“Condenada”, de Chuck Palahniuk
Literatura

“Condenada”, de Chuck Palahniuk

26 de novembro de 2017 0

Madison é a filha de uma atriz e de um produtor de cinema, ambos ricaços. Quando ela aparece no início de “Condenada”, do romancista americano Chuck Palahniuk (LeYa, 304 páginas), está presa em uma cela no inferno, para onde foi levada depois da morte por overdose de maconha (!). O inferno é um lugar hostil: a primeira dica que os outros moradores de lá lhe dão é que “não tocasse nas grades das celas”, porque são gosmentas. Ela também não deveria comer as guloseimas do chão, endurecidas como se fossem pedras. De vez em quando chega uma entidade demoníaca, entediada, e come um dos seus vizinhos de cela – mas, como ali a danação é eterna, os engolidos voltam “à vida”.

Madison e alguns amigos – a cheerleader bonita e vulgar, o punk, o nerd que sabia com detalhes a história de cada entidade demoníaca que atormenta os moradores do inferno – conseguem sair das celas e fazem uma excursão por lá. É quando Madison vai descobrindo a quantidade enorme de lugares nojentos do local: O Grande Oceano De Esperma Não Aproveitado, O Lago da Bile Tépida, O Mar de Insetos, As Grandes Planícies de Lâminas de Barbear Descartadas – isso sem contar o fedor e a sujeira que infestam boa parte do lugar. Sem transição, Madison, que conta o livro em primeira pessoa, descreve sua atividade como operadora de telemarketing: ela e outros moradores do inferno ligam para pessoas vivas na  Terra para atormentá-los, sempre na hora das suas refeições, com perguntas para pesquisas inúteis. Em outro momento, Madison e seus amigos atacam vários líderes maus do inferno – como Hitler e a Condessa Bathory, uma das maiores, senão a maior, assassinas em série da História – e assim conseguem um bando enorme de seguidores. E assim a vida da personagem no inferno vai sendo contada…

Qualquer motivo é motivo para passar a eternidade nas trevas: quem buzinar mais de quinhentas vezes durante a vida vai para o inferno; do mesmo modo, quem descartar mais do que cem bitucas de cigarro ou defender o humanismo secular, o relativismo moral e a expansão da consciência Gaia têm destino certo junto a Satã. Lá pelas tantas, Madison que comenta que aqueles evangélicos malucos que condenam qualquer tipo de homossexualismo ou adultério é que estão certos – quem não for como eles também está condenado.

Paralelamente à descrição de sua vida no inferno, Madison conta como tinha sido sua vida aqui na Terra: seus pais eram “ex-hippies, ex-punks, ex-rastafáris” que, por trás de um discurso politicamente correto, só queriam saber de aparecer e de ganhar dinheiro: por exemplo, adotavam crianças de países pobres, levavam-nos para colégios internos e nunca mais os viam; enchiam seu avião de material reciclável, ao mesmo tempo que gastavam fortunas de combustível (usando combustíveis fósseis, é claro) para ir de um lado para outro mundo afora. Pior que isso, davam drogas legais e ilegais para sua filha ainda criança, para que esta abrisse sua mente: mais uma provocação deste livro instigante, que é o início de uma trilogia semelhante à da Divina Comédia de Dante – “Condenada” descreve o inferno e “Maldita”, o próximo da série, o purgatório; o livro do céu ainda não foi publicado.

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