Qual a quantidade real de mortos devido à COVID-19?
Ciência
Qual a quantidade real de mortos devido à COVID-19?
20 de junho de 2021 0
Qual o tamanho da tragédia mundial do COVID-19? Desde o início da pandemia, ficava me perguntando qual a quantidade de mortos a mais do que o previsto desde março de 2020. Cheguei a pesquisar alguma coisa nos dados estatísticos de sites como o do Banco Mundial, mas não fui adiante – até que saiu a notícia na imprensa de que o mundo pode ter o dobro de mortes do que dizem os números oficiais. Fui então pesquisar alguns artigos sobre o assunto, e o presente texto apresenta o resumo do artigo “Estimation of total mortality due to COVID-19”, do IMHE (Institute for Health Metrics and Evaluation), cujo link pode ser obtido aqui. Pretendo voltar nesse assunto por aqui ainda. Segundo o artigo, o parâmetro que calcula “a quantidade de mortos a mais do que o previsto” se chama “excesso de mortes”, “definido como a diferença entre o número observado de mortes em períodos de tempo específicos e o número esperado de mortes nos mesmos períodos de tempo”. Para avaliar a mortalidade total por COVID-19, foi necessário verificar se a quantidade de mortos foi subnotificada, e possíveis razões para esta subnotificação incluem: A capacidade de teste varia acentuadamente entre os países e dentro dos países ao longo do tempo; Em muitos países de alta renda, as mortes por COVID-19 em indivíduos mais velhos, especialmente em instituições de longa permanência, não foram registradas nos primeiros meses da pandemia; Em outros países, como Equador, Peru e Federação Russa, a discrepância entre as mortes relatadas e o “excesso de mortes” sugere que a taxa de mortalidade total do COVID-19 é muitíssimo maior do que os relatórios oficiais. O “excesso de mortes” para o caso da COVID-19 é influenciado por seis fatores de mortalidade que se relacionam com a pandemia e o distanciamento social que veio com ela. Esses seis fatores são: a) a taxa total de mortalidade por COVID-19, ou seja, todas as mortes diretamente relacionadas à infecção por COVID-19; b) o aumento da mortalidade devido ao adiamento dos cuidados de saúde necessários durante a pandemia; c) o crescimento da mortalidade devido ao aumento dos transtornos mentais, incluindo depressão, abuso de álcool e de opioides; d) a redução na mortalidade devido a diminuições nas lesões devidas a reduções gerais na mobilidade (diminuição de acidentes de carro, por exemplo); e) diminuição no número de mortos devido à menor transmissão de outros vírus, principalmente influenza, vírus sincicial respiratório e sarampo; e f) redução na mortalidade devido a algumas condições crônicas, como doenças cardiovasculares e doenças respiratórias crônicas, que ocorrem quando indivíduos frágeis que teriam morrido por essas condições morreram mais cedo de COVID-19. O artigo do IMHE calcula as reduções de mortes em torno de 615.000 mortes ou mais, decorrentes de mudanças comportamentais em nível global. Os principais aumentos potenciais no excesso de mortalidade devido ao tratamento adiado e aumentos na overdose de drogas e depressão são difíceis de quantificar, ou de magnitude muito menor. Dado que não há evidências suficientes para estimar essas contribuições para a mortalidade excessiva, assumiu-se que o total de mortes por COVID-19 é igual ao “excesso de mortes” mas, devido a razões apresentadas no artigo do IMHE, concluiu-se que isto provavelmente foi subestimado. À medida que as evidências se fortalecem nos próximos meses e anos, é provável que sejam revisadas as estimativas de mortes por COVID-19 para cima em próximos trabalhos. A principal conclusão do artigo “Estimation of total mortality due to COVID-19” é apresentada num gráfico, que é a imagem que acompanha este texto, em que a linha mais clara superior é a quantidade diária real de mortos, enquanto a de baixo, mais escura, é o número oficial. Em termos de números totais, do início da pandemia até 31 e maio de 2021, segundo o artigo da IMHE a quantidade real de mortos chegou a 7,1 milhão de mortos, enquanto o número oficial correspondente foi de 3,33 milhões. O artigo do IMHE também apresenta a subnotificação estimada para países e estados no mundo inteiro, calculada pela divisão entre o número de mortos real e o oficial, apresentada abaixo. Na figura, quanto mais próximo do azul escuro, maior a subnotificação e, quanto mais próximo do laranja vivo, menor este valor. Em termos de Brasil, do início da pandemia até 31 de maio de 2021 foram reportados 423.307 mortos, enquanto o número real calculado no artigo chegou a 616.914, numa subnotificação de 1,46.
