Fabricio Muller

Cantatas 39, 73, 93, 105, 107 & 131 de bach
Música
Cantatas 39, 73, 93, 105, 107 & 131 de bach
20 de agosto de 2023 at 18:01 0
Você lembra das comunidades do Orkut? Eu acho que só criei uma, sobre Cantatas de Bach. A frase de apresentação era meio pomposa, no esquema de “o melhor acervo da história da música universal”, ou coisa que o valha. A comunidade nunca fez muito sucesso, mas quando do fim daquela rede social ela já tinha de uns trinta a quarenta membros. Muito antes da internet foi que comprei o primeiro LP com cantatas de Johann Sebastian Bach (1685-1750), ainda no início da adolescência. Ele era um assombro, com “Meine Seufzer, meine Tränen” (BWV 13) de um lado e “Wo gehest du hin?” (BWV 166) (muitos anos depois, já casado, comprei uma caixa com cinco CDs com “as melhores cantatas de Bach” e dentro dela estas duas cantatas estavam num disco chamado “cantatas para tenor”). Aquele LP não me parecia deste planeta, e as árias principais das duas cantatas eram provavelmente as coisas mais bonitas que eu já tinha ouvido até então. Depois disso, durante muitos anos basicamente comprei todos os LPs com cantatas de Bach que passaram na minha frente; mas quem viveu os anos 80 sabe como era difícil conseguir “certos” discos - e os de cantatas eram bem difíceis de achar, de modo que nem eram tantos discos assim. E Bach compôs mais de 200 cantatas, o que me dava, o que é compreensível, a frustração de saber que tinha tanta música maravilhosa por aí que eu não tinha acesso. Bach foi, durante grande parte da minha vida, meu compositor preferido (hoje eu não sei quem é... Brahms, quem sabe?), e eu amava tudo o que eu ouvia dele, mas as cantatas conseguiam ser algo melhor ainda. Anos mais tarde li um livro de Franz Rueb chamado “48 variações sobre Bach” (Companhia das Letras, traduzido por João Azenha Jr., 376 páginas) que, entre muitas outras informações, também defende a ideia de que a grande arte composta por Bach estava mesmo era nas cantatas. Aí é que a porca torce o rabo. Se o melhor de Bach está nas cantatas, o pior também. Certos corais e árias são muito alegres, até com uns tambores de fundo. Chato demais. Mozart era brilhante em músicas alegres, Bach bem menos. Outro problema das cantatas é que as partes lindas são intensas demais, e nem sempre estou com espírito de me aprofundar tanto em termos musicais. E assim fui ouvindo muito menos cantatas do que gostaria: e se uma, encontrada por acaso no Spotify, tivesse mais partes chatas do que lindas? Valeria a pena a procura? Boa parte do tempo, minha preguiça de procurar alguma ária maravilhosa ganhava esta “luta” interna, e eu deixava tudo como estava. Enfim, uns meses atrás achei um lançamento no Spotify com as cantatas 39, 73, 93, 105, 107 & 131 (link) – originalmente é um CD duplo da Virgin Veritas – com o Collegium Vocale, Ghent regido por Philippe Herreweghe, e neste não tem uma só faixa que não seja espetacular. Quando o escuto, parece que estou novamente ouvindo o primeiro disco com cantatas de Bach que ouvi na vida.
