Fabricio Muller

“Outono”, de Karl Ove Knausgård
Literatura
“Outono”, de Karl Ove Knausgård
23 de outubro de 2022 at 19:45 0
Para fãs da série “Minha Luta”, de Karl Ove Knausgård, como eu, o livro recém-lançado “Outono” (Companhia das Letras, tradução direta do norueguês de Guilherme da Silva Braga, publicado originalmente em 2015), o primeiro da Quadrilogia das Estações, causa ao mesmo tempo uma estranheza e uma sensação de conforto. Comecemos pelo último. O estilo autobiográfico, detalhista e ensaístico de Knausgård está lá, praticamente intacto, o que deixa os fãs se sentirem em terreno conhecido. Mas a diferença para a série “Minha Luta” (nada a ver com o livro de Hitler) é gigantesca.  A Quadrilogia das Estações apresenta um volume para cada uma das estações do ano: “Outono” é o primeiro deles, e o único lançado até agora no Brasil (eu tenho a versão em inglês de “Winter”, que já comecei a ler inclusive). Ao contrário da série “Minha Luta”, detalhista ao extremo - na qual um jantar, por exemplo, pode ser descrito em cerca de cem páginas -, os livros da Quadrilogia das Estações são compostos por pequenos textos de cerca de três páginas cada um, comentando sobre assuntos variados, como latas de conserva, ambulâncias, chaminés e águas vivas. A série é uma espécie de manual de instruções para uma filha que ainda não tinha nascido (e que agora tem oito anos). Knausgård comenta no primeiro texto do livro:
“Eu quero mostrar a você o mundo em que vivemos da maneira como é agora: a porta, o assoalho, a pia e o tanque, a cadeira de jardim, apoiada na parede sob a janela, o sol, a água, as árvores. Você há de vê-lo do seu próprio jeito, você há de criar as suas próprias experiências e viver a sua própria vida, então é acima de tudo para mim que eu faço isso: mostrar o mundo a você faz com que valha a pena viver minha vida.”
Finalmente, o que o fã aqui achou de “Outono”? Maravilhoso, claro.
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“São Luís de Tolosa”, de Léon Chancerel
Religião
“São Luís de Tolosa”, de Léon Chancerel
12 de outubro de 2022 at 18:27 0
Sou fascinado por São Luís de Tolosa, ou São Luís d’Anjou, sobre o qual já escrevi aqui. Numa das minhas muitas procuras na internet sobre o santo, acabei achando na Estante Virtual um livrinho de 109 páginas, publicado pela Editora Vozes em 1958, que prontamente comprei. No livro não há nenhuma indicação de tradutor mas, conforme a Wikipédia francesa, o autor do livro, Léon Chancerel (1886-1965), era um escritor, diretor de teatro e dramaturgo. Uma de suas distinções foi ter recebido a “Ordre de la Francisque”, do regime de Vichy, e seu livro sobre o santo tinha sido publicado originalmente em 1943.  Nobre que queria ser franciscano, São Luís d’Anjou (1274-1297) teve uma vida curta e espantosa: era herdeiro ao trono da Sicília e foi sequestrado durante sete anos na infância e adolescência junto com dois irmãos no lugar de Carlos II, seu pai, que tinha perdido uma batalha naval para os aragoneses. Segundo Léon Chancerel,
“muito intensa até o século XVI, sobretudo em Valença, Nápoles, Marselha, Brignoles e Toulouse e incentivada e mantida, por motivos familiares e políticos, pelos soberanos da França e da Espanha, a devoção a São Luís aos poucos foi abandonada, para quase não mais subsistir hoje, viva, senão entre os Frades Menores.   Na devoção popular há santos privilegiados. São Luís d'Anjou não é destes. Não se lhe atribui nenhuma "especialidade", seja para curar dores de dentes, seja para fazer ganhar causas desesperadas ou reencontrar os objetos perdidos. Nenhuma anedota romanesca, nenhum elemento pinturesco na sua vida, para reter a atenção das multidões. Deste ponto de vista, S. Luis d'Anjou pode ser considerado um santo que "não foi bem sucedido”. Entremeado a um período particularmente complexo da história europeia, são quase inexistentes os documentos de arquivo concernentes à sua ação política. Não temos dele nenhuma carta. Quanto ao orador sacro, nenhum texto escrito nos informa sobre o valor teológico, filosófico e literário dos seus sermões. Nenhuma carta, nenhumas memórias, emanadas da sua mão, chegaram até hoje a nós.”
