Os textos introdutórios da edição da Penguin-Companhia das Letras de “Clara dos Anjos”, de Lima Barreto (304 páginas), escritos por Beatriz Resende, Lúcia Miguel Pereira e Sérgio Buarque de Holanda, apontam alguns defeitos do livro – como a falta de profundidade psicológica da personagem-título e do sujeito que a seduziu, Cassi Jones: realmente, não é um começo muito animador.
“Clara dos Anjos” foi um projeto que Lima Barreto acalentou desde o início de sua carreira de escritor. Inicialmente sua ideia era escrever um romance de grande alcance e que abarcasse várias gerações. À medida que os anos foram passando ele escreveu outros livros (como “Triste Fim de Policarpo Quaresma” e “Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá”) e o projeto de “Clara dos Anjos” foi ficando em segundo plano. Já no final da sua vida, em 1920, foi publicada a primeira versão do livro, em forma de conto. A versão final da obra foi publicada postumamente, em forma de folhetim, entre os anos de 1923 e 1924.
Clara dos Anjos é uma mulata pobre, filha de um carteiro e de uma dona de casa, que é cuidada com toda a atenção pelos pais na casa da família num subúrbio carioca. Numa época – começo do sec. XX – em que a gravidez antes do casamento costumava significar uma verdadeira desgraça para o resto da vida para as moças e suas famílias, o excesso de atenção dos pais de Clara era justificado. O seu sedutor, Cassi Jones, era um rapaz de família rica que não estudava e ganhava alguns trocados com o jogo e a briga de galos. Mas sua grande paixão era deflorar meninas virgens e fazer sexo com mulheres casadas. Seu comportamento era tão reprovável que seu próprio pai não queria mais vê-lo na frente – ele só conseguia morar no porão da casa da família porque a mãe ainda o defendia na medida do possível. O desenlace da sedução de Clara por Cassi Jones é dramático, e indicava a amargura que o mulato Lima Barreto sentia vivendo na sociedade brasileira racista da época.
Mas “Clara dos Anjos” é ainda mais do que isto. A descrição dos personagens secundários – como Marramaque, o padrinho de Clara, Meneses, um dentista alcoólatra, e Flores, um poeta fracassado – e das paisagens têm grande importância no decorrer da obra, que acaba por apresentar um amplo painel dos tipos e dos lugares dos subúrbios do Rio de Janeiro da época.
O fato é que a leitura de “Clara dos Anjos” é altamente recompensadora: o romance é uma verdadeira obra-prima da literatura brasileira.
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