Olá, José Augusto Lemos
Música

Olá, José Augusto Lemos

28 de setembro de 2015 0

Deixa eu me apresentar: meu nome é Fabricio Muller, tenho 33 anos, sou casado, tenho uma filha e sou engenheiro. Pode ser que você se lembre de mim. Quando você escreveu aquela famosa crítica contra o show do Paul McCartney no Maracanã, você recebeu uma chuva de cartas contra. (E pelo menos uma, a minha, a teu favor!) Eu te escrevi uma longa carta, procurei todas as minhas Bizz antigas, citei todas as muitas críticas que eu tinha praticamente decorado, e completei dizendo que quem falava mal de você não te lia, quem falava mal de você não te conheceu. Você me respondeu a mão dizendo que tinha se emocionado (mesmo – sublinhado) com a carta que eu tinha te mandado.

Fora este momento mais “intenso”, eu escrevi outras três cartas, estas publicadas pela Bizz: duas numa briga dos críticos da revista contra o Ira! e outra descendo a ripa na votação dos Smiths entre os piores. Na edição em que esta minha carta foi publicada, você escreveu uma crítica maravilhosa sobre o cd do meu grande ídolo, Morrissey, e ainda falando mal dos idiotas que votaram em Meat is Murder como oitavo pior disco de todos os tempos. A minha carta, na ocasião, foi a única, das dezenas publicadas, que teve resposta. Eu pedia para ver a lista dos votantes, queria saber quem votou em quem – e não admitia que me dissessem que faltou espaço, pois a revista tinha publicado dez (dez, meu Deus!) páginas com os Titãs.

Eu nem sei por onde começar a contar da influência que você teve no meu gosto musical. Acontece que eu ainda lembro bem claramente de muito o que você escreveu lá (de cabeça mesmo – eu não tenho mais a coleção comigo, e me arrependo de tê-la jogado fora). Eu lembro do que você escreveu sobre o Prince, sobre o Roxy Music, sobre o Echo (aquela crítica do show, nossa!), sobre o Joy Division, sobre o Cabaret Voltaire, sobre o último show gravado dos Smiths, sobre os Doors (o Best of), sobre os Beatles (você nem era tão fã, mas disse que era um “assunto muito sério”), sobre a vinda do Pepe Escobar ao Brasil (ele escreveu que você o acusou de ser culpado pela existência dos darks no Brasil :-))) ), sobre o disco The Queen is Dead, dos Smiths (quando o disco saiu você disse “ame ou odeie, eles estão vivinhos da Silva” e muitos anos mais tarde, já fora da revista, você escreveu uma Discoteca Básica a respeito), sobre a vinda do David Bowie ao Brasil, sobre o The Cure, sobre o show do Morrissey em noventa e pouco, sobre o Glenn Gould, sobre Stockhausen, sobre Miles Davis, sobre Duran Duran, sobre George Michael, sobre João Gilberto etc etc etc. Lembro que você sempre votava em raps para melhores do ano.

Claro, eu era adolescente, influenciável, e gostava de tudo o que você gostava. Ainda mais que você escrevia muito melhor que os outros.

Hoje, vendo retrospectivamente, eu vejo o quanto você foi importante no meu gosto musical: na primeira crítica que li escrita por você, acho que foi na Bizz 11 ou 12, você disse que a mesma pessoa pode – deve – gostar de Sade e Cramps, por exemplo. Isto me marcou até hoje. Ninguém entende como gosto tanto de Schubert quanto de Snoop Doggy Dogg. Tanto de Roberto Carlos quanto de Black Sabbath. Quase tanto de Bach quanto de Morrissey. Apesar de eu sempre ter gostado de música popular e de música clássica ao mesmo tempo, eu tenho certeza que você solidificou minha opinião. Você gostava de punk. Você gostava de soul. Você citou Glenn Gould na Bizz. Você fez um review de um show do Stockhausen no Rio. Você gostava de rock. Você gostava de jazz. Você gostava de música “brega”, às vezes. Quantos críticos “indie” gostam de mais um estilo, hoje? Me dá tristeza quando vejo crônicas destes caras que estão por aí… eu gosto da maioria deles, mas eles não são o José Augusto Lemos. Eles são reconhecida e insistentemente limitados. E têm orgulho disto (veja a Bizz atual, por exemplo, que deserto de homens e ideias – não vai fazer falta, ao menos pra mim). Não, você não era assim.

E você defendia outra ideia que me marcou que eu defendo hoje com unhas e dentes: a equivalência artística da música popular e da música erudita. Eu tenho certeza que muita coisa popular é melhor que muita coisa erudita – são apenas linguagens diferentes, mas a alma da música é que dá qualidade a ela.

E por último, mas não menos importante, você me apresentou Morrissey.

(escrito em 21 de julho de 2001)

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