“O nome e o sangue”, de Evaldo Cabral de Mello
História

“O nome e o sangue”, de Evaldo Cabral de Mello

28 de janeiro de 2018 0

“O novo século, que era o XVIII, começou bem para o sargento-mor Felipe Pais Barreto, senhor do engenho Garapu no Cabo: Sua Majestade, que Deus guardasse como todos os seus vassalos haviam mister, concedera-lhe a mercê de cavaleiro da Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, com 12 mil réis anuais de pensão efetiva. Era a coroação de uma carreira que iniciara como soldado da tropa de primeira linha da capitania de Pernambuco e que prosseguira na milícia como capitão e sargento-mor das ordenanças da freguesia do Cabo, além dos cargos honrosos da gestão municipal de Olinda. Pelos estatutos da Ordem, cumpria-lhe agora passar pelas “provanças”, isto é, a investigação sobre sua ascendência, destinada a averiguar se preenchia os requisitos indispensáveis, entre outros a limpeza de sangue. ”

O trecho inicial de “O nome e o sangue”, de Evaldo Cabral de Mello (1936- ), historiador e diplomata pernambucano, membro da Academia Brasileira de Letras e irmão do poeta João Cabral de Melo Neto, reproduzido acima, apresenta o drama mostrado na obra: Felipe Pais Barreto, como coroamento de sua carreira de sucesso no século XVIII em Pernambuco, visava ser aceito na Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo – mas para isso tinha que provar que não tinha sangue judeu, mesmo distante, na sua ascendência.

Em 1492, na Espanha, os judeus foram obrigados por Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão à conversão forçada ao catolicismo – ou a expulsão para os que não se submetessem. Muitos deles emigraram para Portugal até que, em 1497, o rei D. Manuel toma a mesma medida contra os judeus de seu país. Aqueles que se convertiam e permaneciam na Península Ibérica e suas colônias eram chamados de cristãos novos – e a luta de Felipe Pais Barreto mostrada em “O nome e o sangue” é exatamente no sentido de provar, para poder entrar na Ordem Nosso Senhor Jesus Cristo, que ele não tinha sangue hebreu nas veias. Mas Felipe Pais Barreto tinha, por mais que utilizasse todos os meios possíveis (legais e ilegais) para esconder esse fato – como mostra, com impressionante e detalhada riqueza documental, Evaldo Cabral de Mello em seu livro.

Hoje é até risível a preocupação com o sangue de um antepassado distante; mas o que o livro mostra, de maneira avassaladora, é como este tema era fundamental para a sociedade do Brasil Colônia no séc. XVIII. Para quem diz que o mundo só piora, nada como uma bela aula de história – como esta apresentada neste espetacular “O nome e o sangue”.

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