“Essentials”, com Hélène Grimaud
Música
“Essentials”, com Hélène Grimaud
14 de maio de 2023 0
Para um não-músico como eu, provavelmente o grande segredo para ouvir música clássica de maneira um pouco mais aprofundada seja ouvir a mesma peça com dois ou mais intérpretes diferentes. Por exemplo, eu tinha muitos LPs de peças de teclado de Bach com o pianista brasileiro João Carlos Martins, e era o que eu conhecia em termos de interpretação de piano do grande compositor alemão. Até hoje lembro do choque que foi ouvir o vol. I das Toccatas de Bach (BWV 910, 912, 913) com o pianista canadense Glenn Gould, depois de comprar o disco – muito bem recomendado pela Veja, é bom que se diga. As peças, que na verdade eu nem sabia que existiam na época, eram executadas com um brilho e uma emoção que eu simplesmente não conseguia perceber em João Carlos Martins. Parecia outro mundo. Lembro de uns outros poucos exemplos: Vladimir Horowitz e a NBC Symphony Orchestra regida por Arturo Toscanini pareciam movimentar todo o cosmo para executar o Concerto para Piano n.2, apesar das péssimas condições de gravação feita em 1940, enquanto a versão da mesma peça na Coleção Mestres da Música, da Editora Abril, parecia nunca sair de um torpor eterno. O monumental ciclo Das Lied von der Erde (A Canção da Terra) de Gustav Mahler com Jessie Norman e Jon Vickers e a London Symphony Orchestra regida por Sir Colin Davis parece revolver o que há de mais profundo na alma humana, enquanto uma versão que comprei em CD, não lembro com quem, parecia executada por uma série de robôs com preguiça. Infelizmente, nem sempre me dediquei o suficiente para comparar a mesma peça com diversos intérpretes. Mesmo assim, algumas coisas, para meus ouvidos não treinados, chamaram a minha atenção e parecem excepcionais por si, sem o reforço da comparação com outras versões. Posso citar neste caso as Sonatas para Violoncelo de Brahms com Mstislav Rostropovitch e Rudolf Serkin, o Concerto n. 4 para Piano e Orquestra de Beethoven com Claudio Arrau e a Staatskapelle Dresden regida por Sir Colin Davis, ou Trios para Piano K. 496 e K. 502 de Mozart com Maria João Pires, Augustin Dumay e Jian Wang. Tudo isso para chegar no disco lançado no início de 2020 pela Deutsche Grammophon “Essentials”, da pianista francesa Hélène Grimaud, que também atua na preservação de lobos (!) nos Estados Unidos. Peças que eu já conhecia com outros intérpretes – como o Noturno em Mi Menor Op. 72, n.1 de Chopin, o Prelúdio e Fuga n.1 BWV 846 de Bach ou a Melodia do “Orfeu e Eurídice” de Gluck com arranjo de Sgambati -, ou peças que eu nunca tinha ouvido antes – como a Bagatelle I de Valentin Silvestrov, Breathing Light de Nitin Sawhney ou 6 Romanian Folk Dances, BB 68, Sz. 56: I. Stick Dance de Béla Bartók – parecem levar a música a outro patamar. Às vezes eu sinto que Hélène Grimaud parece não ser deste mundo. Que coisa linda, minha gente.
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Minha mãe e Rita Lee
Exercícios Literários, Obra Literária
Minha mãe e Rita Lee
9 de maio de 2023 0
Não gostava muito das músicas da Rita Lee. Conheci algumas coisas do começo da carreira solo dela que são maravilhosas, mas nunca ouvi muito. Conheci alguma coisa dos Mutantes também, gostava, mas não muito. A fase de grande sucesso dela nos anos 80 nunca me pegou. De todo modo, para mim o melhor dueto da história da MPB é quando ela cantou “Jou Jou Balangandans” num show com João Gilberto, que dá para ver no YouTube e faz parte do álbum “João Gilberto Prado Pereira de Oliveira”, do meu cantor brasileiro preferido. Mas nem é especificamente por causa dela que estou escrevendo isso. Minha mãe morreu dia 21 de abril, há quase três semanas: não escrevi nada sobre ela, não consegui. Agora, com a morte da Rita Lee, entendo por que: eu acho que, para todo o mundo entender como era minha mãe, é só pensar na Rita Lee: irreverente, alegre, polêmica, que viveu uma vida completa e que marcou demais na sua passagem pela Terra. Só que, ao contrário da Rita Lee, minha mãe não usava drogas. Quando via as fotos da cantora no final da vida me lembrava imediatamente da expressão da minha mãe, que se encontrava também no estágio final da doença: as duas tinham olhares que transcendiam, mais próximos da outra dimensão do que desta. Enfim, estou escrevendo isso porque sei que minha mãe já recebeu sua alma gêmea do outro lado. Imagina o deboche e a confusão!
