Arctic Monkeys (Pedreira Paulo Leminski, Curitiba, 8/11/2022)
Música
Arctic Monkeys (Pedreira Paulo Leminski, Curitiba, 8/11/2022)
13 de novembro de 2022 0
Cheguei na Pedreira Leminski a tempo de ver as últimas três músicas da banda de abertura, o Interpol. Já tinha visto o grupo no Lollapalooza de 2019, e novamente fiquei impressionado com a força de seu som, mesmo calcado um pouco além da conta no Joy Division. Longa vida ao Interpol, que recentemente abriu shows para Morrissey, não caindo no cancelamento fácil como tanta gente por aí. Pouco mais de meia hora de espera e chegou ao palco, praticamente no horário previsto, a grande atração da noite, o Arctic Monkeys – cujo símbolo da capa do álbum “AM” eu tenho tatuado na perna. A decoração do palco era belíssima, com uma cortina enorme na parte de trás e um painel de luzes logo atrás dos músicos, conforme a foto que acompanha este texto, obtida no site Suco de Mangá. Os telões funcionaram perfeitamente e, na maior parte do tempo, a câmera era voltada para o vocalista Alex Turner – normalmente com uma iluminação em tons pastéis, num efeito muito bonito. O show começou com “Sculptures of Anything Goes”, terceira faixa do recém-lançado álbum “The Car” (setlist obtido em setlist.fm), e aqui vale a pena fazer uma pequena digressão. O penúltimo disco do Arctic Monkeys, “Tranquility Base Hotel & Casino”, de 2018, já tinha representado uma virada drástica no energético rock da banda: o álbum era lento e, segundo a Wikipédia em inglês, ele foi caracterizado por diferentes críticos como “pop psicodélico, lounge pop, space pop e glam rock – e o álbum incorpora ainda influências do jazz, assim como de soul, prog, funk, pop francês e trilhas sonoras de filmes da década de 1960”: o fato é que o disco era tão esquisito que era de difícil classificação, e por isso foram utilizados tantos termos diferentes para representá-lo. Quanto a mim, não gostei muito de “Tranquility Base Hotel & Casino” nas primeiras audições, mas hoje acho que ele é tão bom quanto os demais – e a faixa-título é uma das minhas duas músicas preferidas do Arctic Monkeys. “The Car”, recém-lançado, vai na mesma linha do anterior, mas é ainda mais lento – e, do mesmo modo que aquele, cresce para mim a cada audição. Deste modo, era com curiosidade que eu queria saber como a plateia – a Pedreira Paulo Leminski não estava lotada, mas estava muito cheia – reagiria às músicas de “The Car”. No fim, o que aconteceu é que as músicas do novo álbum eram os momentos em que o público acendia as lanternas dos seus celulares, num efeito muito bonito. O show – que apresentou um belo apanhado dos grandes sucessos da banda, como “Cornerstone”, “Do I Wanna Know”, “Tranquility Base Hotel & Casino” (a canção), “Crying Lightning” e “Arabella” – foi uma celebração maravilhosa entre a banda e o público. Nada de conversa fiada, de frases simpáticas em português ou inglês, de piadinhas: a banda parece saber que qualquer distração atrapalha o sentido profundo de um show fora do comum. E o bis terminou com a minha outra música preferida da banda, “R U Mine?”.
