Gudrun Ensslin

O grupo terrorista Baader-Meinhof: 3. Três Filmes: Terrorismo, Olimpíadas e Drogas na Alemanha dos Anos 70
Cinema, História
O grupo terrorista Baader-Meinhof: 3. Três Filmes: Terrorismo, Olimpíadas e Drogas na Alemanha dos Anos 70
14 de dezembro de 2025 at 13:55 0
“O Grupo Baader-Meinhof” (Alemanha/França/República Tcheca, 2008, 150 min) é um filme dirigido por Uli Edel e estrelado por Martina Gedeck, Moritz Bleibtreu e Johanna Wokalek. A obra narra a história da “primeira geração” do grupo terrorista alemão, composta por Andreas Baader, Gudrun Ensslin e Ulrike Meinhof. O filme é baseado em “Der Baader-Meinhof Komplex”, de Stefan Aust, publicado em 1985 e considerado um dos melhores livros sobre o tema. É interessante como algumas cenas do livro são fielmente reproduzidas no filme. Posso citar a tensão — cultural e disciplinar — entre terroristas palestinos e os ativistas alemães, que ficavam nus — homens e mulheres juntos — em público durante um treinamento militar na Jordânia. Outra cena marcante é a de Andreas Baader dando de presente seu casaco de couro para um terrorista recém-chegado, só porque o novato havia gostado da peça. O filme é excelente, mantendo a tensão o tempo todo e com atuações extraordinárias. A semelhança entre Johanna Wokalek, a atriz que interpreta Gudrun Ensslin, e a própria terrorista é tão grande que chega a ser assustadora. Ensslin era namorada de Andreas Baader e era mais importante dentro do grupo do que Ulrike Meinhof, apesar de o nome desta última compor o título popular do grupo, que era oficialmente chamado de Rote Armee Fraktion (RAF).

Nestas pesquisas sobre a Alemanha dos anos 1970, acabei tendo a sorte de encontrar, como propaganda principal da Prime Video, o filme de 2024/2025, “Setembro 5”, dirigido por Timur Bekmambetov (Alemanha/EUA - 94 min). O filme se concentra na transmissão esportiva da rede americana ABC durante o Massacre de Munique em 1972, o ataque terrorista a atletas israelenses durante os Jogos Olímpicos. “Setembro 5” é filmado como se fosse uma película dos anos 1970, e o cuidado com a reprodução da tecnologia daquela época é espetacular. Os técnicos da rede americana ABC tinham que lutar pelo único satélite disponível para os Estados Unidos; muitas informações eram obtidas por uma rádio local – e apenas uma tradutora (vivida pela atriz Lena Urzendowsky) conseguia traduzir para os americanos o que se dizia. Havia também uma dificuldade gigantesca em transportar as enormes câmeras para os locais onde o atentado estava ocorrendo, e assim por diante. Fascinante. Existia sim uma relação entre os terroristas palestinos, do grupo Setembro Negro, que assassinaram onze atletas israelenses nas Olimpíadas de 1972, e os terroristas alemães. Essencialmente, o Baader-Meinhof atuava como uma célula de apoio local para o Setembro Negro em solo alemão, baseada na convicção de que todos estavam lutando contra o mesmo sistema ocidental. Conforme discutido anteriormente, inclusive, os ativistas alemães fizeram treinamento militar com os palestinos na Jordânia. Para corroborar este fato, uma das principais reivindicações do Setembro Negro era a libertação de centenas de prisioneiros palestinos detidos em Israel. Crucialmente, eles também exigiram a libertação de líderes da RAF, como Andreas Baader e Ulrike Meinhof, que estavam presos em cadeias alemãs.