Não importa. O livro de Léon Chancerel é delicioso, foi uma sorte tê-lo encontrado na Estante Virtual.
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“Comment débuta Marcel Proust”, de Louis de Robert
Literatura
“Comment débuta Marcel Proust”, de Louis de Robert
7 de agosto de 2022 at 18:31 0
Escritor francês, Louis de Robert (1871-1937) foi a primeira pessoa a ler os originais de “Em busca do tempo perdido” e quem convenceu Marcel Proust (1871-1922) a não encurtar sua obra-prima. Boa parte da história da relação dos dois é apresentada em “Comment débuta Marcel Proust” (Como começou Marcel Proust, em português - L’Éveilleur, 130 páginas, edição prefaciada e anotada por Jérôme Bastianelli), que apresenta a correspondência entre os dois escritores. Grande parte das cartas apresentadas no livro mostram as angústias de Marcel Proust tentando publicar sua obra - como a discussão entre as editoras para quem ele a mandaria e, depois que ela foi aceita, sobre as sugestões recebidas, como diminuir o tamanho de cada edição (“Em busca do tempo perdido” tem sete livros, e as primeiras edições dividem cada um deles em mais de um volume).  O que é mais bonito em “Comment débuta Marcel Proust” é amizade entre os dois escritores (um fundamental, outro um tanto esquecido). Louis de Robert se oferece e entra em contato com várias pessoas para ajudar na publicação de “Em busca do tempo perdido”, enquanto Marcel Proust elogia o recém-lançado “Le roman du malade” de seu amigo, e lhe oferece dinheiro em caso de necessidade (Proust era riquíssimo).  E, como uma boa amizade que se preze, há umas rusguinhas aqui e ali: o capítulo final de “Comment débuta Marcel Proust” mostra uns textos com críticas relativamente severas de Louis de Robert sobre “Em busca do tempo perdido” - num tom que proustianos como eu não estamos acostumados!
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Músicas preferidas por artista ou banda
Música
Músicas preferidas por artista ou banda
3 de julho de 2022 at 18:28 0
Além de gostar de fazer listas, acho bacana saber qual a minha música preferida de determinado artista (seja cantor e/ou compositor) ou banda. Comecei a pensar no assunto e logo percebi que a lista de preferidas por artista seria grande, e resolvi escrevê-la. Quando o assunto é música clássica, não achei que faria sentido colocar uma peça inteira, como uma cantata ou sonata, mas sim um movimento dela, como um movimento ou um lied: achei que assim o conceito de uma “música preferida” seria mais coerente. Tem uma exceção, o Concerto para Violão de Heitor Villa-Lobos, que sempre ouvi inteiro. Também apareceriam artistas que quase não ouço, além de preferidos da casa. Não importaria, eu iria curtir todas as músicas da lista. Enquanto pensava no assunto, percebi, com alguma estranheza, que em poucos casos fiquei com dúvidas – lembro, por exemplo, de não saber qual de duas eu preferia de artistas ou bandas como The Smiths, Arctic Monkeys, Massive Attack ou Bhad Bhabie. Mas, em geral, foram casos isolados - e não colocarei a música alternativa aqui, porque a lista já está grande demais. Dei uma reconferida naquelas que eu não ouvia há muitos anos, para saber se elas ainda “batiam”, e só estão aqui as que “bateram” mesmo – quase todas. Em alguns casos um artista aparece mais de uma vez, mas a segunda aparição é sempre em participação (ver Ariana Grande e Cashmere Cat, por exemplo). Outras vezes (posso citar Bryan Ferry e Roxy Music), um mesmo artista aparece na sua banda e na sua carreira solo. Alguns dos músicos listados eu não gosto, mas aparecem aqui quando algum raro som me agrada: caso de  Queen e Red Hot Chilli Peppers, por exemplo. Segue, finalmente, a relação das minhas músicas preferidas de artistas ou bandas, sem nenhuma ordem de gênero ou preferência: a única ordem que respeitei é a da memória, ou seja, o que apareceu antes na minha cabeça apareceu antes na lista.
