Paramahansa Yogananda. Se você é cético, fique longe deles. Mas eu não sou, e amei estes dois livros de capa laranja.
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Livros que minha mãe amava: 4. “Dom Casmurro”, de Machado de Assis
Literatura
Livros que minha mãe amava: 4. “Dom Casmurro”, de Machado de Assis
21 de fevereiro de 2024 0
Lembro como se fosse hoje. Minha mãe trabalhava na firma do meu pai, e um dia eu estava na sala dela. Tinha uma prateleira com poucos livros e, no meio destes, havia três livros grossos, belíssimos, em papel-bíblia, mas que não eram a Bíblia. Era uma edição das “Obras Completas de Machado de Assis”, da Companhia José Aguilar, de 1971. Não lembro que ano era, estávamos no final dos anos 1970 ou início dos anos 1980. Peguei os livros e comecei a folheá-los, simplesmente inebriado. Nunca tinha visto edições tão lindas como aquelas. Perguntei para minha mãe de quem eram aqueles livros. “São teus”, ela respondeu. A alegria que me invadiu naquele momento é difícil de ser definida, até hoje. Li grande parte dos romances de Machado de Assis naquela edição, no primeiro volume, muitos deles mais de duas vezes. Também li a maioria dos contos, no segundo volume, e algumas peças e poesias, no terceiro. Nunca li as crônicas, que formam boa parte do terceiro volume, mas lê-las é um projeto que carrego comigo até hoje. Minha mãe amava Machado de Assis como, acho, não amou nenhum outro autor, brasileiro ou estrangeiro. Ela fazia uma citação, que nem ela lembrava de quem era, que dizia que “as casas de Machado não têm quintais” – uma referência às poucas descrições de lugares e paisagens no autor, ao contrário do que acontecia com outro grande escritor do tempo do Império, José de Alencar. Ela sempre contava que tinha chorado quando, ainda jovem, acabou de ler o último livro de Machado, pois não teria mais nada novo dele para ler. Lamentava que ele escrevesse em português, e que fosse pouco conhecido fora do país, e ficou muito feliz quando lhe contei que “Memórias Póstumas de Brás Cubas” era um dos livros preferidos de Woody Allen. Às vezes, ela me perguntava: Capitu traiu ou não? E achava estranho que eu lhe dizia que preferia Lima Barreto a Machado de Assis. Para esta série “livros que minha mãe amava” resolvi reler (pela segunda ou terceira vez) “Dom Casmurro”. Tinha gostado muito de mais uma releitura de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, em 2016, conforme conto aqui. Mas com Dom Casmurro a situação foi bem diferente. Desde a primeira vez que o li, a parte que eu mais tinha gostado era a sensibilidade com que era contado o início do namoro entre Bentinho e Capitu. Desta vez, ao contrário, o final do romance estava muito na minha cabeça – são tantos os debates sobre a suposta, ou não, traição da personagem principal do romance que, para mim, era inevitável pensar no que aconteceria páginas adiante. Achei, enfim, um livro amargo, pesado, que não me deu nenhuma alegria ao lê-lo. Ou, quem sabe, seja só saudade da minha mãe. Mas ela não me deixaria terminar este texto sem responder a esta questão, a mais famosa da literatura brasileira: Capitu traiu Bentinho ou não? Para mim ela traiu sim, mãe, e acho que você concorda comigo.
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Livros que minha mãe amava: 3.”Diário de uma Ilusão”, de Philip Roth
Literatura
Livros que minha mãe amava: 3.”Diário de uma Ilusão”, de Philip Roth
14 de janeiro de 2024 0
Minha mãe amava Philip Roth. Sempre repetia que adorava suas histórias de “homens judeus” – que muitas muitas vezes também são escritores. Durante um bom tempo, foi o escritor preferido dela ao lado de John Updike – e os dois realmente têm muito em comum: estilo límpido, histórias com personagens da classe média americana do tempo em que eles viviam (principalmente as últimas décadas do século XX), linguagem crua. Philip Roth (1930-2018), conforme comentado acima, concentrava suas histórias em homens judeus seculares, enquanto as famílias descritas por John Updike (1932-2019) eram normalmente protestantes. Os dois, aliás, eram figurinhas carimbadas nas colunas do famoso jornalista Paulo Francis. Os dois lançaram em um período muito curto dois grandes romances: Philip Roth com “Pastoral Americana”, de 1997, e John Updike com “Na beleza dos lírios”, de 1996. São muitos pontos em comum entre as duas obras-primas, conforme comentado neste texto de Arthur Nestrovski para a Folha de São Paulo. Na época eu e minha mãe lemos ambos os romances: eu preferi o de Updike – mais espiritualizado, sob o meu ponto de vista da época, quando estava começando acreditar em Deus -, e minha mãe preferiu o de Philip Roth. Provavelmente, se eu relesse os dois livros hoje, iria concordar com a opinião da minha mãe. Junto com Thomas Mann e Honoré de Balzac, Philip Roth foi um dos três escritores que eu simplesmente decidi parar de ler lá pelas tantas, conforme comentei aqui, em 2015; mas neste texto, de setembro de 2023, eu escrevi que já tinha mudado de ideia. De fato, no meio do ano passado eu tinha lido “Lição de Anatomia”, o terceiro romance constante da edição “Zuckerman Acorrentado”, da Companhia das Letras, que apresenta “três romances e um epílogo” nos quais o personagem principal é Nathan Zuckerman – escritor judeu, alter ego de Philip Roth. Eu tinha lido os dois primeiros romances da trilogia, “O escritor fantasma” e “Zuckerman Libertado” ainda antes de eu ter escrito aquele texto de 2015 citado acima, e lembro de poucos detalhes dos livros. Amei “Lição de Anatomia”! Parecia que eu precisava mesmo ler alguma coisa de Philip Roth depois de tantos anos. Nathan Zuckerman, no romance, continua fazendo um sucesso gigante como escritor, ao mesmo tempo em que tem ódio de alguns desafetos no meio literário e sofre com dores excruciantes nas costas. Consegue algumas fãs para fazer massagens, trabalhar como secretárias e fazer sexo com ele – que, muitas vezes, mal consegue se mover devido ao estado de sua coluna. Sim, o romance provavelmente seria cancelado se tivesse sido escrito nos dias de hoje, por excesso de machismo. Mexendo nos livros da minha mãe, descobri uma edição de “Diário de uma Ilusão”, apresentado na foto que acompanha este texto ao lado da minha edição de “Zuckerman Acorrentado”: na verdade, este romance é o mesmo citado acima com o nome de “O Escritor Fantasma”, na edição da Companhia das Letras. Minha mãe com certeza leu “Diário de uma Ilusão”, devido ao estado do livro, e provavelmente também leu “Lição de Anatomia” – lembro vagamente de ter visto um exemplar do romance com ela na minha adolescência, mas não tenho certeza. De todo modo, mesmo se ela não o leu, certamente o teria amado se tivesse lido!
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