Também foi uma sorte ter encontrado na Prime Video o anúncio de “Eu, Christiane F., 13 Anos, Drogada e Prostituída” (1981, Alemanha Ocidental - 131 min), baseado no livro de mesmo nome. A história da garota de classe média que se vicia em heroína na Berlim Ocidental dos anos 1970 e acaba se prostituindo para sustentar o vício resultou num dos livros mais importantes que li na vida: eu era adolescente e fiquei tão assustado com o relato – e as fotos – da obra que tenho certeza que esta leitura me tirou toda e qualquer vontade de usar drogas ilícitas, até hoje. Mas nunca tinha visto o filme, ao qual só assisti agora. Como todos os citados neste texto, ele é extraordinário, com ótimas atuações e tensão do início ao fim. Pode-se argumentar que o que conecta as histórias de Christiane F. e do Baader-Meinhof é o desespero de uma juventude que se sentia isolada e sem futuro, seja encontrando sentido na revolução ou no vício. Tenho minhas ressalvas em relação a esta teoria, dados os problemas que muitas pessoas enfrentam com o uso abusivo de drogas, seja na Berlim dos anos 1970 ou em muitos outros lugares e épocas. Mas há sim algumas relações inequívocas entre as duas obras: no filme de 1981, a cena da primeira relação entre Christiane F. e seu namorado Detlev ocorre num quarto onde, com grande destaque, aparece o famoso pôster de “Procura-se” da polícia alemã com a foto do rosto de Ulrike Meinhof. Mais do que isso, o alemão Uli Edel é o diretor dos dois filmes! Não tem como não dizer que as histórias trágicas do grupo Baader-Meinhof e de Christiane F. não estão relacionadas.
Imagem obtida no Gemini. Se você estiver interessado em receber este e outros textos meus semanalmente, clique aqui e cadastre seu e-mail.
Leia mais +
O grupo terrorista Baader-Meinhof: 2. “Baader-Meinhof Blues”, da banda Legião Urbana
História, Música
O grupo terrorista Baader-Meinhof: 2. “Baader-Meinhof Blues”, da banda Legião Urbana
22 de novembro de 2025 at 21:07 0

Renato Russo, o vocalista da banda Legião Urbana, provavelmente gostava muito de “Baader-Meinhof Blues”. A música foi lançada em seu álbum homônimo de estreia (1985), no disco ao vivo “Música p/Acampamentos” (1992) e no “Acústico MTV” (gravado em 1992, lançado em 1999). Julliany Mucury, autora do livro “Renato, o Russo”, considera “Baader-Meinhof Blues” a sua música preferida da banda. Além disso, o Charlie Brown Jr. gravou uma versão da música no seu álbum “Bocas Ordinárias”, de 2002.

A canção tem algumas frases de efeito que, compreensivelmente, são marcantes para os fãs: “A violência é tão fascinante / E nossas vidas são tão normais”, “Não estatize meus sentimentos / Pra seu governo, o meu estado / É independente” e “Já estou cheio de me sentir vazio / Meu corpo é quente e estou sentindo frio / Todo mundo sabe e ninguém quer mais saber / Afinal, amar ao próximo é tão démodé”. Não há nenhuma menção direta ao grupo terrorista alemão na letra, mas frases como “a violência é tão fascinante” e “amar ao próximo é tão démodé” são claramente relacionadas ao Baader-Meinhof.

Segundo Julliany Mucury, a banda teve que se explicar bastante em relação ao título da música: “vocês imaginam, numa pós-ditadura, você lançar uma canção com esse título?”. Contudo, parece claro que a canção não era uma apologia ao terror.

O próprio Renato Russo explica o significado de “Baader-Meinhof Blues” num áudio encontrado no YouTube, no qual ele declara que a canção “diz exatamente a mesma coisa que ‘Geração Coca-Cola’”. O nome foi escolhido porque se alguém do Grupo Baader-Meinhof passasse por uma situação parecida com a descrita naquela canção, sentiria o mesmo tipo de blues (melancolia/vazio): “a violência é tão fascinante, as nossas vidas são tão normais”. No mesmo áudio, ele explicou que o final da música, que usa o termo de estado e governo, foi uma escolha intencional para ser um final inteligente e que “pegasse” com o público, mesmo que o significado fosse, na verdade, muito mais abstrato e pessoal. Em outras palavras, em “Baader-Meinhof Blues”, Renato Russo projetou nos terroristas alemães de uma década antes do lançamento da música as mesmas sensações de tédio, vazio e falta de sentido de boa parte da juventude brasileira no final do período da Ditadura Militar, bem descritas em suas canções, como as duas citadas acima e seu grande sucesso “Será”. Mas, se me permitem uma opinião, Andreas Baader e Gudrun Ensslin, os líderes do Baader-Meinhof, com sua coragem e radicalismo, não tinham absolutamente nada a ver com as preocupações de Renato Russo. ***

Imagem acima obtida no Google Gemini.