Leia mais +
“Vernônia”, de William Kennedy
Literatura
“Vernônia”, de William Kennedy
13 de junho de 2021 0
Eu lembro, nos anos 1980, o quanto eu tinha gostado de “Vernônia”, do escritor americano William Kennedy (Francisco Alves, 239 páginas, tradução de Sonia Botelho), e resolvi recentemente reler o romance, do qual lembrava muito pouco. Além de sucesso de crítica na época – ganhou o Prêmio Pulitzer de ficção em 1984 -, o livro teve sua versão cinematográfica lançada em 1987, chamada por aqui pelo título original “Ironweed”, dirigida por Hector Babenco, com Jack Nicholson e Meryl Streep nos papéis principais. “Vernônia”, cuja primeira edição é de 1983, conta a história de dois mendigos nos anos 1930, Francis Phelan, e sua namorada – ou coisa parecida – Helen. Os dois poderiam ter tido outro destino: ele tinha sido jogador de beisebol profissional, ela tinha sido cantora, tendo inclusive estudado em conservatórios – mas tanto o alcoolismo quanto a Crise de 29 acabou levando os dois para a mendicância. Além disso, Francis teve problemas particulares muito sérios, que voltam frequentemente à sua memória. Na releitura, “Vernônia” me pareceu um livro mais meloso do que poético, decepcionante enfim. Será que não sou só eu que tenho essa opinião e é por isso que quando fui procurar sobre o romance e seu autor em arquivos online de jornais e na internet eu não achei quase nada?
Leia mais +
“Crimes à moda antiga”, de Valêncio Xavier
Literatura
“Crimes à moda antiga”, de Valêncio Xavier
13 de junho de 2021 0
Crimes à Moda Antiga (Publifolha), o mais recente livro do paulista radicado em Curitiba Valêncio Xavier, é composto por oito contos que descrevem crimes que aconteceram no Brasil do início do século 20. O livro é um mergulho nos becos mais obscuros da alma humana. Em muitos dos contos, os assassinos matam por motivos mais ou menos insignificantes, mostrando o pouco apreço que têm pela vida alheia. Assim são os crimes causados pela cobiça dos ladrões em “Os Estranguladores da Fé em Deus” e “Gângsteres Num País Tropical”; pelo ciúme em “O Outro Crime da Mala”; pela honra ultrajada e orgulho ferido em “A Noiva Não Manchada de Sangue”; pela certeza de impunidade dada pela riqueza em “O Crime de Cravinhos”. Além disso, duas histórias de Crimes à Moda Antiga se destacam pela violência extrema. Em “O Crime do Tenente Galinha”, tanto os assassinos quanto o assassinado (o tal Tenente Galinha) chegam a níveis absurdos de maldade e agressividade. “Aí Vem o Febrônio” é uma impressionante descrição da mente de um psicopata com delírios religiosos. Cada conto tem, em média, vinte páginas e é dividido em vários pequenos capítulos de mais ou menos uma página cada um. A narrativa é ágil e rápida – e exige bastante atenção por parte do leitor, dada a grande quantidade de detalhes apresentados em cada história. Já o aspecto visual de Crimes à Moda Antiga é importante mas não fundamental. As interessantíssimas ilustrações – feitas por Sérgio Niculitcheff e pelo próprio Valêncio Xavier, ao modo daquelas do início do século passado – servem mais como complemento do que como parte indispensável à compreensão das histórias – ao contrário do