Eu não esqueço da primeira vez que ouvi falar em Snoop Doggy Dogg (deve ter sido em 1993). Foi num noticiário do SBT: o jornalista Hermano Henning dizia que o sucesso estrondoso (primeiro lugar na Billboard) de um novo rapper, que glorificava a violência, a vida dos gângsters e que era exacerbadamente machista estava assustando a América. A reportagem então cortava para a entrevista na casa do rapper: um negro magro, mal encarado e mal humorado que dizia: “quem gostar de mim, ok – quem não gostar f***-se”. O tom da reportagem, obviamente, era de total repúdio a este novo tipo de som.
Quanto a mim, bem, já há muitos anos era fã de rap (durante um bom tempo, inclusive, eu comprava tudo do gênero que aparecida na minha frente). A aparição de um rapper de sucesso, com um nome diferente do que eu estava acostumado (os nomes sempre tinham uma letra sozinha abreviando um nome, como por exemplo Mike D e Chuck D) e de quem eu nunca tinha ouvido falar me preocupou um pouco 🙂 O fato dele ser tão imoral também me incomodava um tanto, já que eu sou um camarada que tenta ser “politicamente correto”…
Mas eu não conseguia esquecer do rosto de Snoop Doggy Dogg, e várias vezes quase comprei o primeiro cd solo dele, Doggystyle, lançado em 1993 (nesta época, ele já tinha sido a sensação do cd de Dr. Dre, The Chronic, de 1992) – mas um certo pudor me impediu. Ao mesmo tempo que aquele tipo de som me atraía, eu não achava certo colaborar com um cara que, diziam, glorificava a violência e chamava as mulheres todas de p***. Mas alguns clipes na MTV finalmente me convenceram: o cara, em cena, é absolutamente carismático. Não dá pra tirar o olho dele, como se ele fosse um James Dean ou uma Mel Lisboa dos videoclipes de rap. Seu olhar enigmático, meio mau, meio debochado, meio alucinado simplesmente não é algo que se encontre na esquina. O cara tem estilo, eu pensava, e este rap funkeado é tudo o que eu sempre quis ouvir.
Pois é – então lá fui comprar o segundo cd solo dele, chamado Tha Doggfather. Fez menos sucesso que o anterior, Doggystyle, e a crítica meio que falou mal (diziam que este cd era bem pior que o outro, estas coisas). Mas o que importava isto? Este era o meu primeiro cd de Snoop Doggy Dogg!!! E o que isto exatamente quer dizer?
Na época de Tha Doggfather eu comprei uma revista Spin com uma grande reportagem com Snoop Doggy Dogg, e lá no meio dizia que, ao contrário de quase todos os outros rappers, ele era um artista – tinha uma pequena explicação técnica sobre a voz dele, o “segredo” da arte de Snoop Doggy Dogg. Pena que eu não tenho mais aquela revista comigo, pois para mim é bem difícil explicar a sua maneira de cantar. Mas vou tentar. Primeiro, ele tem um balanço notável na voz, mais ou menos como um Zeca Pagodinho do rap: basta uma frase para a gente ficar com vontade de dançar junto. Snoop Doggy Dogg consegue um máximo de resultado com um mínimo de esforço. Mas tem mais que isto: além do balanço, a voz dele é original, com um timbre anasalado e bem diferente do comum – e que, ainda por cima, vai do grave ao agudo com grande facilidade. Somando a isto o balanço do gangsta rap do produtor Dr. Dre (ver http://fabricio.diaryland.com/eminem1.html) temos um som absolutamente irresistível.
E assim fui ficando fã. Fui comprando quase tudo o que ele lançou: “Da game is to be sold, not to be told”(já como Snoop Dogg – quando saiu da gravadora Death Row e foi para a No Limit Records ele tirou o Doggy no meio do nome), de 1998; “No Limit Top Dogg”, de 1999; “Snoop Dogg presents Tha Eastsidaz”, de 2000; “Tha Last Meal”, de 2000. Também comprei os supracitados “The Chronic” e “Doggystyle” e a coletânea de sobras “Dead Man Walkin”, lançada em 2000. Dificilmente eu daria menos que 10 para um disco de Snoop (Doggy) Dogg, mas acho, como toda a crítica, que os dois primeiros são os melhores mesmo. Repito, entretanto, que todos merecem nota 10. O mais recente, “Tha Last Meal”, tem menos balanço e suíngue que os outros (uma tentativa de Snoop Dogg soar igual aos outros rappers de hoje me dia?), e é aquele que eu mais sofreria para dar a nota máxima…
Mas tem muita coisa cantada por Snoop Dogg por aí e que eu nunca ouvi, já que ele faz participações especiais em grande número de cds de outros artistas. E um grande número de rappers canta com ele em seus cds também (por exemplo, Dr. Dre, Nate Dogg, Tha Eastsidaz, Kokane, Big Snoop Dogg).
A vida de Snoop Doggy Dogg foi bastante atribulada: nascido em 20 de outubro de 1972, cresceu em Long Beach, na Califórnia, e depois de terminar o segundo grau foi preso pela primeira vez, por porte de cocaína – nos três anos subseqüentes ainda foi preso diversas vezes. A música impediu que ele entrasse para a vido do crime, mas, mesmo assim, foi preso em 1993 (depois do sucesso do cd “Doggystlye” portanto) por cumplicidade em assassinato – foi absolvido. Ele é casado e tem dois filhos – que, segundo um encarte de cd, deram “uma razão” para ele viver.
Quanto às letras, pelo fato de terem tanta má fama eu, que nunca fui muito ligado em letras mesmo, quase não presto atenção. Mas o número de “I don`t love hoes” (eu não amo putas), de declarações de amor à maconha, de grosserias e de palavrões é tão grande que a gente acaba pegando alguma coisa (francamente, me divirto com o que entendo!). Ano passado li, por necessidade, as letras de “No Limit Top Dogg” – mas a quantidade de gírias é enorme, é difícil para um brasileiro entender tudo.
Uma coisa legal que me aconteceu recentemente foi ter pego vários clipes de Snoop Doggy Dogg pela internet – que é a trilha sonora do diário hoje. É impressionante ver a expressão dele no começo de carreira – a expressão de um rapaz acuado, assustado, de mal com o mundo e que não olha para cima – com a de Snoop hoje, bem resolvido, debochado às vezes, com uma cara alucinada e agressiva outras. Mas sempre extremamente carismático. E a cena do clipe de “2 of Americaz Most Wanted”, com Snoop e Tupac Shakur dançando num tribunal (na qualidade de réus, claro) é simplesmente inesquecível.
Ah, e quantas horas por semana, em média, eu escuto Snoop (Doggy) Dogg? Não sei – só tenho certeza que são muitas. Não me incomodo mais, portanto, com o fato dele ser tão mal falado por aí. Fã que é fã não se incomoda com estas coisas, né?
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