  • Massive Attack: Small Time Shot Away
  • João Gilberto: Manhã de Carnaval
  • The Beatles: Blackbird
  • Rolling Stones: Paint It Black
  • Johann Sebastian Bach: ária “Ach, mein Sinn”, da Paixão Segundo João, BWV 245
  • Bhad Bhabie: Gucci Flip Flops (feat Lil Yachty)
  • Lil Xan: Betrayed
  • João Gilberto: Manhã de Carnaval
  • Jorge Ben: Menina mulher da pele preta
  • Tom Jobim: Chansong
  • Marisa Monte: Balança Pema
  • Morrissey: Boxers
  • Arctic Monkeys: Tranquility Base Hotel & Casino
  • Selena Gomez: Back to You
  • Ariana Grande: 7 rings
  • Dua Lipa: Levitating
  • Prince: Darling Nikki
  • The Weeknd: Reminder
  • Justin Bieber: Company
  • Elvis Presley: Little Sister
  • Sam Cooke: Bring It on Home to Me
  • Mahalia Jackson: How I got over
  • Frank Sinatra: I've Got the World on a String
  • Billie Holiday: Strange Fruit
  • John Coltrane: Moment's Notice
  • Robert Schumann: I. Nicht schnell, de Three Romances for Oboe and Piano, Op. 94
  • Johannes Brahms: V. Mädchenlied "Auf die Nacht in der Spinnstub'n", de Fünf Lieder, Op. 107
  • João Mineiro e Marciano: Seu Amor Ainda É Tudo
  • The Doors: Riders on The Storm
  • Jimi Hendrix: All Along the Watchtower
  • Pink Floyd: Echoes
  • Led Zeppelin: In the Light
  • Black Sabbath: Behind the Wall of Sleep
  • Electric Wizard: Funeralopolis
  • François Couperin: II.Soeur Monique / Tendrement Sans lenteur - 18e ordre, 3e livre
  • Henry Purcell: Suite No.2 in G minor Z661
  • Ashley All Day: Hiyah
  • Giuseppe Tartini: terceiro movimento (grave), do Cello Concerto in D major GT 1.D34
  • Domenico Scarlatti: sonata K.20 in E major
  • Beastie Boys: Sure Shot
  • Velvet Underground: Venus in Furs
  • Roberto Carlos: O Divã
  • Lou Reed: Sword of Damocles
  • Bones: CtrlAltDelete
  • ZillaKami x SosMula: 33rd Blakk Glass
  • Demi Lovato: Stone Cold
  • $uicideboy$: Magazine
  • 6ix9ine: GUMMO
  • Neurosis: No River to Take Me Home
  • Amenra: A Solitary Reign
  • Velvet Cacoon: Genevieve
  • Burzum: Dunkelheit
  • Drudkh: Самітність (Solitude)
  • Charles Aznavour: Comme Ils Disent
  • Xasthur: Telepathic with the Deceased
  • Deathspell Omega: Second Prayer
  • GZA: 4th Chamber Feat. Ghostface Killah, Killah Priest & Rza
  • Wu-Tang Clan: Cash Still Rules / Scary Hours (Still Don't Nothing Move but The Money)
  • Cardi B: Bodak Yellow
  • DJ Khaled: Popstar ft. Drake
  • Drake: Nonstop
  • 21 Savage & Metro Boomin: X ft Future
  • Franz Schubert: Am Flusse I, D. 160: Verfließet, vielgeliebte Lieder
  • Skip James: Washington D.C. Hospital Center Blues
  • Lightnin Hopkins: Trouble in Mind
  • Sonny Boy Williamson II: Keep It to Your Self
  • Stevie Ray Vaughan & Double Trouble: Pride and Joy
  • B. B. King: The Thrill Is Gone
  • John Lee Hooker Official: Hard Times Blues
  • Mississippi Fred McDowell: Goin Down to the River
  • Muddy Waters: Got My Mojo Workin'
  • Sonic Youth: Kool Thing
  • Nirvana: Negative Creep
  • Radiohead: Fake Plastic Trees
  • Stone Roses: I Wanna Be Adored
  • The Cure: Killing an Arab
  • New Order: Paradise
  • Echo & The Bunnymen: Turquoise Days
  • The Smiths: Please, Please, Please, Let Me Get What I Want
  • The Jesus and Mary Chain: Never Understand
  • Ike & Tina Turner: Nutbush City Limits
  • The Shangri-Las: Past, Present and Future
  • Ramones: Blitzkrieg Bop
  • NOFX: Stickin' in My Eye
  • Husker Du: Could You Be the One
  • Sublime: Santeria
  • Korn: Falling Away from Me
  • Slipknot: Duality
  • System Of A Down: Chop Suey!