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Nunca houve uma cantora brasileira como Marisa Monte
Música
Nunca houve uma cantora brasileira como Marisa Monte
26 de março de 2023 0
As novas gerações nunca vão saber o que era fazer sucesso antes do advento da internet. Hoje em dia, se você não está interessado nos estilos, é fácil não saber quem são os cantores de megassucessos AgroPlay & Ana Castela, Treyce, Selena Gomez ou Drake. Até, digamos, o final dos anos 1990, era muito difícil não ser exposto, em determinadas épocas, a músicas de gente como Ultraje a Rigor, RPM, Madonna ou Prince. Eram poucos canais de televisão (a TV a cabo só surgiu no Brasil em 1989), poucas estações de rádio, a internet não existia – nem se imaginava uma coisa dessas. A pulverização dos meios de comunicação, iniciada há algumas poucas décadas, mudou tudo: lembro de mostrar para minha filha, quando ela tinha, sei lá, uns dez anos, um programinha de computador que imitava o apresentador Silvio o Santos, e ela não achou graça porque não conhecia a voz dele – certamente são raríssimos os brasileiros da minha idade que não reconhecem a voz do comunicador. Quando a música “Bem que se Quis”, da cantora estreante Marisa Monte, surgiu no horizonte musical brasileiro em 1989, foi um sucesso no estilo daqueles de Roberto Carlos nos anos 1970 ou de Michael Jackson nos anos 1980: o público estava exposto à música de maneira que poucos podiam ignorá-la. Eu mesmo não me impressionei nada com a canção, mas acho que sei cantá-la de cor até hoje – ainda bem que não pretendo fazer isso perto de ninguém, seria muito constrangedor para os possíveis envolvidos. Em 1991 Marisa Monte lança outro megassucesso, “Beija Eu”, com letra de Arnaldo Antunes, que também não me impressionou nada. Por mais que tente, eu não consigo lembrar por que resolvi comprar o CD “Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-Rosa e Carvão” (cuja capa acompanha este texto), em 1994: nada do que ela tinha lançado antes tinha me agradado, e os jornalistas que eu acompanhava na época debochavam incessantemente dela e da “nova MPB” daqueles tempos. Enfim, após poucas audições do álbum eu concluí algo que continuo defendendo: nunca houve uma cantora brasileira como ela. O disco era perfeito, melancólico, sutil, e o timbre de Marisa Monte era algo que não parecia deste mundo. Cheguei a comentar sobre ele no meu “Rua Paraíba”: “Eu nunca gostei muito de ouvir músicas repetidamente: tanto pelo fato de sempre ter apreciado vários estilos diferentes, quanto por ter medo de me cansar do que estou ouvindo, o repeat nunca foi meu forte — mesmo no tempo dos LPs, poucos foram os discos que ficaram muito tempo seguido no aparelho de som. Nas minhas madrugadas fazendo dissertação, meio que deixei esse costume de lado. Em boa parte do tempo despendido escrevendo ou programando eu ouvia o CD “Cor de Rosa e Carvão”, de Marisa Monte, no aparelho de som do escritório, ou a fita cassete oficial (nem tinha sido lançado o LP no Brasil) de “Check Your Head”, do grupo de rap americano Beastie Boys, que eu escutava num aparelho pequeno que tinha apenas rádio e toca-fitas. O melancólico e belíssimo disco de Marisa Monte era uma boa companhia para aquelas muitas horas solitárias.” O tempo foi passando, fui deixando Marisa Monte de lado – mesmo assim gostei muito do primeiro disco dos Tribalistas, com ela, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes. Em 2006 ela lança outro álbum quase tão bom quanto “Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-Rosa e Carvão”: “Universo ao Meu Redor”, composto quase que só por sambas, alegre, positivo, que parece querer fazer com que o ouvinte fique de bom humor assim que o ouça. Fascinado, ouvi muitas e muitas vezes este disco, que tem como grandes destaques a faixa-título e “Meu canário”. “Universo ao meu redor” foi lançado simultaneamente com outro disco com proposta bastante diferente, “Infinito particular” – muito bom também mas que, na minha opinião, não se compara com aquele. Passei mais um bom tempo praticamente sem ouvir Marisa Monte até que resolvi baixar, uns poucos anos atrás, no Spotify, “Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-Rosa e Carvão”: na primeira audição me senti transportado para meus anos escrevendo a dissertação – Marcel Proust explicou isso antes. Passou mais algum tempo e descobri que a cantora ia fazer um show aqui em Curitiba, em duas datas no Teatro Positivo. Comprei o ingresso para o dia 10 de setembro de 2022 e resolvi ir atrás da setlist e do novo disco dela, “Portas”: outro lançamento excepcional, com maravilhas como a faixa-título, “Calma”, “Déjà Vu”, “A Língua dos Animais” e o grande destaque, o fado “Vagalumes”. O show foi uma experiência quase mística, difícil de descrever em palavras – até por isso acabei não escrevendo sobre ele na época. A coisa foi tão louca que até amigos que não são fãs, nem costumam ouvir MPB, gostaram do espetáculo (como nota complementar, a plateia canta “Bem que se Quis”, citada acima, a capella no final do show). Nunca houve uma cantora brasileira como Marisa Monte. Ninguém me tira isso da cabeça.