que ocorria em obras anteriores do autor, como O Mêz da Grippe, Maciste no Inferno e O Minotauro (in: O Mêz da Grippe e Outros Livros, Companhia das Letras, 1998). O estilo de Valêncio é impessoal, próximo da literatura e do jornalismo policiais –utilizando também, com maestria, diferentes técnicas descritivas. “Os Estranguladores da Fé em Deus”, por exemplo, apresenta, de maneira extensiva, os depoimentos judiciais (sempre entre aspas) dos criminosos para a descrição de seus próprios crimes. Um trecho de “A Noiva Não Manchada de Sangue” é composto apenas pelas falas da criminosa (entre aspas) e pelas reflexões do delegado (em negrito). Em alguns contos, as frases mostrando os pensamentos ou falas dos personagens surgem sem apresentação – e de maneira intermitente – no meio da descrição fria dos crimes. Assim aparecem em itálico raciocínios do suspeito em “A Mala Sinistra” e os delírios do assassino em “Aí Vem o Febrônio”, além das declarações em negrito do assassino José Pistone em “O Outro Crime da Mala”. A mistura de histórias escabrosas, narrador impessoal – que raramente julga seus personagens – e diferentes técnicas narrativas dá uma sensação de estranheza no leitor. É como se Valêncio Xavier nos transportasse para um angustiante universo paralelo, onde crimes estúpidos fossem a coisa mais normal do mundo. Bate-papo com Valêncio Xavier As histórias de Crimes à Moda Antiga são reais? São sim. Para me informar a respeito fui diversas vezes a São Paulo, para visitar tanto o Arquivo Oficial do Estado quanto a Biblioteca Pública de lá. Eu não podia inventar nada, pois sempre há o risco de ser processado. Para pesquisar sobre o crime ocorrido em Curitiba (do conto “Gângsteres Num País Tropical”) fui na Biblioteca Pública daqui. Algumas histórias são realmente escabrosas… Sim, a Sinhazinha Junqueira de “O Crime de Cravinhos ou da Rainha do Café”, por exemplo, era uma mulher muito rica, fazendeira de imensas posses. Ela comprava quem queria. Espantosa também foi a história de “Aí Vem o Febrônio”… Para mim, a história deste assassino psicopata com delírios religiosos é a mais impressionante de todas. Realmente, esta é assustadora. Fiz até um livro sobre este caso. Pode-se encontrar este livro nas livrarias? Não, está fora de catálogo há muito tempo já. Um fato que sempre é salientado é a preocupação com a parte gráfica de seus livros. Com certeza. Tudo o que você vê em Crimes à Moda Antiga – como desenhos, ilustrações e formatos de letras (negrito, itálico, etc) – já sai pronto daqui para a editora. Eles não mudam nada. São muito interessantes as ilustrações do livro. Eu fiz algumas ilustrações, conforme mostra o encarte. Mas a maioria foi feita pelo meu sobrinho, Sérgio Niculitcheff. E a técnica que ele mais usou foi desenho a partir de fotos de jornal. A maioria dessas ilustrações é baseada na realidade? Sim, a maioria é. O desenho da cama que aparece na primeira ilustração do conto “A Morte do Tenente Galinha”, por exemplo, é baseado totalmente na cama em que ele realmente morreu. E os símiles de jornais que aparecem em “O Outro Crime da Mala”? São reais, então? Sim. Tudo obtido em minhas viagens a São Paulo.  (publicado anteriormente no Mondo Bacana)