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O Paraíso de John John
Literatura
O Paraíso de John John
29 de outubro de 2022 0
Tudo começou quando a Teresa e o André trouxeram um lindo cachorrinho, de uma feira de adoção, aqui para casa. Eu não queria saber de outro cachorro logo depois que a nossa poodle Ninon tinha morrido. Para me convencer a ficar com ele, Teresa, minha filha, sugeriu batizá-lo com o nome do meu surfista favorito, o americano John John Florence. John John logo fez amizade com a Lana, uma mistura de boiadeiro australiana com vira-lata muito agressiva com estranhos, que haviamos adotado quatro anos antes. Extremamente carinhoso, faminto e aventureiro, John John Florence logo deixou todos apaixonados. Eu acho que até a Rebeca, a cachorra da minha mãe, gostou um pouco dele. Minha mulher, a Valéria, achou que ele parecia um malandro da Zona Norte carioca, e o apelidou de “gafieira” e “fuleiragem”, e assim fomos criando um personagem. Logo, o André, namorado da Teresa, começou a fazer histórias com o John John, criando uma voz para ele. Ficamos tão empolgados que decidimos transformar o John John no astro de uma história em quadrinhos. E chamamos o Rafa Campos Rocha, de quem sou fã incondicional, e a querida Juliana Frank para a empreitada. Deu tudo certo, e agora você está com o produto dessas mentes brilhantes – menos a minha, claro – nas mãos. Fabricio Muller Posfácio que escrevi para “O Paraíso de John John”, história em quadrinhos publicada recentemente pela editora Oh! outra história, com roteiro de André Curtarelli e Juliana Frank e desenhos de Rafael Campos Rocha. À venda no site da editora, em https://veneta.com.br/produto/o-paraiso-de-john-john/.
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“Outono”, de Karl Ove Knausgård
Literatura
“Outono”, de Karl Ove Knausgård
23 de outubro de 2022 0
Para fãs da série “Minha Luta”, de Karl Ove Knausgård, como eu, o livro recém-lançado “Outono” (Companhia das Letras, tradução direta do norueguês de Guilherme da Silva Braga, publicado originalmente em 2015), o primeiro da Quadrilogia das Estações, causa ao mesmo tempo uma estranheza e uma sensação de conforto. Comecemos pelo último. O estilo autobiográfico, detalhista e ensaístico de Knausgård está lá, praticamente intacto, o que deixa os fãs se sentirem em terreno conhecido. Mas a diferença para a série “Minha Luta” (nada a ver com o livro de Hitler) é gigantesca.  A Quadrilogia das Estações apresenta um volume para cada uma das estações do ano: “Outono” é o primeiro deles, e o único lançado até agora no Brasil (eu tenho a versão em inglês de “Winter”, que já comecei a ler inclusive). Ao contrário da série “Minha Luta”, detalhista ao extremo – na qual um jantar, por exemplo, pode ser descrito em cerca de cem páginas -, os livros da Quadrilogia das Estações são compostos por pequenos textos de cerca de três páginas cada um, comentando sobre assuntos variados, como latas de conserva, ambulâncias, chaminés e águas vivas. A série é uma espécie de manual de instruções para uma filha que ainda não tinha nascido (e que agora tem oito anos). Knausgård comenta no primeiro texto do livro: “Eu quero mostrar a você o mundo em que vivemos da maneira como é agora: a porta, o assoalho, a pia e o tanque, a cadeira de jardim, apoiada na parede sob a janela, o sol, a água, as árvores. Você há de vê-lo do seu próprio jeito, você há de criar as suas próprias experiências e viver a sua própria vida, então é acima de tudo para mim que eu faço isso: mostrar o mundo a você faz com que valha a pena viver minha vida.” Finalmente, o que o fã aqui achou de “Outono”? Maravilhoso, claro.
