Dos cds de Schubert com lieder que eu tenho (acho que são uns quinze), aquele com canções sobre poemas de Schiller, com o tenor Christoph Prégardien acompanhado por Andreas Staier ao piano forte, é um dos que eu menos recomendaria. A impressão que eu tenho é que, quando musicava poemas deste grande poeta alemão, Schubert queria fazer Arte. Estranho. Os lieder, quase todos, são sérios, meio atormentados… e esquecíveis, infelizmente. Ao contrário de suas lindas canções sobre poemas de Goethe, o Schubert melodista, ao que parece, estava de férias quando musicou Schiller. Há um lied, entretanto, chamado Des Mädchens Klage, D. 191, que realmente fez valer o preço do cd.
Bem, há um pouco de exagero nisto. Para começo de conversa, qualquer cd com o nome do tenor Christoph Prégardien impresso na capa vale seu custo. Prégardien, nascido em 1956 na cidade alemã de Limburg an der Lahn (apesar do nome, ele é alemão mesmo, especialista em Bach e em lieder de Schubert), não chega a ter um timbre de voz que impressione à primeira audição. Seu timbre grave e um tanto áspero, inicialmente parece comum. Eu mesmo só tomei consciência da grandeza de Prégardien quando comecei a ouvir o segundo cd com lieder compostos por Schubert em 1816. Audições seguidas deste cd foram me mostrando, aos poucos, as grandes qualidades do tenor alemão. Seu timbre grave e áspero se adapta de maneira extraordinária aos lieder trágicos: a sua interpretação profunda e contida acaba resultando num efeito belíssimo. Nos lieder mais descontraídos, ele realmente parece estar sentindo prazer em cantar aquelas melodias simples e inesquecíveis de Schubert. É impossível ouvir sem acabar sorrindo junto…
Quanto ao lied que será comentado aqui, Des Mädchens Klage, ele é de estrutura circular: cada uma das quatro estrofes obedece a uma mesma estrutura. O primeiro verso, mais lento, é uma espécie de preparação para o segundo. O terceiro e o quarto são quase estáticos, menos intensos que os dois anteriores, numa espécie de preparação (a calmaria antes da tempestade) para o quinto, o ápice dramático de cada estrofe (em um momento, Prégardien chega quase a gritar). O início do sexto verso estrofe ainda está no ritmo intenso do verso anterior – mas, a partir do meio dele, a cada sílaba, a cada respiração, o ritmo vai diminuindo, diminuindo, até que o final de uma estrofe esteja exatamente no clima do início da próxima.
Numa audição do lied, quatro ápices de arrepiar. Então precisamos ouvir o lied novamente, para nos emocionarmos de novo com a grandeza de Schubert e de Christoph Prégardien.
(Texto escrito em 04/12/2001)
0
There are 0 comments