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“Viagem ao fim da noite”, de Louis-Ferdinand Céline
Literatura
“Viagem ao fim da noite”, de Louis-Ferdinand Céline
12 de fevereiro de 2023 0
Louis-Ferdinand Céline (1894-1961) é considerado por muitos um dos dois grandes escritores franceses do século XX, ao lado de Marcel Proust. Ele já tinha publicado com sucesso duas obras-primas, “Viagem ao fim da noite” (1932) e “Morte a crédito” (1936), quando, nas vésperas da Segunda Guerra Mundial, lançou três panfletos antissemitas que terminaram causando sua prisão de dois anos na Dinamarca em 1945, depois do final da guerra, e que fizeram com que seus últimos anos, já na França a partir de 1951, fossem vividos quase no obscurecimento – ele também era médico, e aparentemente tinha pouquíssimos pacientes àquela altura.  A relação entre a qualidade de seus livros e a personalidade desprezível do seu autor é sempre problemática. Lembro de um trecho de um livro do escritor judeu Philip Roth, em que um personagem, um professor de literatura também judeu, ensinava Céline nas suas aulas porque o autor era um gênio, mesmo não prestando como pessoa. Stéphane Zagdanski é um estudioso judeu de Louis-Ferdinand Céline e que descreve o antissemitismo do autor neste vídeo, onde ele diz – entre muitas outras coisas – que pode amar as obras do escritor francês apesar de sua própria origem judaica. Grande conhecedor de literatura, o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy comenta neste vídeo que “Céline escreveu três obras-primas mas, quanto ao resto, é uma vergonha”.  Meio por curiosidade, meio pelo meu amor à literatura, resolvi encarar a leitura de “Viagem ao fim da noite” (Companhia das Letras, 659 páginas, tradução Rosa Freire d’Aguiar), mesmo sabendo de tudo isso.  O livro é contado em primeira pessoa pelo personagem principal, o francês Ferdinand Bardamu. Ele luta na Primeira Guerra Mundial e faz de tudo para desertar. Depois tenta a sorte na África, mas as condições que ele encontra são dificílimas; desiste de lá e acaba se arriscando nos Estados Unidos. Naquele país as coisas não melhoram muito e Bardamu volta para a França, onde se forma em medicina. A vida como médico não representa uma grande melhora em suas condições de vida: ele se envolve em vários tipos de problemas, até policiais, e ganha pouco dinheiro por não ser bom em cobrar de seus pacientes. Eu entendo o choque cultural que foi a publicação de “Viagem ao fim da noite”: seu estilo tem grande influência da oralidade, é ágil e cheio de gírias (tentei ler “Morte a crédito” em francês muitos anos atrás, mas desisti pela dificuldade de compreensão de muitos termos de origem popular utilizados pelo autor). E acabei conseguindo entender a influência de Céline no já citado Philip Roth, devido à crueza e agilidade do estilo de ambos. Mas, confesso, o niilismo quase absoluto de Louis-Ferdinand Céline – parece que nada na vida tem valor para ele – acabou tornando a leitura de “Viagem ao fim da noite” pesada para mim.  Pelo menos o livro não tem uma linha contra os judeus. (foto que acompanha o texto obtida na Wikipédia)
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“Era uma vez em Hollywood”, de Quentin Tarantino (o livro)
Cinema, Literatura
“Era uma vez em Hollywood”, de Quentin Tarantino (o livro)
28 de janeiro de 2023 0
Não é com orgulho que eu digo que o último filme a que assisti de Quentin Tarantino foi “Pulp Fiction” – a primeira vez que o vi foi no cinema, na época do seu lançamento, aí por 1994. A verdade é que amei o filme, um dos melhores a que já assisti, e que revi umas três vezes depois.  