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“São Luís de Tolosa”, de Léon Chancerel
Religião
“São Luís de Tolosa”, de Léon Chancerel
12 de outubro de 2022 0
Sou fascinado por São Luís de Tolosa, ou São Luís d’Anjou, sobre o qual já escrevi aqui. Numa das minhas muitas procuras na internet sobre o santo, acabei achando na Estante Virtual um livrinho de 109 páginas, publicado pela Editora Vozes em 1958, que prontamente comprei. No livro não há nenhuma indicação de tradutor mas, conforme a Wikipédia francesa, o autor do livro, Léon Chancerel (1886-1965), era um escritor, diretor de teatro e dramaturgo. Uma de suas distinções foi ter recebido a “Ordre de la Francisque”, do regime de Vichy, e seu livro sobre o santo tinha sido publicado originalmente em 1943.  Nobre que queria ser franciscano, São Luís d’Anjou (1274-1297) teve uma vida curta e espantosa: era herdeiro ao trono da Sicília e foi sequestrado durante sete anos na infância e adolescência junto com dois irmãos no lugar de Carlos II, seu pai, que tinha perdido uma batalha naval para os aragoneses. Segundo Léon Chancerel, “muito intensa até o século XVI, sobretudo em Valença, Nápoles, Marselha, Brignoles e Toulouse e incentivada e mantida, por motivos familiares e políticos, pelos soberanos da França e da Espanha, a devoção a São Luís aos poucos foi abandonada, para quase não mais subsistir hoje, viva, senão entre os Frades Menores.   Na devoção popular há santos privilegiados. São Luís d’Anjou não é destes. Não se lhe atribui nenhuma “especialidade”, seja para curar dores de dentes, seja para fazer ganhar causas desesperadas ou reencontrar os objetos perdidos. Nenhuma anedota romanesca, nenhum elemento pinturesco na sua vida, para reter a atenção das multidões. Deste ponto de vista, S. Luis d’Anjou pode ser considerado um santo que “não foi bem sucedido”. Entremeado a um período particularmente complexo da história europeia, são quase inexistentes os documentos de arquivo concernentes à sua ação política. Não temos dele nenhuma carta. Quanto ao orador sacro, nenhum texto escrito nos informa sobre o valor teológico, filosófico e literário dos seus sermões. Nenhuma carta, nenhumas memórias, emanadas da sua mão, chegaram até hoje a nós.” Não importa. O livro de Léon Chancerel é delicioso, foi uma sorte tê-lo encontrado na Estante Virtual.
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“Comment débuta Marcel Proust”, de Louis de Robert
Literatura
“Comment débuta Marcel Proust”, de Louis de Robert
7 de agosto de 2022 0
Escritor francês, Louis de Robert (1871-1937) foi a primeira pessoa a ler os originais de “Em busca do tempo perdido” e quem convenceu Marcel Proust (1871-1922) a não encurtar sua obra-prima. Boa parte da história da relação dos dois é apresentada em “Comment débuta Marcel Proust” (Como começou Marcel Proust, em português – L’Éveilleur, 130 páginas, edição prefaciada e anotada por Jérôme Bastianelli), que apresenta a correspondência entre os dois escritores. Grande parte das cartas apresentadas no livro mostram as angústias de Marcel Proust tentando publicar sua obra – como a discussão entre as editoras para quem ele a mandaria e, depois que ela foi aceita, sobre as sugestões recebidas, como diminuir o tamanho de cada edição (“Em busca do tempo perdido” tem sete livros, e as primeiras edições dividem cada um deles em mais de um volume).  O que é mais bonito em “Comment débuta Marcel Proust” é amizade entre os dois escritores (um fundamental, outro um tanto esquecido). Louis de Robert se oferece e entra em contato com várias pessoas para ajudar na publicação de “Em busca do tempo perdido”, enquanto Marcel Proust elogia o recém-lançado “Le roman du malade” de seu amigo, e lhe oferece dinheiro em caso de necessidade (Proust era riquíssimo).  E, como uma boa amizade que se preze, há umas rusguinhas aqui e ali: o capítulo final de “Comment débuta Marcel Proust” mostra uns textos com críticas relativamente severas de Louis de Robert sobre “Em busca do tempo perdido” – num tom que proustianos como eu não estamos acostumados!
