Eu vivia cansado por causa dos treinos. Além de nadar, eu comprava muitos discos: basicamente LPs indicados pela extinta Revista Bizz ou LPs de música clássica (principalmente Bach). Trazer um LP para casa era uma emoção bacana, e o fato de estar sempre cansado fazia com que eu frequentemente dormisse na primeira audição do disco – e isto só aumentava a graça da coisa toda.
Nem sempre os discos que a Bizz recomendava eram aquilo que o crítico dizia que eram. Muitas vezes eu me forçava a gostar de alguma coisa que, no fundo, não achava assim tão bom. Mesmo dos Smiths eu não gostava tanto: achava a musicalidade deles muito luminosa, mas no fundo não me impressionava tanto. Só virei fã da banda mesmo quando comecei a entender inglês – mas isso foi bem mais tarde.
Em sua crítica, a Bizz reclamou enormemente da capa brasileira de “Brotherhood”, do New Order: segundo a revista, não havia nada que referenciasse o grupo escrito na versão original, mas o engraçadinho que mexeu na edição brasileira inseriu o nome da banda, possivelmente para que os compradores não confundissem a capa com os plásticos que separam os discos por categoria nas lojas (ver a foto que acompanha este texto).
De todo modo, a Bizz falava muito bem do disco, e foi com a melhor das expectativas que eu trouxe “Brotherhood” para casa e o coloquei no toca-discos. A faixa que ouvi então, “Paradise”, era de uma beleza tão luminosa e de uma alegria tão contagiante que me fizeram concordar integralmente com a crítica. Parecia que finalmente estava valendo mesmo a pena gastar tanto dinheiro com LPs de rock – eu, que sempre achara a música erudita muito superior à música pop.
Décadas se passaram e hoje resolvi ouvir “Paradise” em mp3. Acho que finalmente consegui entender o segredo dela dentro do meu contexto pessoal na época: esta música (e o disco “Brotherhood” como um todo, acho) me colocava, de algum jeito misterioso, em um lugar melhor, onde as pessoas são felizes e a beleza vale a pena. Uma realidade paralela, muito diferente do meu dia-a-dia naqueles dias tristes.
Só depois de chegar a esta conclusão, após umas três audições, é que reparei que a tradução de “Paradise” é paraíso em português.
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