Depois, não me animei muito com as resenhas que li e com a duração (duas partes lançadas respectivamente em 2003 e 2004) do filme subsequente do diretor, “Kill Bill”. E assim a preguiça e o receio de que os filmes subsequentes de Tarantino não fossem tão bons quanto “Pulp Fiction” acabaram me impedindo de assistir aos outros filmes dele. Num podcast visto há algum tempo acabei sabendo de passagem que o diretor tinha escrito um livro – mas essa informação não me marcou muito. Até que, mais ou menos dois meses, atrás vi na Livraria da Vila “o novo livro baseado no filme”, um romance chamado “Era uma vez em Hollywood”, de Quentin Tarantino. O formato inusual (17 x 11,8 x 3,8 cm segundo a Amazon, menor do que o padrão dos livros vendidos no Brasil), já me chamou a atenção. As letras e o espaçamento faziam com que a leitura fosse agradável. O preço era acessível (não paguei tão pouco, mas está R$ 19,90 na Amazon agora!). Numa rápida folheada, gostei de todos os trechos que li. Resolvi comprar o romance “no sentimento”, coisa que raramente faço. Excelente investimento! O livro (intrínseca, 560 páginas, tradução de André Czarnobai, lançado originalmente em 2021) conta basicamente a história de dois personagens fictícios  –  Rick Dalton, um ator que costuma fazer vilões em séries de faroeste na TV, e seu dublê, amigo e chofer, Cliff Booth. Além dos dois, uma série de personagens reais aparecem – com mais ou menos profundidade – no romance, como o diretor Roman Polanski, sua esposa, a atriz Sharon Tate, e o responsável pelo assassinato dela, Charles Manson.  Além de personagens muito bem construídos, “Era uma vez em Hollywood” mostra um brilhante painel da meca do cinema americano no final dos anos 60 e início dos 70, quando muitos atores de séries de faroeste foram tentar a sorte na Europa como astros do chamado “western spaghetti”. Além dos apresentados acima, um grande número de personagens aparece no livro, e muitos filmes e séries são citados – só que eu mesmo, em geral, não sabia quem era real e quem era ficcional no romance! “Era uma vez em Hollywood” é um livro que prende a atenção da primeira à última página, com uma escrita ágil e leve, e mostra o grande amor de Tarantino pelo cinema em geral e por Hollywood em particular. Excelente pedida mesmo para os que, como eu, não costumam assistir aos filmes do diretor. Agora, eu que deixe de ser vagabundo e dê um jeito de ver “Era uma Vez em… Hollywood”, né?
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O mais emocionante
Música
O mais emocionante
21 de janeiro de 2023 0
Eu não sei como explicar direito, mas acho que isso deve acontecer meio com todo o mundo: umas músicas batem diferente das outras. Sei lá, é como se elas tocassem um nervo que as outras não tocam. Normalmente os músicos, ou compositores, ou cantores, ou bandas, que têm músicas que “batem” aqui comigo estão no meu álbum “músicas” do Facebook. Sempre que vou colocar uma foto lá fico me perguntando se aquele músico compôs (ou interpretou) coisas que realmente tocaram aquele “nervo” metafórico. É engraçado isso: gosto de muita coisa dos Beatles, mas só umas quatro canções da banda realmente me tocam (e por causa delas a banda está no meu álbum). Oasis é outro grupo que gosto muito, mas acho que só “bate” mesmo – e olhe lá – a versão deles de “I Am The Walrus”, dos Beatles (e por isso a banda não está no álbum). E isso vale para todos os estilos que escuto: no meu álbum “músicas” têm compositores barrocos pouco conhecidos como Girolamo Frescobaldi (1583-1683) e Monsieur de Sainte-Colombe (1640-1700), mas nenhum russo (Tchaikovski, Mussorgski, Rachmaninoff, Prokofiev, credo). E tem gente lá por causa de umas três músicas, como o rapper americano Chamillionaire, e tem outros que eu tenho até tatuagens de tanto que curto (Arctic Monkeys, Stone Roses). E tem aqueles que sempre acho que poderiam constar do álbum “músicas”, como Eminem e Caetano Veloso, mas sempre acabo adiando a sua entrada. Enfim, quem dos músicos no meu álbum mais toca naquele “nervo” metafórico? Quem, dentro do espectro da música, mais – desculpem a expressão – me emociona? Pergunta difícil. Tenho umas dez camisetas do Nirvana. Tenho tatuagens em homenagem a The Weeknd e Ariana Grande. Morrissey e Bones ocuparam, em diferentes épocas da minha vida, durante uns dez anos no total, uns 90% do tempo em que eu ouvia música. O melhor show a que já assisti foi o da banda de metal belga Amenra. Fui um dos 0,2% top ouvintes do Radiohead no YouTube Music em 2022. Skip James