Leia mais +
Xadrez e Covid-19
Ciência, Esporte
Xadrez e Covid-19
6 de junho de 2021 0
Ainda um pouco antes do boom mundial de xadrez, causado pela popular série da Netflix Gambito da Rainha, houve um aumento expressivo no número de jogadores do jogo devido à pandemia, já que as pessoas de uma hora para outra passaram a ficar em casa com mais tempo livre. Eu mesmo, que tinha jogado e estudado um pouco de xadrez na adolescência – ensinado basicamente pelo meu grande amigo Edson Luciani de Oliveira -, retomei o gosto pelo jogo aí pelo meio do ano passado, principalmente por causa dos canais do YouTube Xadrez Brasil, de Rafael Leite, e GothamChess, de Levy Rozman. Ainda gostaria de falar mais sobre o assunto, mas o objetivo deste texto é bem mais específico, e para isto basta dizer que pratico principalmente xadrez online na plataforma Chess.com, e que lá cada jogador tem seu rating – um número que, segundo a Wikipédia, calcula a força relativa e cada jogador. O melhor jogador o mundo na atualidade, o norueguês Magnus Carlsen, tem um rating de cerca de 2847; super grandes mestres (ou Super GMs) – como o russo Ian Nepomniachtchi, que vai desafiar o campeão mundial em novembro, ou o ítalo-americano Fabiano Caruana – têm ratings acima ou próximos de 2800; com mais de 2000 o jogador normalmente já pode ser considerado profissional, ou semiprofissional; eu, com 1096 de rating no Chess.com no dia em que escrevo este texto (6 de junho de 2021), posso apenas ser considerado um amador que tem uma noção mínima do jogo. O rating de 1100 parece ser o meu limite se eu não estudar com afinco – coisa que não pretendo fazer, na verdade. Respondendo a perguntas de seus seguidores, por coincidência ontem ainda o Grande Mestre Rafael Leitão comentou que, para passar deste rating, é necessário estudar; e eu prefiro só assistir a vídeos de xadrez no YouTube e jogar partidas online no Chess.com contra adversários com capacidade técnica semelhante à minha. O gráfico abaixo, que apresenta meu rating desde que entrei na plataforma até o início de março de 2021, mostra que vai ser bem complicado de eu passar de 1100 se eu não me esforçar: Falando agora do principal objetivo deste texto: no dia 16 de março de 2021 fui diagnosticado com Covid-19. Além de dar graças a Deus por nem eu nem minha família termos tido casos graves da doença, tive como principal sintoma um cansaço profundo e duradouro. Olhando meu gráfico de rating de xadrez a partir desta data, notei um persistente declínio, conforme mostra a figura que acompanha este texto, que apresenta o meu desempenho no Chess.com nos últimos 90 dias. O gráfico é, de certa forma, impressionante: se no dia do meu diagnóstico eu estava com um rating de 1042, pouco mais de um mês depois, em 27 de abril, eu tinha caído para 902. Só fui passar de 1000 no dia 22 de maio, mais de dois meses depois do meu diagnóstico, e desde então não baixei mais deste limiar, chegando no valor de 1096 no dia de hoje. É claro, repito, que só tenho de agradecer a Deus por ter sido só isso, mas achei interessante compartilhar esta minha experiência específica com esta doença terrível.