  • blink-182: All the Small Things
  • nothing,nowhere. : bedhead
  • Limp Bizkit: Nookie
  • Nick Drake: Day is Done
  • Elliott Smith: Between the Bars
  • Frédéric Chopin: Ballade No. 4 in F minor, Op. 52
  • Éric Satie: 3 Gymnopédies No. 1: Lent et douloureux
  • Egberto Gismonti: Dança das Cabeças, lado A
  • Villa-Lobos: Concerto para Violão
  • Chet Baker: Time After Time
  • David Bowie: Life on Mars?
  • Roxy Music: Oh Yeah
  • T. Rex: Mystic Lady
  • Bryan Ferry: The Right Stuff
  • Selena Gomez, Marshmello: Wolves
  • DJ Snake: Let Me Love You ft. Justin Bieber
  • Major Lazer & DJ Snake: Lean On (feat. MØ)
  • Dave Brubeck: Take Five
  • Cashmere Cat: Quit ft. Ariana Grande
  • Clean Bandit: Rockabye (feat. Sean Paul & Anne-Marie)
  • Anne-Marie: Alarm
  • Ellie Goulding: Love Me Like You Do
  • Diplo: Color Blind (feat. Lil Xan)
  • Miles Davis: 'Round Midnight
  • Louis Armstrong & Jack Teagarden: Rockin Chair
  • Thelonious Monk: Little Rootie Tootie
  • Charlie Parker: Hot house
  • Dre: Still D.R.E. ft. Snoop Dogg
  • Snoop Doggy Dogg: Tha Shiznit
  • Fetty Wap: 679 feat. Remy Boyz
  • Eminem: Without Me
  • Kreayshawn: Go Hard (La.La.La)
  • Rick Ross: Hustlin'
  • Chico Buarque: Samba de Orly
  • Milton Nascimento: Ponta de Areia
  • Rita Lee: Ovelha Negra
  • Caetano Veloso: Terra
  • Gal Costa: Coração Vagabundo
  • Maria Bethânia: Três Apitos
  • Evaldo Braga: Tudo Fizeram Pra Me Derrotar
  • Agnaldo Timóteo: A Casa do Sol Nascente (The House of the Rising Sun)
  • Robert Johnson: Me and the Devil Blues
  • Luiz Gonzaga: Respeita Januário
  • Tim Maia: Azul da Cor do Mar
  • Gilberto Gil: Pai e Mãe
  • The Sex Pistols: Anarchy In The U.K
  • The Stooges: I Wanna Be Your Dog
  • Lil Darkie: Methhead Freestyle (Ft. Spider Gang & Friends)
  • Olivier Messiaen: VI. Jardin du Sommeil d’amour, Très modéré, très tendre, da Sinfonia Turangalila
  • Gustav Mahler: Das Lied von der Erde (Der Abschied)
  • Ludwig van Beethoven: II. Adagio un poco mosso, do Concerto n.5 para Piano e Orquestra, op. 73
  • Mozart: Piano Sonata No. 5 in G, K.283 - 1. Allegro
  • Georg Friedrich Händel: Suite in D Minor, HWV 428: IV. Air & 5 variations
  • Queen: Another One Bites the Dust
  • Kyuss: Supa Scoopa And Mighty Scoop
  • Queens Of The Stone Age: Go With The Flow
  • Girolamo Frescobaldi: Toccata Settima
  • Red Hot Chili Peppers: Californication
  • Ministry: Jesus Built My Hotrod
  • Behemoth: Christians to The Lions
  • Wiegedood: Ontzieling
  • Darkthrone: Transilvanian Hunger
  • Immortal: Sons of Northern Darkness
  • Oasis: Champagne Supernova
  • Blur: Song 2
(foto que acompanha o texto: Bones com camiseta do Darkthrone, obtida na página oficial do Bones no Facebook)
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“Correntes”, de Olga Tokarczuk
Literatura
“Correntes”, de Olga Tokarczuk
12 de junho de 2022 at 19:20 0
É estranha a minha relação com a escritora polonesa Olga Tokarczuk, vencedora do Prêmio Nobel de 2018. O primeiro livro dela que li, “Sobre os ossos dos mortos”, sobre o qual escrevi aqui, foi crescendo em qualidade na memória: enquanto estava lendo-o ele me cansou diversas vezes, mas quando fui escrever sobre o romance não consegui encontrar nenhum defeito nele. Hoje posso dizer que foi um dos livros mais marcantes da minha vida, tão vívidas e fortes suas descrições. Já com este excelente “Correntes” (Todavia, 400 páginas, tradução de Olga Bagińska-Shinzato, publicado originalmente em 2007) a estranheza vem de outro lugar. A obra é dividida em 116 capítulos, a maior parte deles muito curtos e aparentemente autobiográficos, e sem relação com os demais. Alguns trechos me lembraram meu próprio “Memórias”, segundo livro de “Rua Paraíba”, obra mais recente que publiquei. Para dar uma ideia da coisa, vou transcrever um capítulo completo de “Correntes” aqui:
“Um sujeito na lanchonete de um certo museu me disse que nada lhe dava mais satisfação do que conviver com um original. Também insistiu que quanto mais cópias houver no mundo, maior será o poder do original — que às vezes se aproxima do poder de uma relíquia sagrada. Pois o que é singular é significativo, com a ameaça de destruição que paira sobre ele. A confirmação dessas palavras veio na forma de um grupo de turistas que celebrava com concentração devotada uma pintura de Leonardo da Vinci. Apenas ocasionalmente, quando algum deles já não aguentava mais, ouvia-se o clique de uma máquina fotográfica, que soava como um amém falado numa nova língua digital.”