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Duetos com cantores e cantoras
Música
Duetos com cantores e cantoras
13 de agosto de 2023 at 20:01 0
Às vezes existe um charme especial num dueto entre uma cantora e um cantor. Estava pensando em alguns casos aqui, e cito os cinco que eu mais gostei até hoje – e o bom é que todos têm videoclipe, cujos links para o YouTube são apresentados no texto abaixo. Na verdade, só pensei neste texto por causa de dois vídeos maravilhosos do cantor australiano Nick Cave: “Henry Lee”, com a britânica P.J Harvey, e “Where The Wild Roses Grow”, com a também australiana Kylie Minogue. A primeira é famosa no meio da música alternativa (ou indie), e a segunda faz um grande sucesso no meio pop (é a maior vendedora de discos na história da Austrália) – a ponto de terem estranhado como o também alternativo Nick Cave a tenha escolhido para um dueto. Nos clipes, enquanto PJ Harvey troca carinhos com o cantor – os dois vestidos com roupas masculinas a rigor -, Kylie Minogue faz o papel, em boa parte do tempo, de um cadáver na beira do rio. De todo modo, as duas canções são baladas lentas e meio parecidas, com lindas melodias. Quase não consigo assistir a um destes dois vídeos sem assistir ao outro em seguida. Neste Dia dos Pais, cito um dueto que me foi apresentado por minha filha Teresa: “The Water”, com os britânicos Johnny Flynn e Laura Marling. Nenhum dos dois cantores faz grande sucesso por aqui, e Johnny atualmente se concentra mais na carreira de ator. É engraçado que esta linda balada, como “Where The Wild Roses Grow”, citada acima, também fala de um rio. No clipe os dois cantores fazem um duo acústico, acompanhado apenas pelo violão do cantor, num belo e arborizado jardim. Existe uma versão desta música no Spotify com mais instrumentos no arranjo, mas, vai por mim, neste caso a perfeição está na simplicidade. Comentei aqui no site que minha mãe era alma gêmea da Rita Lee, uma cantora que nunca me agradou muito, mas que, para mim, fez o melhor dueto da música brasileira: “Jou Jou Balangandans”, com o meu cantor brasileiro preferido, João Gilberto. O clipe, gravado num teatro num especial da Globo de 1980, é lindo não só pela delicadeza da interpretação dos dois, mas também pelo contraste entre uma Rita Lee feliz e comportada e um João Gilberto que está com a sua expressão de louquinho de sempre. Finalmente, “999”, cantada em espanhol por Selena Gomez e o colombiano Camilo tem um refrão grudento, um ritmo latino levemente dançante, uma letra delicada e um clipe com cores exageradas e artificiais. Eu não podia falar em duetos com cantores e cantoras juntos sem citar Selena Gomez, né? (imagem que acompanha o texto: Nick Cave e PJ Harvey no clipe de “Henry Lee”)
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Livros lidos recentemente – julho de 2023
História, Literatura, Religião
Livros lidos recentemente – julho de 2023
30 de julho de 2023 at 18:45 0
“Viver é prejudicial à saúde”, de Jamil Snege (Arte e Letra, 78 páginas, publicado originalmente em 1998): meu grande amigo Renê Bettega me recomendou este livro porque, segundo ele, o estilo é parecido com o meu. Não poderia haver um motivo maior para despertar minha curiosidade! Não sei se escrevo tão bem, mas, de fato, “Viver é prejudicial à saúde”, que conta a história em primeira pessoa de um arquiteto decadente, é delicioso e divertido! Quero ler agora outro livro do autor, “Como eu se fiz por mim mesmo” (um título que eu usaria para uma obra se eu tivesse tido a ideia, com certeza). “O território do vazio – a praia e o imaginário ocidental” de Alain Corbin (Companhia das Letras, 385 páginas, tradução de Paulo Neves, publicado originalmente em 1988): este foi o primeiro livro não profissional que comprei depois de casado, e tenho carregado a obra comigo desde então, em todas as mudanças que fiz - mas não a tinha lido até agora. O tema, a história da concepção ocidental sobre a praia desde a Antiguidade até o século XIX, é fascinante - mas “O território do vazio” é tão detalhista que acaba por ser chato. É um livro raro, vale de uns cem a trezentos reais na Estante Virtual, mas não vou me desfazer dele por motivos de: lembranças afetivas. “Tudo é rio”, de Carla Madeira (Record, 209 páginas, publicado originalmente em 2014): Lucy é uma prostituta que gosta muito da profissão, e Venâncio é o marido de Dalva, uma mulher com um comportamento mais convencional. Ele comete um crime inominável e toda a história se desenrola a partir deste fato. Erótico, forte, muito bem escrito, “Tudo é rio” merece o sucesso que faz. “O Alcorão – Livro Sagrado do Islã (Edições BestBolso, 489 páginas, tradução de Mansour Challita): como literatura, é uma perfeição. “O Hiduísmo”, de Louis Renou (Publicações Europa-América, 130 páginas, tradução de Eduardo Saló, publicado originalmente em 1951): apesar de ser de família católica, a primeira religião pela qual me interessei de verdade foi o Hinduísmo, ainda no final da infância, mas depois me afastei dele. Este “O Hinduísmo” serviu para mostrar que tenho muito o que aprender sobre o assunto ainda. “O que é fascismo? E outros ensaios”, de George Orwell (Companhia das Letras, 160 páginas, tradução de Paulo Geiger, organização e prefácio de Sérgio Augusto): autor dos clássicos “A revolução dos bichos” e “1984”, George Orwell era também um ensaísta de mão cheia – eu gostei mais do prefácio dele no livro “Viagens de Gulliver” de Jonathan Swift, do que do próprio romance. Este “O que é fascismo? E outros ensaios” se concentra mais em ensaios literários (ele comenta livros de gente como T.S. Eliot, Joseph Conrad e Oscar Wilde) e é sensacional.