Leia mais +
Seinfeld e a filosofia
Filosofia, Séries
Seinfeld e a filosofia
3 de junho de 2021 0
Seinfeld e a Filosofia – Um Livro Sobre Tudo e Nada (coletânea de William Irwin, 205 páginas) é o novo lançamento da coleção sobre filosofia e cultura pop da Editora Madras – o Bacana analisou outros dois outros livros desta coleção. Para fãs do seriado ou de filosofia o livro – uma coletânea de artigos filosóficos, escritos por diversos autores – é um achado. A primeira parte de Seinfeld e a Filosofia [chamada de “Ato I, Os Personagens”] é uma das mais saborosas: cada um de seus artigos trata de um dos quatro personagens do seriado. “Jerry e Sócrates: A Vida Examinada”, de William Irwin, compara o método de perguntas e respostas de Sócrates com as perguntas que Jerry Seinfeld costuma fazer a seus amigos. A conclusão do artigo é que, se aquele tinha intenções sérias com seu método, este só quer analisar fatos banais do dia-a-dia. “A Busca Frustrada de George pela Felicidade: Uma Análise Aristotélica”, de Daniel Barwick, estuda o comportamento de George Constanza conforme o método de análise ética de Aristóteles. O resultado, como se pode prever, é desastroso para o personagem do seriado. Interessantíssima é a análise que Sarah E. Worn, em “Elaine Benes: Ícone Feminista ou Apenas Um dos Rapazes?” faz da personagem Elaine Benes. Ela é feminista sim, mas só até certo ponto. E “Kramer e Kierkegaard: Estágios no Caminho da Vida”, também de Irwin, é um dos pontos altos do livro. É impressionante como a categoria de vida “estética” do filósofo dinamarquês Kierkegaard casa-se bem com a vida do personagem Kramer. A segunda parte [chamada “Ato II, Seinfeld e Os Filósofos”] analisa questões filosóficas levantadas pelo seriado. Como os fãs devem saber, o slogan do programa é “uma série sobre nada”. Como este “nada” seinfeldiano se relaciona com a milenar filosofia oriental do Tao? O seriado Seinfeld, com suas idas e vindas, tem alguma coisa a ver com a teoria da eterna recorrência de Nietzsche? Estas perguntas são respondidas, respectivamente, por Eric Bronson e Mark T. Conrad. Interessantíssimos são os artigos “Seinfeld, Subjetividade e Sartre” [onde Jennifer McMahon compara a amizade dos quatro personagens principais do seriado com as teorias de subjetividade e co-responsabilidade de Jean-Paul Sartre] e “Wittgenstein, Seinfeld e o Lugar-Comum” [provavelmente o melhor artigo do livro, no qual Kelly Dean Jolley, para o espanto do leitor, conclui que a os atos banais do cotidiano – o cerne do seriado – são o que há de mais fundamental na filosofia de Wittgenstein]. A terceira parte [“Ato III, Meditações Prematuras Ao Lado do Bebedouro”] é a mais fraca de todas. Os artigos – que tratam respectivamente de um episódio onde Constanza faz o contrário do que faria normalmente para as coisas darem certo, da subjetividade, e da significância do insignificante em Seinfeld – não trazem maior interesse para o leitor: eles parecem deslocados da realidade do seriado. Os três artigos da última parte do livro [“Ato IV, O Que Há de Errado Nisto?”], escritos respectivamente por Robert A. Epperson, Aeon J. Skoble e Theodore Schick Jr., analisam Jerry, Elaine, George e Kramer sob o ponto de vista da moral e da ética. A conclusão dos filósofos não é pela condenação total daqueles, nem pela absolvição sem ressalvas. Os argumentos pró e contra os personagens são instigantes, surpreendentes. Uma chave de ouro para fechar um livro na sua maior parte excepcional. (texto publicado anteriormente no Mondo Bacana – imagem da foto obtida no Uol)
Leia mais +
Ciência e religião
Ciência, Religião
Ciência e religião
23 de maio de 2021 0