Já no meu “Memórias” eu tenho um capítulo assim:
“Escrevi um conto batido a máquina. Cabia numa folha A4, no modo paisagem. Era escrito em três colunas: lendo a primeira coluna, o conto tinha um sentido. Se se juntassem as linhas da primeira e da segunda colunas, o sentido se modificava. Juntando a primeira, a segunda e a terceira colunas, outro sentido ainda aparecia. Eu não devia ter mais que onze anos, e mostrei o conto para um colega do curso de francês. Ele, então, mostrou para o pai dele, que veio com a sentença: ‘esse menino vai ser um grande escritor’. Eu ri e ele respondeu, sério: ‘meu pai nunca se engana.’”
Duas lembranças de episódios longínquos no tempo, duas opiniões originais (esquisitas?) de desconhecidos: um gosta de pessoas originais, outro achava que eu iria ser um grande escritor. Mas “Correntes” tem muito mais do que pequenas lembranças: o livro fala sobre suas obsessões por viagens e por “gabinetes de curiosidades onde se coleciona e expõe objetos raros, únicos, bizarros e disformes”, como órgãos disformes de seres humanos conservados em formol (duas obsessões que, é interessante comentar, eu não tenho). Além disso, algumas histórias – não sei se ficcionais ou não – são contadas de maneira completa, como a de uma mãe e um filho que aparentemente desaparecem numa ilha turística, e a de uma nobre no século XVIII que pede desesperadamente, por cartas, para que Francisco, o Imperador da Áustria, dê um enterro digno para o seu pai. “Correntes” é um livro fascinante, aliás muito melhor que o meu “Memórias”. (foto que acompanha o texto obtido no site da Revista Veja)
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Nos tempos do Imperador
Televisão
Nos tempos do Imperador
5 de junho de 2022 at 16:54 0
Sou fascinado por algumas épocas da História: o Império Romano e o cristianismo primitivo; o império Wari, no Peru; o Holocausto e tudo o que aconteceu para que este crime horrendo tenha sido possível; o Brasil Colônia e o Brasil Imperial Foi portanto com muita curiosidade que comecei a assistir ‘Nos Tempos do Imperador”, novela das seis da Globo que foi exibida de 9 de agosto de 2021 a 4 de fevereiro de 2022, em 154 capítulos, com direção de João Paulo Jabur e Vinícius Coimbra e com Thereza Falcão e Alessandro Marson como autores principais. A novela pode ser assistida pela Globoplay.  “Nos tempos do Imperador” teve uma audiência muito baixa, e boa parte dos espectadores reclamou do seu andamento lento - característica que, para mim, foi uma qualidade da novela.  Além do ritmo tranquilo, gostei muito dos cenários e da reconstituição da época, muito bem feitos e aparentemente bastante fiéis ao período retratado, e da iluminação - eu mesmo tirei a foto que acompanha este texto, porque na hora da transmissão achei belíssimo o tratamento de luz na cena. Outro destaque (não vou falar dos defeitos da novela, já que a crítica bateu bastante nessa tecla e acho que não preciso retomar o assunto) foram as atuações. Posso citar aqui Maicon Rodrigues, grande ator que infelizmente pegou o pequeno papel do revoltado Guebo, Selton Mello, excelente como o Imperador Pedro II, e Augusto Madeira e Dani Barros, vivendo o casal atrapalhado Quinzinho e Clemência, mostrados na foto supracitada. Por coincidência, as duas grandes atuações da novela são de atores que viveram muitos anos em Curitiba: o curitibano Alexandre Nero, inesquecível como o vilão Tonico Rocha, e a belorizontina Letícia Sabatella, que fez uma sofrida Imperatriz Teresa Cristina, traída às clara por Pedro II (que, aliás, aparece em “Nos tempos do Imperador” como apaixonado pela amante), ao mesmo tempo intensa e contida - coisa de gênio.