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Freud
Filosofia
Freud
2 de julho de 2023 at 15:16 0
Um dos melhores livros que já li é “A interpretação dos sonhos”, de Sigmund Freud, o criador da psicanálise, publicado orginalmente em 1900. Gostei tanto da obra que uma vez minha filha psicóloga comentou comigo que, quando falava em psicologia, eu praticamente só citava este livro. O perigo de ser o leitor de um livro só. Para tentar me aprofundar um pouco mais sobre o assunto li recentemente três livros sobre Freud e seu método. Na adolescência eu gostava muito das coleções “Primeiros passos” (sobre temas gerais) e “Encanto radical” (de biografias), da Editora Brasiliense. Eram livros de bolso com pouco mais de cem páginas cada um, e alguns dos meus preferidos foram aqueles sobre Anarquismo, Punk, James Dean e Marcel Proust. Da coleção "Primeiros Passos" e lançado originalmente em 1984, “O que é psicanálise” está longe de ser um livro voltado para um desconhecedor do assunto. Com linguagem empolada, o livro, escrito por Fábio Herrmann, parece feito sob medida para especialistas em psicanálise. Um trecho pego meio aleatoriamente dá uma ideia da coisa:
“A sexualidade, então, há de ser entendida pelas qualidades do apelo que seu objeto exerce. Trata-se, em primeiríssimo lugar, de um recorte apropriado do real, duma área bem delimitada e especial, comparável ao quadrado da janela alheia, no caso do exibicionismo-voyeurismo. Em segundo lugar, para que o apelo ganhe máxima eficiência, para que alcance o fascínio, será requerido um equilíbrio adequado dos componentes do atrativo.”
Muito melhor é “Freud básico – pensamentos psicanalíticos para o século XXI”, de Michael Kahn (BestBolso, 238 páginas, tradução de Luiz Paulo Guanabara, publicado originalmente em 2002). Neste caso o autor descreve de maneira bastante acessível os principais aspectos da obra de Freud e comenta o estado atual da psicanálise. Minha ideia, quando resolvi escrever este texto, era comentar apenas sobre os dois exemplares citados acima. Mexendo na minha prateleira acabei vendo outro livro que li recentemente e que tinha comprado nos anos 1980: “Conheça Freud”, livro em quadrinhos com roteiro de Richard Appignanesi e ilustrações de Oscar Zarate (Proposta Editorial, 175 páginas, sem indicação de tradução). De fato, este livro é uma boa introdução para quem não sabe nada sobre Freud!
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O Rei do Rock
Música
O Rei do Rock
28 de junho de 2023 at 19:26 0
Lembro como se fosse hoje. Meados dos anos 1990, e o David Bowie iria fazer um show em Curitiba em sua fase eletrônica – eu acabei não indo, não lembro bem por quê. No dia do show, depois do almoço, no escritório da empresa em que eu trabalhava, um amigo me contou que viu a entrevista do Bowie num canal local de televisão. Segundo ele, quando perguntado qual seria o repertório do show, o grande cantor inglês respondeu: “só Elvis”. Lembro da expressão divertida do meu amigo, e acho engraçada esta história até hoje – eu nunca soube da resposta do Bowie por outra fonte, mas não tenho nenhum motivo para duvidar da informação que me foi passada na época. Naquele tempo eu era casado com a Valéria desde poucos anos antes, e foi ela que começou a me dizer que Elvis era bom. Ela me dizia, inclusive, que tinha visto em algum lugar que o Morrissey passava os dias, naqueles tempos longínquos, a ouvir “só Elvis”. Também não soube dessa história por outra fonte, mas, do mesmo modo que no caso do meu amigo supracitado, não tenho nenhum motivo para duvidar da informação passada pela Valéria. Enfim, na época acabei comprando alguns CDs para dar uma satisfação à minha esposa, e acabei gostando mais de Elvis do que tinha imaginado: ele, que tinha uma voz grave demais para o meu gosto, e que eu sempre tinha achado meio brega, foi conquistando meus ouvidos aos poucos. Mas acabei me cansando do cantor em poucos meses. Muitos anos depois, já com a internet, comecei a ouvir de novo Elvis, e acabei até mesmo colocando uma foto dele no meu álbum “músicas” do Facebook.  Mas logo desisti de novo do cantor. Enfim, uns meses atrás recomecei com ele, e dessa vez de maneira avassaladora - a ponto de Teresa, André e Valéria me pedirem para parar de ouvir Elvis no carro. Não importa: quando eles saem, lá vou eu de novo com a minha playlist “This is Elvis” do Spotify. Assim como o jornalista Mauro Cezar Pereira falou sobre o Pelé quando da morte do jogador, que o ex-camisa dez da seleção podia não ser o melhor em cada fundamento do futebol – cabeceio, batidas de falta, drible, etc –, mas certamente era um dos três melhores em cada um deles, Elvis Presley é bom em tudo o que faz: não gosto muito, em geral, do rock and roll dos anos 1950, mas faço uma exceção para ele; quando cantava músicas religiosas, ele chegava quase no nível de uma Mahalia Jackson; quando interpretava grandes sucessos de outros artistas, ele costumava fazer picadinho das versões originais; até nas poucas vezes em que cantava blues ele não fazia feio perto de gente como Muddy Waters ou B. B. King. Um youtuber famoso dia desses largou um vídeo com o chamativo (e caça-clique) título “Elvis Presley não foi rei de nada”, e foi justamente execrado pelos fãs do Rei do Rock. Tome tenência, rapaz.