Se você estiver interessado em receber meus textos semanalmente, clique aqui e cadastre seu e-mail.

Leia mais +
O grupo terrorista Baader-Meinhof: 1. Introdução
História
O grupo terrorista Baader-Meinhof: 1. Introdução
15 de novembro de 2025 at 12:23 0

Para uma criança que acompanhava o noticiário nos anos 1970, o nome Baader-Meinhof tinha algo de assustador e algo de charmoso. Assustador porque era um grupo terrorista alemão de extrema-esquerda, e charmoso porque, pelo menos para mim, remetia a um país desenvolvido, a Alemanha — de onde veio, aliás, meu sobrenome (tão popular por lá quanto Silva por aqui). Embora eu tenha acompanhado o sequestro e assassinato do ex-primeiro-ministro italiano Aldo Moro pelo grupo terrorista Brigadas Vermelhas, a força do Baader-Meinhof estava numa certa violência e ameaça difusa, já que seus atos terroristas – pelo menos para a criança que eu era – eram muito menos claros do que o ocorrido na Itália.

Um aspecto irônico desta história é que “Baader-Meinhof” não era o nome que o grupo terrorista aplicava a si mesmo, mas foi dado pela imprensa, depois de uma fuga espetacular ocorrida em 14 de maio de 1970. Naquela ocasião, o líder do grupo, Andreas Baader, foi resgatado da custódia policial na biblioteca de um instituto em Berlim, pulando pela janela junto com outros ativistas e a jornalista Ulrike Meinhof — que havia usado o pretexto de uma entrevista para facilitar o resgate, executado por cúmplices armados. Se fosse batizar o grupo pelo nome de seus líderes, ele deveria se chamar “Baader-Ensslin” — e me refiro aqui à namorada de Andreas Baader, Gudrun Ensslin, que era praticamente tão importante nas decisões quanto ele. De todo modo, o grupo se autodenominava RAF (Rote Armee Fraktion, ou seja, Fração do Exército Vermelho), uma provável provocação com o nome da Real Força Aérea Britânica, que tem o mesmo acrônimo (Royal Air Force).

O Baader-Meinhof fez uma série de incêndios e explosões em prédios privados e públicos, roubos a banco e sequestros, e eram considerados tão perigosos – já que normalmente recebiam a tiros os policiais que tentavam prendê-los – que foi construído um prédio novo dentro da Prisão de Stammheim com um tribunal no andar térreo e uma unidade de detenção de alta segurança (células) nos andares superiores, apenas para o julgamento dos terroristas.

O grupo foi tão comentado pelo mundo todo que até um viés cognitivo – a ilusão de frequência – no qual uma pessoa percebe um conceito, palavra ou produto específico com mais frequência após ter tomado conhecimento dele recentemente, é chamado de “Fenômeno Baader-Meinhof”. O termo foi cunhado em 1994 por um leitor de um jornal em St. Paul, Minnesota (EUA), que escreveu uma carta dizendo que havia lido sobre o Grupo Baader-Meinhof e, logo em seguida, o viu mencionado em outro lugar. Outros leitores compartilharam experiências semelhantes, e o nome “pegou” para descrever a Ilusão de Frequência. Mesmo a banda Legião Urbana tem uma música chamada “Baader-Meinhof Blues”, o que ajuda a mostrar como o nome do grupo ficou gravado no inconsciente coletivo. *** O Baader-Meinhof, assim como o povo etrusco, o Império Wari, o Período Permiano, os Papas de Avignon e São Luís de Tolosa, é um dos meus interesses estranhos. Pretendo escrever aqui ainda alguns textos sobre o grupo terrorista alemão – o próximo, já engatilhado, é sobre a supracitada música “Baader-Meinhof Blues”. ***

(Foto que acompanha o texto: Andreas Baader e Gudrun Ensslin. Crédito da foto: 31.out.1968/Associated Press, obtida na Folha de São Paulo. Se você estiver interessado em receber meus textos semanalmente, clique aqui e cadastre seu e-mail.)

Leia mais +