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Gertrud, de Carl T. Dreyer
Cinema
Gertrud, de Carl T. Dreyer
29 de maio de 2022 at 19:13 0
Quando se fala no grande diretor dinamarquês Carl T. Dreyer (1889-1968), os dois primeiros filmes que vêm à cabeça são “Ordet” (A palavra) - uma história profunda e perturbadoramente religiosa - de 1955, e “A paixão de Joana D’Arc”, filme mudo que conta o martírio da santa com closes espetaculares e exasperantes. Os dois filmes foram escolhidos pelo Vaticano em 1995 como estando entre os cinco melhores de todos os tempos no quesito “religião”. Último filme lançado por Dreyer, “Gertrud” conta a história de uma mulher - a própria Gertrud - que deixa do amante, Gabriel Lidman, poeta célebre, para se casar com um político e advogado eminente, Gustav. Quando o filme começa ela já está casada com este último e se apaixona por um pianista e compositor talentoso e novato, Erland Jansson. Gertrud leva a paixão pelo amor verdadeiro às suas últimas consequências, e o filme, lançado em 1964, pode ser considerado, com alguma boa vontade, um libelo feminista. Quando lançado no festival de Cannes ele chegou a ser vaiado, e a crítica da época ficou dividida em relação ao filme - hoje considerado uma obra-prima por grande parte dos especialistas. “Gertrud” tem o mesmo estilo de filmagem de “Ordet”: cenas longuíssimas com a câmera parada, com os atores olhando a maior parte do tempo para a frente, conversando sem olhar uns para os outros. A sensação é estranhíssima - e, mais estranho ainda, revi dia desses “Gertrud” e fiquei fascinado: não sei o segredo de Dreyer para fazer filmes tão esquisitos e tão espetaculares ao mesmo tempo.
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The highlights, The Weeknd
Música
The highlights, The Weeknd
22 de maio de 2022 at 16:44 0
Eu gosto de comprar CDs. Acho bacana como uma lembrança, ou coisa assim, dos artistas que admiro.  Para mim, que tenho seis gatos em casa, os CDs têm uma vantagem sobre os LPs: não são uma tentação para os felinos brincarem com um prato girando com uma agulha em cima. Além disso, os antigos discos de vinil também ocupam muito espaço: me desfiz de todos os que eu tinha há mais de quinze anos e nunca me arrependi. E ainda há mais uma vantagem dos CDs sobre os LPs, sob meu ponto de vista: é possível conseguir lançamentos de disquinhos prateados por um preço razoável, ao contrário do que acontece com os vinis. Sim, gosto de CDs mas não de gastar muito dinheiro com isso: como não costumo comprar discos usados, acabo conseguindo por preços módicos lançamentos nacionais de artistas populares como Elvis Presley, The Weeknd, Ariana Grande e Selena Gomez, mas não de outros artistas que também gosto, como Amenra, Wiegedood, Radiohead ou Massive Attack. Isso sem contar Bones e $uicideboy$, né, que não lançam CDs. Morrissey é um caso especial: comprei “Low in high school”, o penúltimo que ele lançou, mas não o mais recente “Dog in a chain”, que não teve versão nacional. E foi numa dessas que acabei comprando “The highlights”, do Weeknd. Coisa de maníaco mesmo: as melhores músicas de um artista que não só eu conheço bem, como tenho em CDs toda a sua obra recente. Mas ficou legal no Instagram, e é a foto que acompanha este texto. Até que comecei a ouvir, e acabei ficando mais e mais surpreso: todos os clássicos dele juntos me deram a impressão de estar ouvindo algo raro, um verdadeiro álbum atemporal. A voz, as melodias, os arranjos… é um equivalente musical de um volume de obras essenciais de algum grande escritor na coleção Penguin-Companhia. E olha que o CD nem tem minha música preferida do Weeknd, “Reminder”, sobre a qual já falei aqui.
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