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Santa Elisabeth da Trindade
Religião
Santa Elisabeth da Trindade
11 de junho de 2023 at 19:59 0
Conforme a própria contracapa de “Memórias da Beata Elisabeth da Trindade” (LTr, 216 páginas), o autor do livro não é o Frei Patrício Sciadini, O.C.D. – que é o nome que consta na capa -, mas madre Germana, priora do convento carmelita onde a (então) beata servia. Aliás, mesmo esta madre é, no máximo, coautora da obra, composta por vários trechos escritos por Elisabeth da Trindade comentadas – aí sim – por madre Germana. Interessado pelo Carmelo Reformado há décadas já, conforme comento em meu livro “Rua Paraíba”, comprei as “Memórias da Beata Elisabeth da Trindade” provavelmente em 2006, ano do seu lançamento, mas deixei o livro de lado até recentemente. Nascida em 1880 e falecida vinte e seis anos depois, em 1906, a francesa Elisabeth da Trindade (cujo nome de batismo era Elisabeth Catez) era uma carmelita descalça que serviu no convento de Dijon. Foi beatificada em 1984 e canonizada mais de trinta anos depois, em 2016. Alguns meses atrás, como faço frequentemente, assisti no YouTube a um debate da série “La foi prise au mot” (algo como “a fé ao pé da letra”), da emissora católica francesa KTOTV: neste caso o programa, que me fascinou enormemente, era sobre Elisabeth da Trindade (seu endereço eletrônico pode ser obtido aqui). Conduzido brilhantemente - como sempre, aliás - pelo apresentador Régis Burnet, ele contou também com dois religiosos, os padres Patrick-Marie Févotte e Didier-Marie Golay (este último, carmelita). E qual a Santa Elisabeth da Trindade que emerge do debate da KTOTV? Uma excelente pianista, com frequentes ataques de ira e com uma fé gigantesca em Deus. Sim, ela morreu em meio a enormes sofrimentos – ela tinha a doença de Addison, então incurável, que praticamente a impedia de se alimentar no final de sua vida -, mas, segundo o padre Patrick-Marie Févotte, isso não era o mais importante na santa, e sim a sua fé inabalável. Entusiasmado com o debate e com a história da santa, resolvi ler o já citado “Memórias da Beata Elisabeth da Trindade”, mas foi uma decepção: o livro dá muita importância para o sofrimento dela e tem aquela mania irritante de traduzir o “vous” francês pelo “vós” em português. Foi complicado terminar de ler o livro. Espero que o pequeno volume “Vers le double abîme”, com pensamentos e meditações de Elisabeth da Trindade e que comprei recentemente, seja mais parecido com o que vi no debate da KTOTV. Como nota final, vou fazer um comentário sobre emissão já citada, lançada em 2016: lá pelas tantas o apresentador Régis Burnet pergunta a seus dois convidados se eles estavam felizes com a canonização de Elisabeth da Trindade, que aconteceria pouco tempo depois: “claro”, responde Patrick-Marie Févotte, “uma de suas amigas” seria canonizada. Espero ainda ler alguns dos livros deste padre sobre a santa! (fonte da foto: Wikimedia Commons)
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“Essentials”, com Hélène Grimaud
Música
“Essentials”, com Hélène Grimaud
14 de maio de 2023 at 14:48 0
Para um não-músico como eu, provavelmente o grande segredo para ouvir música clássica de maneira um pouco mais aprofundada seja ouvir a mesma peça com dois ou mais intérpretes diferentes. Por exemplo, eu tinha muitos LPs de peças de teclado de Bach com o pianista brasileiro João Carlos Martins, e era o que eu conhecia em termos de interpretação de piano do grande compositor alemão. Até hoje lembro do choque que foi ouvir o vol. I das Toccatas de Bach (BWV 910, 912, 913) com o pianista canadense Glenn Gould, depois de comprar o disco – muito bem recomendado pela Veja, é bom que se diga. As peças, que na verdade eu nem sabia