e Mississippi Fred McDowell são dois bluesmen que fizeram músicas lindas demais. Mas acabei me surpreendendo com a minha conclusão: o cara que mais me emociona – desculpem de novo a breguice – na música é um cantor e compositor americano que se matou com duas facadas no coração em 2003, o Elliott Smith. Fã do supracitado Beatles, ainda por cima, e cujas músicas se parecem com as do Fab Four de vez em quando. Mas, quando escuto o que ele compôs e gravou, “bate” quase sempre. Mas eu nem devia me surpreender tanto com minha conclusão: afinal, alguns anos atrás eu escrevi sobre Elliott Smith um dos piores textos que já fiz na vida, para o Mondo Bacana: desculpem, eu estava emocionado demais.
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Interesses estranhos
Ciência, História, Religião
Interesses estranhos
21 de dezembro de 2022 0
Tenho interesses que eu mesmo acho estranhos. Pesquisei muita coisa sobre o Império Wari, que veio antes dos incas no Peru. Li quase tudo na internet que consegui sobre São Luís de Tolosa, um santo medieval obscuro. Tenho também particular interesse na vida de outro santo esquecido, São Lourenço de Brindisi (1559-1619). Atualmente tenho pesquisado os poucos vídeos no YouTube que consegui sobre a fauna do Período Permiano, cujos animais dominantes – quase todos destruídos no evento cataclísmico hoje chamado de A Grande Morte – eram muito mais parecidos com os mamíferos de hoje do que os dinossauros, que surgiram milhões de anos depois. Foi tema de um texto no meu “Rua Paraíba” as micronações, “países” inventados por alguns sujeitos estranhos. Já pesquisei até sobre um obscuro e excêntrico candidato a presidente nas eleições presidenciais de 1989, Antônio Pedreira, do PPB (Partido do Povo Brasileiro). Claro, tenho interesses mais “normais”, como o Império Romano, música clássica, filmes noir e os horrores do período nazista, mas não é esse o assunto aqui. Meus novos interesses esquisitos – bem, não sei se tão esquisitos assim – são o Jesus Histórico e os etruscos. Vamos lá. Como já comentei aqui, sou fascinado pela seguinte questão: “o que será que os antigos romanos, com seus deuses imponentes e grandiosos, achavam de um pessoal – muitos compatriotas entre eles, inclusive – que achava que Deus era um pobre judeu que teve a morte mais humilhante possível, na cruz? Deviam achar estranho, no mínimo. Eu acho que também acharia.” Para dar uma ideia da coisa, a figura que acompanha este texto, obtida aqui, é um desenho esquemático do Grafite de Alexamenos (também conhecido como grafite blasfemo) que, segundo a Wikipédia, “é um grafite da Roma Antiga gravado em gesso sobre uma parede nas proximidades do Palatino, em Roma, hoje encontrado no Museu Antiquário do Palatino. É uma das primeiras representações gráficas da crucificação de Jesus, junto com algumas gemas encravadas. É difícil datar, mas estima-se que tenha sido feito por volta de 200. A imagem parece mostrar um jovem adorando uma figura crucificada e com cabeça de burro. A inscrição grega traduz-se aproximadamente como ‘Alexamenos adora [o seu] deus’, indicando que o grafite aparentemente foi feito para satirizar um cristão chamado Alexamenos.” As pesquisas sobre o chamado Jesus Histórico tentam desvendar essas e outras questões, utilizando métodos científicos para descobrir mais sobre o fundador do cristianismo (bem, até essa denominação é discutível, mas essa é outra questão). Existem dois canais no YouTube excelentes sobre esse assunto: o de Jonathan Matthies, mais voltado à divulgação científica, e a do professor da UFRJ Andre Leonardo Chevitarese, um pesquisador de mão cheia. O primeiro livro que li sobre Jesus Histórico é de um livro que eu tinha comprado, coincidentemente, antes de acompanhar o canal do pesquisador da UFRJ: “A descoberta do Jesus histórico”, coletânea organizada pelo próprio Chevitarese e por Gabriele Cornelli (Paulus, 167 páginas, lançado em 2009). São muitos artigos interessantíssimos, e os meus preferidos versam sobre assuntos que correlacionam cristianismo e judaísmo: “Parábolas de Jesus e