O regime nazista, comandado por Adolf Hitler na Alemanha, foi um dos mais brutais de todos os tempos, senão o mais brutal: não só provocou a Segunda Guerra Mundial como assassinou friamente, fora dos campos de batalha, cerca de seis milhões de judeus, quinhentos mil ciganos e cinco milhões de pessoas de outras etnias. Toda esta barbárie ainda chama muito a atenção dos historiadores e do público em geral, e novos lançamentos de história e de ficção abordam diferentes aspectos do regime nacional-socialista.
Falecido recentemente, o historiador alemão Joachim Fest escreveu aquela que é considerada por grande parte dos especialistas como a melhor de todas as biografias de Adolf Hitler. O segundo volume desta obra foi relançado recentemente (o primeiro tinha saído em 2005): Hitler – vol. 2 (Nova Fronteira, 528 páginas).
O primeiro tomo cobria a vida de Hitler desde o seu nascimento até a posse como Chanceler (cargo equivalente ao Primeiro-Ministro de um país parlamentarista) alemão, em 30 de janeiro de 1933. Hitler – vol. 2 inicia-se nesta data e termina com a morte do Führer no seu bunker em Berlim, quando da derrota da Alemanha em 1945.
Os dois volumes desta biografia são extremamente detalhados, precisos e bem escritos, fruto de um trabalho sério e obsessivo do historiador. Merecem totalmente o imenso prestígio que obtiveram ao longo dos anos, desde a sua publicação na Alemanha em 1973.
Para o leitor leigo, uma boa introdução ao modo nazista de pensar e de governar encontra-se em Itália Nazista e Alemanha Nazista (Madras, 180 páginas), escrita pelo catedrático de História Européia Moderna da Universidade Estadual da Carolina do Norte Alexander J. De Grand. A obra faz uma comparação entre os regimes fascista da Itália e nazista da Alemanha em relação a assuntos como a marcha para o poder, os sistemas econômicos, as comunidades, a cultura, os militares, a expansão e a guerra.
Dificilmente alguém que não tenha ficado chocado com a barbárie nazista não tenha algum dia se perguntado como estaria hoje o mundo se o Eixo – aliança entre a Alemanha, a Itália e o Japão – tivesse vencido a Segunda Guerra Mundial. Uma fantasia – tétrica, como não poderia deixar de ser – neste sentido foi criada pelo escritor de ficção científica Philip K. Dick no romance O homem do castelo alto, publicado originalmente em 1962 e apenas agora lançado no Brasil (Aleph, 304 páginas).
O livro mostra como seria o início dos anos sessenta após a derrota dos Aliados. Neste assustador mundo fictício, os japoneses governam a Costa Oeste dos Estados Unidos e a Alemanha, a Costa Leste. Hitler está tão doente que já não tem mais condições de governar, e o ditador do Reich agora é o antigo fiel escudeiro do ex-Führer, Martin Bormann. Os dirigentes nazistas (como sempre ocorrera, aliás), travam ferozes lutas internas por nacos de poder: com Heinrich Himmler já falecido, os mais importantes mandatários alemães são o ministro da aeronáutica e ex-vice premiê Hermann Göring, o ministro da propaganda Joseph Goebbels, o ex-dirigente da juventude nazista, o moderado Baldur Von Schirach, e os cruéis Arthur Seyss-Inquart e Reinhard Heydrich – que, na ficção de Philip K. Dick, não tinha sido morto em decorrência de um atentado em Praga perpetrado por terroristas tchecos, conforme realmente ocorreu no ano de 1942. Na África, os nazistas promoveram um monstruoso genocídio contra a população negra e, em todo o mundo, dão total publicidade ao assassinato em massa de judeus nas câmaras de gás – que continua, claro, com todo o fôlego. Os eslavos que não são escravizados ou assassinados são mandados para regiões distantes da Sibéria. Não satisfeitos em colonizar a Terra, os alemães mandam os primeiros seres humanos para Marte. Ainda na parte tecnológica, os nazistas criam foguetes de linhas comerciais que fazem o trajeto Estados Unidos-Europa em menos de uma hora.
O homem do castelo alto se passa na Costa Oeste dos Estados Unidos, na região de San Francisco. No romance, os americanos são cidadãos de segunda classe, totalmente subjugados ao poder japonês, que é bem menos agressivo que o correspondente nazista: o governo imperial permite alguma liberdade de imprensa e jamais perseguiu judeus. Os japoneses, além disso, admiram a cultura americana, apreciando o jazz e o blues, e colecionam objetos fabricados nos Estados Unidos no período anterior à Segunda Guerra Mundial.
O livro conta a história de alguns personagens – quase todos aficionados pelo milenar livro chinês de adivinhação, o I Ching – vivendo nesta Costa Oeste fictícia. O espião alemão que quer, com grande risco de vida, passar informações extremamente importantes para o governo japonês. O artesão judeu que fez operações plásticas e mudou seus documentos para esconder sua origem. A mulher problemática que namora um rapaz pretensamente italiano que ela acaba descobrindo ser um espião alemão preparado para assassinar o escritor de um romance que contava a história de um mundo em que o Eixo perdeu a guerra. O comerciante americano de objetos antigos que está sempre querendo agradar os superiores japoneses. O burocrata japonês que sofre com as políticas nazistas e com as guerras de espionagem.
O homem do castelo alto é um livro sombrio e melancólico, e que gruda na memória do leitor.
Se a obra de Philip K. Dick angustia quando trata de um tempo presente que poderia ter acontecido com a vitória alemã na Segunda Guerra Mundial, Diário de um skinhead – um infiltrado no movimento neonazista, do jornalista espanhol Antonio Salas (Planeta, 280 páginas) assusta ao falar do nazismo “de verdade” nos dias atuais. O autor, que utilizou um pseudônimo para assinar o livro por motivos óbvios, passou mais de um ano como infiltrado entre violentos skinheads espanhóis, sempre filmando tudo com uma câmera escondida. O risco que ele correu nesta empreitada foi, obviamente, enorme, e o jornalista brasileiro Tim Lopes, brutalmente assassinado por traficantes cariocas ao fazer uma reportagem semelhante em 2002, é citado no livro do espanhol para dar uma idéia do perigo da situação.
Para infiltrar-se na extrema-direita espanhola, Salas começou pelo maior meio de comunicação dos skinheads na atualidade: a internet. Ele demorou cerca de três meses – por segurança, sempre em lan houses – navegando por chats e sites nazistas, entrando em contato com pessoas do movimento, aprendendo sua gíria especializada e seus códigos de conduta, antes de pegar coragem e conhecer pessoalmente alguns de seus objetos de estudo. Como era de se esperar, para ser um infiltrado convincente ele rapou o cabelo, passou a se vestir como um skinhead e a defender (somente em público, claro) idéias nazistas. As muitas aventuras perigosas pelas quais Salas passou e os sentimentos – muitas vezes contraditórios e surpreendentes – que ele teve neste empreitada perigosa são narrados com grande detalhe, resultando numa leitura de grande impacto na maior parte do tempo. Entre os resultados mais importantes da investigação do jornalista estão a descoberta das íntimas ligações dos skinheads com os partidos legais de extrema-direita (que sempre negaram este contato) e com muitas torcidas organizadas do futebol espanhol – o que ajuda a explicar o recente aumento do racismo observado em arquibancadas européias.
(publicado Revista Dominical do Jornal O Estado do Paraná, Curitiba (PR), em 15 de outubro de 2006)
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