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Músicas preferidas por artista ou banda
Música
Músicas preferidas por artista ou banda
3 de julho de 2022 0
Além de gostar de fazer listas, acho bacana saber qual a minha música preferida de determinado artista (seja cantor e/ou compositor) ou banda. Comecei a pensar no assunto e logo percebi que a lista de preferidas por artista seria grande, e resolvi escrevê-la. Quando o assunto é música clássica, não achei que faria sentido colocar uma peça inteira, como uma cantata ou sonata, mas sim um movimento dela, como um movimento ou um lied: achei que assim o conceito de uma “música preferida” seria mais coerente. Tem uma exceção, o Concerto para Violão de Heitor Villa-Lobos, que sempre ouvi inteiro. Também apareceriam artistas que quase não ouço, além de preferidos da casa. Não importaria, eu iria curtir todas as músicas da lista. Enquanto pensava no assunto, percebi, com alguma estranheza, que em poucos casos fiquei com dúvidas – lembro, por exemplo, de não saber qual de duas eu preferia de artistas ou bandas como The Smiths, Arctic Monkeys, Massive Attack ou Bhad Bhabie. Mas, em geral, foram casos isolados – e não colocarei a música alternativa aqui, porque a lista já está grande demais. Dei uma reconferida naquelas que eu não ouvia há muitos anos, para saber se elas ainda “batiam”, e só estão aqui as que “bateram” mesmo – quase todas. Em alguns casos um artista aparece mais de uma vez, mas a segunda aparição é sempre em participação (ver Ariana Grande e Cashmere Cat, por exemplo). Outras vezes (posso citar Bryan Ferry e Roxy Music), um mesmo artista aparece na sua banda e na sua carreira solo. Alguns dos músicos listados eu não gosto, mas aparecem aqui quando algum raro som me agrada: caso de  Queen e Red Hot Chilli Peppers, por exemplo. Segue, finalmente, a relação das minhas músicas preferidas de artistas ou bandas, sem nenhuma ordem de gênero ou preferência: a única ordem que respeitei é a da memória, ou seja, o que apareceu antes na minha cabeça apareceu antes na lista. Massive Attack: Small Time Shot Away João Gilberto: Manhã de Carnaval The Beatles: Blackbird Rolling Stones: Paint It Black Johann Sebastian Bach: ária “Ach, mein Sinn”, da Paixão Segundo João, BWV 245 Bhad Bhabie: Gucci Flip Flops (feat Lil Yachty) Lil Xan: Betrayed João Gilberto: Manhã de Carnaval Jorge Ben: Menina mulher da pele preta Tom Jobim: Chansong Marisa Monte: Balança Pema Morrissey: Boxers Arctic Monkeys: Tranquility Base Hotel & Casino Selena Gomez: Back to You Ariana Grande: 7 rings Dua Lipa: Levitating Prince: Darling Nikki The Weeknd: Reminder Justin Bieber: Company Elvis Presley: Little Sister Sam Cooke: Bring It on Home to Me Mahalia Jackson: How I got over Frank Sinatra: I’ve Got the World on a String Billie Holiday: Strange Fruit John Coltrane: Moment’s Notice Robert Schumann: I. Nicht schnell, de Three Romances for Oboe and Piano, Op. 94 Johannes Brahms: V. Mädchenlied “Auf die Nacht in der Spinnstub’n”, de Fünf Lieder, Op. 107 João Mineiro e Marciano: Seu Amor Ainda É Tudo The Doors: Riders on The Storm Jimi Hendrix: All Along the Watchtower Pink Floyd: Echoes Led Zeppelin: In the Light Black Sabbath: Behind the Wall of Sleep Electric Wizard: Funeralopolis François Couperin: II.Soeur Monique / Tendrement Sans lenteur – 18e ordre, 3e livre Henry Purcell: Suite No.2 in G minor Z661 Ashley All Day: Hiyah Giuseppe Tartini: terceiro movimento (grave), do Cello Concerto in D major GT 1.D34 Domenico Scarlatti: sonata K.20 in E major Beastie Boys: Sure Shot Velvet Underground: Venus in Furs Roberto Carlos: O Divã Lou Reed: Sword of Damocles Bones: CtrlAltDelete ZillaKami x SosMula: 33rd Blakk Glass Demi Lovato: Stone Cold $uicideboy$: Magazine 6ix9ine: GUMMO Neurosis: No River to Take Me Home Amenra: A Solitary Reign Velvet Cacoon: Genevieve Burzum: Dunkelheit Drudkh: Самітність (Solitude) Charles Aznavour: Comme Ils Disent Xasthur: Telepathic with the Deceased Deathspell Omega: Second Prayer GZA: 4th Chamber Feat. Ghostface Killah, Killah Priest & Rza Wu-Tang Clan: Cash Still Rules / Scary Hours (Still Don’t Nothing Move but The Money) Cardi B: Bodak Yellow DJ Khaled: Popstar ft. Drake Drake: Nonstop 21 Savage & Metro Boomin: X ft Future Franz Schubert: Am Flusse I, D. 160: Verfließet, vielgeliebte Lieder Skip James: Washington D.C. Hospital Center Blues Lightnin Hopkins: Trouble in Mind Sonny Boy Williamson II: Keep It to Your Self Stevie Ray Vaughan & Double Trouble: Pride and Joy B. B. King: The Thrill Is Gone John Lee Hooker Official: Hard Times Blues Mississippi Fred McDowell: Goin Down to the River Muddy Waters: Got My Mojo Workin’ Sonic Youth: Kool Thing Nirvana: Negative Creep Radiohead: Fake Plastic Trees Stone Roses: I Wanna Be Adored The Cure: Killing an Arab New Order: Paradise Echo & The Bunnymen: Turquoise Days The Smiths: Please, Please, Please, Let Me Get What I Want The Jesus and Mary Chain: Never Understand Ike & Tina Turner: Nutbush City Limits The Shangri-Las: Past, Present and Future Ramones: Blitzkrieg Bop NOFX: Stickin’ in My Eye Husker Du: Could You Be the One Sublime: Santeria Korn: Falling Away from Me Slipknot: Duality System Of A Down: Chop Suey! blink-182: All the Small Things nothing,nowhere. : bedhead Limp Bizkit: Nookie Nick Drake: Day is Done Elliott Smith: Between the Bars Frédéric Chopin: Ballade No. 4 in F minor, Op. 52 Éric Satie: 3 Gymnopédies No. 1: Lent et douloureux Egberto Gismonti: Dança das Cabeças, lado A Villa-Lobos: Concerto para Violão Chet Baker: Time After Time David Bowie: Life on Mars? Roxy Music: Oh Yeah T. Rex: Mystic Lady Bryan Ferry: The Right Stuff Selena Gomez, Marshmello: Wolves DJ Snake: Let Me Love You ft. Justin Bieber Major Lazer & DJ Snake: Lean On (feat. MØ) Dave Brubeck: Take Five Cashmere Cat: Quit ft. Ariana Grande Clean Bandit: Rockabye (feat. Sean Paul & Anne-Marie) Anne-Marie: Alarm Ellie Goulding: Love Me Like You Do Diplo: Color Blind (feat. Lil Xan) Miles Davis: ‘Round Midnight Louis Armstrong & Jack Teagarden: Rockin Chair Thelonious Monk: Little Rootie Tootie Charlie Parker: Hot house Dre: Still D.R.E. ft. Snoop Dogg Snoop Doggy Dogg: Tha Shiznit Fetty Wap:
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“Correntes”, de Olga Tokarczuk
Literatura
“Correntes”, de Olga Tokarczuk
12 de junho de 2022 0
É estranha a minha relação com a escritora polonesa Olga Tokarczuk, vencedora do Prêmio Nobel de 2018. O primeiro livro dela que li, “Sobre os ossos dos mortos”, sobre o qual escrevi aqui, foi crescendo em qualidade na memória: enquanto estava lendo-o ele me cansou diversas vezes, mas quando fui escrever sobre o romance não consegui encontrar nenhum defeito nele. Hoje posso dizer que foi um dos livros mais marcantes da minha vida, tão vívidas e fortes suas descrições. Já com este excelente “Correntes” (Todavia, 400 páginas, tradução de Olga Bagińska-Shinzato, publicado originalmente em 2007) a estranheza vem de outro lugar. A obra é dividida em 116 capítulos, a maior parte deles muito curtos e aparentemente autobiográficos, e sem relação com os demais. Alguns trechos me lembraram meu próprio “Memórias”, segundo livro de “Rua Paraíba”, obra mais recente que publiquei. Para dar uma ideia da coisa, vou transcrever um capítulo completo de “Correntes” aqui: “Um sujeito na lanchonete de um certo museu me disse que nada lhe dava mais satisfação do que conviver com um original. Também insistiu que quanto mais cópias houver no mundo, maior será o poder do original — que às vezes se aproxima do poder de uma relíquia sagrada. Pois o que é singular é significativo, com a ameaça de destruição que paira sobre ele. A confirmação dessas palavras veio na forma de um grupo de turistas que celebrava com concentração devotada uma pintura de Leonardo