que existiam na época, eram executadas com um brilho e uma emoção que eu simplesmente não conseguia perceber em João Carlos Martins. Parecia outro mundo. Lembro de uns outros poucos exemplos: Vladimir Horowitz e a NBC Symphony Orchestra regida por Arturo Toscanini pareciam movimentar todo o cosmo para executar o Concerto para Piano n.2, apesar das péssimas condições de gravação feita em 1940, enquanto a versão da mesma peça na Coleção Mestres da Música, da Editora Abril, parecia nunca sair de um torpor eterno. O monumental ciclo Das Lied von der Erde (A Canção da Terra) de Gustav Mahler com Jessie Norman e Jon Vickers e a London Symphony Orchestra regida por Sir Colin Davis parece revolver o que há de mais profundo na alma humana, enquanto uma versão que comprei em CD, não lembro com quem, parecia executada por uma série de robôs com preguiça. Infelizmente, nem sempre me dediquei o suficiente para comparar a mesma peça com diversos intérpretes. Mesmo assim, algumas coisas, para meus ouvidos não treinados, chamaram a minha atenção e parecem excepcionais por si, sem o reforço da comparação com outras versões. Posso citar neste caso as Sonatas para Violoncelo de Brahms com Mstislav Rostropovitch e Rudolf Serkin, o Concerto n. 4 para Piano e Orquestra de Beethoven com Claudio Arrau e a Staatskapelle Dresden regida por Sir Colin Davis, ou Trios para Piano K. 496 e K. 502 de Mozart com Maria João Pires, Augustin Dumay e Jian Wang. Tudo isso para chegar no disco lançado no início de 2020 pela Deutsche Grammophon “Essentials”, da pianista francesa Hélène Grimaud, que também atua na preservação de lobos (!) nos Estados Unidos. Peças que eu já conhecia com outros intérpretes - como o Noturno em Mi Menor Op. 72, n.1 de Chopin, o Prelúdio e Fuga n.1 BWV 846 de Bach ou a Melodia do “Orfeu e Eurídice” de Gluck com arranjo de Sgambati -, ou peças que eu nunca tinha ouvido antes - como a Bagatelle I de Valentin Silvestrov, Breathing Light de Nitin Sawhney ou 6 Romanian Folk Dances, BB 68, Sz. 56: I. Stick Dance de Béla Bartók - parecem levar a música a outro patamar. Às vezes eu sinto que Hélène Grimaud parece não ser deste mundo. Que coisa linda, minha gente.
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Minha mãe e Rita Lee
Exercícios Literários, Obra Literária
Minha mãe e Rita Lee
9 de maio de 2023 at 17:37 0
Não gostava muito das músicas da Rita Lee. Conheci algumas coisas do começo da carreira solo dela que são maravilhosas, mas nunca ouvi muito. Conheci alguma coisa dos Mutantes também, gostava, mas não muito. A fase de grande sucesso dela nos anos 80 nunca me pegou. De todo modo, para mim o melhor dueto da história da MPB é quando ela cantou “Jou Jou Balangandans” num show com João Gilberto, que dá para ver no YouTube e faz parte do álbum “João Gilberto Prado Pereira de Oliveira”, do meu cantor brasileiro preferido. Mas nem é especificamente por causa dela que estou escrevendo isso. Minha mãe morreu dia 21 de abril, há quase três semanas: não escrevi nada sobre ela, não consegui. Agora, com a morte da Rita Lee, entendo por que: eu acho que, para todo o mundo entender como era minha mãe, é só pensar na Rita Lee: irreverente, alegre, polêmica, que viveu uma vida completa e que marcou demais na sua passagem pela Terra. Só que, ao contrário da Rita Lee, minha mãe não usava drogas. Quando via as fotos da cantora no final da vida me lembrava imediatamente da expressão da minha mãe, que se encontrava também no estágio final da doença: as duas tinham olhares que transcendiam, mais próximos da outra dimensão do que desta. Enfim, estou escrevendo isso porque sei que minha mãe já recebeu sua alma gêmea do outro lado. Imagina o deboche e a confusão!
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