parábolas talmúdicas”, de Edgard Leite Ferreira Neto, “O Cristianismo e os essênios. João Batista e Jesus conheceram os essênios?”, de Isidoro Mazzarolo, e “A oração de Nabônides (4Q242) e o Jesus histórico”, de André Leonardo Chevitarese. Numa live dia desses o professor da UFRJ comentou que logo lançará um livro sobre a visão de outros povos (como os romanos) sobre o cristianismo nos primeiros séculos da nossa era. Não vejo a hora de ler! Finalmente, meu último interesse estranho a ser comentado neste texto é o povo etrusco, que habitava o norte da Itália e que acabou sendo conquistado – e/ou absorvido – pelos romanos alguns poucos séculos antes de Cristo. Muito do que se sabe sobre a cultura e os costumes desse povo é de difícil comprovação, já que sua linguagem ainda não foi totalmente decifrada e que os romanos não fizeram muita questão de preservar os documentos etruscos. Já li o primeiro dos quatro livros sobre o assunto que comprei recentemente na Estante Virtual, “Os Etruscos – uma civilização reencontrada”, de Attilio Gaudio (Edições MM, tradução de Charles Marie Antoine Bouéry, 207 páginas, publicado originalmente em 1969), mas não vou comentar nada sobre ele ainda – pretendo escrever mais sobre esse povo fascinante no futuro.
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Livros lidos recentemente
Literatura
Livros lidos recentemente
20 de dezembro de 2022 0
“A viagem do elefante”, de José Saramago (Companhia das Letras, 264 páginas, publicado originalmente em 2008): a ida do elefante indiano Salomão de Belém (Lisboa) até à Áustria, mandado pelo Rei D. João III para ser o presente de casamento do arquiduque Maximiliano II, é o tema deste romance. Havia poucas informações reais sobre essa viagem, o que acabou ajudando o grande escritor português José Saramago (1922-2010), Nobel de Literatura de 1998, a fazer uma descrição fantasiosa, frequentemente engraçada, frequentemente lírica, desta estranha viagem ocorrida no século XV europeu. “O assassino cego”, Margaret Atwood (Rocco, 516 páginas, traduzido por Léa Viveiros de Castro, publicado originalmente em 2001): confesso que me confundi nas primeiras páginas deste romance que tem três narrativas paralelas: as recordações da octogenária Iris Chase Griffen, filha de um industrial falido; o romance fictício de grande sucesso “O assassino cego”, escrito por sua irmã Laura; e notícias de jornal do local e da época e em que grande parte dos acontecimentos descritos no livro ocorreu, a pequena cidade de Port Ticonderoga, no Canadá dos anos 30 do século XX. Bem, quando finalmente engrenei na leitura, descobri que “O assassino cego” é provavelmente o melhor romance de Margaret Atwood (1939- ) que já li. “Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá”, de Lima Barreto (publicado originalmente em 1919): respeito quem pensa diferente, mas Lima Barreto é o maior escritor brasileiro. Neste romance publicado originalmente em 1919, o narrador, Augusto Machado, recorda diálogos que tinha tido com seu amigo e colega mais velho, Gonzaga de Sá, falecido logo no início da história. Como sempre em Lima Barreto (1881-1922), a descrição de tipos e da realidade carioca do começo do século XX é inesquecível. “Sátiras e outras subversões”, de Lima Barreto (Companhia das Letras, 552 páginas, coletânea organizada por Fernando Botelho Corrêa, publicada originalmente em 2016): para complementar a renda que recebia como amanuense, o grande escritor carioca publicava crônicas em diversos veículos de imprensa, muitas vezes com pseudônimo – e são esses textos anônimos que compõe a totalidade desta coletânea. A introdução do livro é primorosa, descrevendo todo o processo de procura por textos esquecidos em arquivos e as técnicas para descobrir a identidade escondida do autor de Triste Fim de Policarpo Quaresma. Já as crônicas em si, frequentemente irônicas e debochadas, não sobreviveram ao teste do tempo: o leitor atual normalmente não sabe sobre quem Lima Barreto estava falando. (fonte da imagem: Revista Istoé)
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