Santa Clara (1194-1253) era amiga de São Francisco de Assis e acabou, com a assistência dele, criando a Ordem das Clarissas. Interessado que sou na vida de santos em geral e na de São Francisco em particular, achei que era uma boa ideia ler a biografia “Clara, a primeira plantinha de Francisco”, de Chiara Augusta Lainati (Paulinas, tradução de Leonilda Menossi, 120 páginas). Infelizmente, o livro pouco conta sobre a história da santa e, numa linguagem empolada e cansativa, fica elogiando Santa Clara sem parar – ela não precisa disso, né? A alemã Edith Stein (1891-1942) era uma filósofa importante, de origem judaica, e que resolveu virar monja carmelita. Perseguida pelos nazistas devido às suas raízes, foi assassinada em Auschwitz. Em 1998 ela foi canonizada como mártir, com o nome de Santa Teresa Benedita da Cruz, o que causou protestos na comunidade judaica, que considera que ela foi morta apenas por ser judia – os católicos rebatem que seu martírio foi causado por ela pertencer à Igreja Católica da Holanda, cuja oposição ao nazismo gerou perseguição de judeus convertidos ao catolicismo (Folha de São Paulo, edição de 12 de outubro de 1998). Polêmicas à parte, a curtíssima biografia (li em menos de uma hora) “Edith Stein”, de Vittoria Fabretti (Paulinas, 78 páginas, tradução de Antonio Efro Feltrin), ao contrário da de Santa Clara citada anteriormente, é extremamente objetiva, mostrando uma mulher forte, corajosa – e que aparentemente quis mesmo se martirizar por sua fé e por sua raça. Recomendo fortemente a leitura. A física moderna, queiram ou não, é uma doideira. Partículas que estão em dois lugares ao mesmo tempo, espaço pluridimensional, matéria escura (que se sabe que existe, mas que não se tem ideia do que seja), energia escura (que expande o universo, mas que também ninguém tem ideia exata no que consiste) e outros temas afins são muito bem explicados em “Astrofísica para Apressados”, do astrofísico americano Neil deGrasse Tyson (Planeta, 190 páginas, tradução de Alexandre Martins). Ilustra este texto uma “representação, a fresco, de Santa Clara por Simone Martini (1312–1320), localizada na Basílica de São Francisco, Assis, Itália” – fonte: Wikipédia
Leia mais +
“Quero Matar Hitler”, de Edward Moorhouse
História
“Quero Matar Hitler”, de Edward Moorhouse
22 de maio de 2021 0
Hoje qualquer um pode (e deve) ser antinazista. Na Alemanha entre os anos 1933 e 1945, por outro lado, a coisa era muito diferente. Pequenos deslizes, pertencer ao povo “errado”, opiniões divergentes do usual – qualquer coisa podia fazer a pessoa ser torturada e assassinada em algum dos muitos campos de concentração espalhados pelo território ocupado pelos nazistas. É por causa deste tenebroso pano de fundo que são tão admiráveis os muitos casos de bravura descritos em Quero Matar Hitler, do historiador Edward Moorhouse (Ediouro). Como o próprio nome sugere, o livre descreve diversas tentativas de matar o ditador, sejam individuais, sejam parte de movimentos maiores de resistência. Tendo em vista que Hitler se suicidou em 1945, desde o início se sabe que nenhuma destas ações conseguiu seu atingir seu objetivo. Os dois capítulos iniciais são também os mais tocantes. Eles tratam de duas tentativas individuais de matar o Führer, uma por parte do estudante suíço Maurice Bavaud e outra perpetrada por um comunista alemão chamado Georg Elser. Bavaud, católico fervoroso, tentou assassinar o ditador por diversas maneiras e por causa de uma delas acabou preso e posteriormente assassinado em um campo de concentração. O suíço chegou próximo de seu objetivo em 1938, quando Hitler passava por um carro aberto em um desfile em Munique enquanto Maurice estava armado com uma pistola automática na platéia. Neste dia o sanguinário ditador acabou passando mais longe do que o estudante previra e, por isto, este acabou não atirando. Já Georg Elser plantou uma bomba-relógio na cervejaria em que Hitler iria discursar, em 8 de novembro de 1939, também em Munique. A bomba explodiu conforme o planejado, às 21h20. Mas o sanguinário ditador, como fazia frequentemente, saiu do local mais cedo do que o previsto e escapou da morte por treze minutos. O resultado da explosão foram sessenta e três pessoas gravemente feridas e oito mortas. Tanto Bavaud quanto Elser praticamente não tiveram ajuda de outras pessoas, o que faz as ações deles serem ainda mais admiráveis. Quero Matar Hitler, aliás, mostra como estas duas tentativas também foram possibilitadas pelo fraco sistema de segurança nazista da época (final dos anos 30). À medida que os