da Vinci. Apenas ocasionalmente, quando algum deles já não aguentava mais, ouvia-se o clique de uma máquina fotográfica, que soava como um amém falado numa nova língua digital.” Já no meu “Memórias” eu tenho um capítulo assim: “Escrevi um conto batido a máquina. Cabia numa folha A4, no modo paisagem. Era escrito em três colunas: lendo a primeira coluna, o conto tinha um sentido. Se se juntassem as linhas da primeira e da segunda colunas, o sentido se modificava. Juntando a primeira, a segunda e a terceira colunas, outro sentido ainda aparecia. Eu não devia ter mais que onze anos, e mostrei o conto para um colega do curso de francês. Ele, então, mostrou para o pai dele, que veio com a sentença: ‘esse menino vai ser um grande escritor’. Eu ri e ele respondeu, sério: ‘meu pai nunca se engana.’” Duas lembranças de episódios longínquos no tempo, duas opiniões originais (esquisitas?) de desconhecidos: um gosta de pessoas originais, outro achava que eu iria ser um grande escritor. Mas “Correntes” tem muito mais do que pequenas lembranças: o livro fala sobre suas obsessões por viagens e por “gabinetes de curiosidades onde se coleciona e expõe objetos raros, únicos, bizarros e disformes”, como órgãos disformes de seres humanos conservados em formol (duas obsessões que, é interessante comentar, eu não tenho). Além disso, algumas histórias – não sei se ficcionais ou não – são contadas de maneira completa, como a de uma mãe e um filho que aparentemente desaparecem numa ilha turística, e a de uma nobre no século XVIII que pede desesperadamente, por cartas, para que Francisco, o Imperador da Áustria, dê um enterro digno para o seu pai. “Correntes” é um livro fascinante, aliás muito melhor que o meu “Memórias”. (foto que acompanha o texto obtido no site da Revista Veja)
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Nos tempos do Imperador
Televisão
Nos tempos do Imperador
5 de junho de 2022 0
Sou fascinado por algumas épocas da História: o Império Romano e o cristianismo primitivo; o império Wari, no Peru; o Holocausto e tudo o que aconteceu para que este crime horrendo tenha sido possível; o Brasil Colônia e o Brasil Imperial.  Foi portanto com muita curiosidade que comecei a assistir ‘Nos Tempos do Imperador”, novela das seis da Globo que foi exibida de 9 de agosto de 2021 a 4 de fevereiro de 2022, em 154 capítulos, com direção de João Paulo Jabur e Vinícius Coimbra e com Thereza Falcão e Alessandro Marson como autores principais. A novela pode ser assistida pela Globoplay.  “Nos tempos do Imperador” teve uma audiência muito baixa, e boa parte dos espectadores reclamou do seu andamento lento – característica que, para mim, foi uma qualidade da novela.  Além do ritmo tranquilo, gostei muito dos cenários e da reconstituição da época, muito bem feitos e aparentemente bastante fiéis ao período retratado, e da iluminação – eu mesmo tirei a foto que acompanha este texto, porque na hora da transmissão achei belíssimo o tratamento de luz na cena. Outro destaque (não vou falar dos defeitos da novela, já que a crítica bateu bastante nessa tecla e acho que não preciso retomar o assunto) foram as atuações. Posso citar aqui Maicon Rodrigues, grande ator que infelizmente pegou o pequeno papel do revoltado Guebo, Selton Mello, excelente como o Imperador Pedro II, e Augusto Madeira e Dani Barros, vivendo o casal atrapalhado Quinzinho e Clemência, mostrados na foto supracitada. Por coincidência, as duas grandes atuações da novela são de atores que viveram muitos anos em Curitiba: o curitibano Alexandre Nero, inesquecível como o vilão Tonico Rocha, e a belorizontina Letícia Sabatella, que fez uma sofrida Imperatriz Teresa Cristina, traída às clara por Pedro II (que, aliás, aparece em “Nos tempos do Imperador” como apaixonado pela amante), ao mesmo tempo intensa e contida – coisa de gênio.
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