anos foram passando, ações como as de Maurice e Georg praticamente não seriam mais possíveis, graças ao crescente aumento na segurança pessoal do chefe nazista Um capítulo de Quero Matar Hitler, como não poderia deixar de ser, é dedicado ao mais famoso dos atentados contra Hitler, aquele perpetrado pelo tenente-coronel alemão Claus Von Stauffenberg, cuja história inspirou o recente filme Operação Valkiria, estrelado por Tom Cruise. A bomba que o militar plantou perto do ditador em uma reunião, no dia 20 de julho de 1944, não o matou por muito pouco – e ainda reforçou a ideia que Hitler tinha de si próprio, de que ele era um escolhido pela Providência. Outro aspecto importante deste caso é como o exército alemão (a Wehrmacht) ainda conseguia ser um foco de resistência ao regime nazista, já que da conspiração de Stauffenberg faziam parte um grande número de militares de alta patente. Aliás, quase todos brutalmente assassinados como represália ao atentado. Outro capítulo de Quero Matar Hitler descreve as tentativas de Albert Speer, já no final da guerra, para assassinar o ditador. Speer, segundo relatos, era o único dos nazistas de altíssimo escalão “que parecia uma pessoa normal, não um psicopata”. Apesar da proximidade com Hitler e dos importantes cargos que ocupou, parece que realmente Speer não participou ativamente das maiores crueldades nazistas – tanto assim que ele não fora condenado à morte pelo Tribunal de Nuremberg (mas a uma pena de 20 anos de prisão). De todo modo, o fato de Speer ter ou não pensado realmente a sério em matar Hitler no final da guerra é um assunto controverso até hoje. Os demais capítulos do livro não se concentram em tentativas de matar Hitler, mas são descrições de movimentos de resistência (polonês, russo. britânico) nos quais o assassinato do ditador era, por vezes, aventado. A conclusão descreve como seria a morte do ditador. Quero Matar Hitler é uma leitura ágil e interessante. O autor mostra uma grande preocupação em inserir as tentativas de assassinato do Führer dentro do contexto histórico, o que muito enriquece a leitura. É pena que a tradução da Ediouro seja tão descuidada – mas nada que uma boa e séria revisão futura não resolva. (texto publicado em 2010 no Mondo Bacana – foto: Revista Veja)  
Leia mais +
“Solução de Dois Estados”, de Michel Laub
Literatura
“Solução de Dois Estados”, de Michel Laub
16 de maio de 2021 0
Raquel e Alexandre Tommazzi são dois irmãos que se odeiam. Ele acusa a irmã, uma artista performática obesa de cento e trinta quilos, de ter dilapidado o patrimônio da família. Ela acusa o irmão, dono de uma rede de academias ligadas a uma igreja evangélica, de ser miliciano. Os dois estão sendo entrevistados por Brenda Richter – uma alemã que perdeu o marido, que trabalhava numa ONG e foi assassinado numa comunidade do Rio de Janeiro – para um documentário chamado “Solução de Dois Estados”, nome de um romance recentemente publicado por Michel Laub e que é tema do presente texto (Companhia das Letras, 248 páginas). Alguns acontecimentos são citados frequentemente na obra: o bullying que Raquel tinha sofrido na infância e adolescência, quando era chamada de Vaca Mocha pelos colegas de escola; a falência do pai dos dois irmãos, causada pelo Plano Collor; a surra que ela levou de um seguidor de Alexandre quando foi se apresentar, nua, no auditório de um hotel; a carreira pornográfica da Raquel, que apanha diante das câmeras com fins artísticos; as joias que o irmão acusa a irmã de ter roubado; a ascensão financeira de Alexandre, ligada à igreja evangélica da qual participa e à sua academia; o enterro da mãe dos dois, quando Raquel xinga o irmão diante de todos. A narrativa do romance é circular, com fatos indo e voltando todo o tempo. “Solução de Dois Estados” é um livro claustrofóbico, cheio de ódio em quase todas as suas páginas, sem nenhum espaço para esperança ou conciliação. Se alguém pensar na política brasileira em 2021, bem, a sua influência no romance é óbvia e declarada – por mais que os acontecimentos do livro se passem em 2018, antes da pandemia do coronavírus.
Leia mais +