Fabricio Muller

Fernanda Torres escritora
Cinema, Literatura
Fernanda Torres escritora
6 de janeiro de 2025 at 23:19 0
A vencedora do Globo de Ouro de 2025 de melhor atriz de filme (drama) é também uma excelente escritora. Seguem abaixo os dois textos que escrevi sobre os romances de Fernanda Torres. Aproveitando a vitória dela, acabei de comprar seu livro de crônicas, "Sete anos", sobre o qual logo comento por aqui. ***

“O Fim”

27 de julho de 2015
O início de cada um dos capítulo de O Fim, de Fernanda Torres, é um monólogo interior com os últimos momentos da vida de cada um dos cinco personagens principais da história – na continuação, os capítulos são escritos em terceira pessoa, contando as histórias inter-relacionadas de Álvaro, Sílvio, Ribeiro, Neto e Ciro. Os cinco amigos viveram a grande liberdade de sexo e drogas no Rio de Janeiro entre os anos 50 a 70 e terminam a vida – a partir do início dos anos 90 – deprimidos, solitários e, quase sempre, abandonados pelos familiares mais próximos – a quem haviam negligenciado durante toda a vida.
Fernanda Torres parece querer mostrar, de forma cínica e amarga, que a grande liberdade de costumes daqueles anos loucos pôde transformar quem os viveu em monstros egoístas, autoindulgentes, capazes de trocar qualquer valor moral por um naco de prazer. Quem conhece aquela atriz meio amalucada de Os Normais e das suas, muitas vezes, destrambelhadas entrevistas, não consegue imaginar que seu primeiro romance seria tão sério e, porque não dizer, profundo – mesmo que muitas vezes bem humorado. Pelo menos, não me surpreendi com a qualidade indiscutível de sua prosa: as colunas mensais que ela escreve na Folha já me mostravam que ali estava alguém com um grande talento literário. Fico na expectativa de seus próximos livros. ***

“A glória e seu cortejo de horrores”

22 de abril de 2018
Eu tinha escrito o seguinte sobre o romance anterior de Fernanda Torres, “O Fim”, lançado em 2013: “Quem conhece aquela atriz meio amalucada de Os Normais e das suas, muitas vezes, destrambelhadas entrevistas, não consegue imaginar que seu primeiro romance seria tão sério e, porque não dizer, profundo – mesmo que muitas vezes bem-humorado. Pelo menos, não me surpreendi com a qualidade indiscutível de sua prosa: as colunas mensais que ela escreve na Folha já me mostravam que ali estava alguém com um grande talento literário. Fico na expectativa de seus próximos livros. ” Baseado nisso, quando descobri que Fernanda Torres tinha lançado um segundo romance, “A glória e seu cortejo de horrores” (Companhia das Letras, 215 páginas), comprei-o assim que pude, e o livro é o objeto do presente texto (ela também lançou em 2014 um livro de crônicas, “Sete Anos”, que ainda não li). “A glória e seu cortejo de horrores” conta a história do ator Mario Cardoso, personagem fictício que é uma espécie de exemplar de toda uma geração: ainda jovem, nos anos 60, foi fazer uma espécie de teatro de guerrilha no sertão nordestino; depois, já no Rio de Janeiro, ingressa na produção de “Hair”, exemplar mais famoso do desbunde hipppie; acaba sendo descoberto mais tarde em duas produções de vanguarda, “Tio Vânia”, de Tchekhóv, e “Navalha na Carne”, de Plínio Marcos. O enorme sucesso destas duas montagens acaba por levá-lo à TV, onde faz novelas e fica rico e famoso no país inteiro. Anos depois, abandona a TV e cria uma montagem totalmente fracassada de “Rei Lear”, de Shakespeare – e é com este fracasso que “A glória e seu cortejo de horrores” se inicia: a vida pregressa de Mario Cardoso é contada por meio de suas reminiscências. Confesso que eu achava irritantes boa parte das entrevistas do extinto programa de entrevistas do Jô Soares com atores, frequentemente se auto elogiando, falando maravilhas de seus próprios trabalhos: a acreditar em boa parte de que eles falavam de si mesmos no programa do Jô, o teatro é uma arte espetacular, os atores são pessoas especiais, participar de peças é sempre recompensador e especial. Em “A glória e seu cortejo de horrores” há muito pouco deste discurso cansativo: é ressaltada, claro, a importância do teatro e da arte, mas o próprio Mario Cardoso não cansa de repetir que a maior característica dele é a vaidade, o amor por si mesmo. É claro que no romance as coisas não são assim tão esquemáticas: afinal de contas, mais do que uma ótima atriz, tenho a impressão de que Fernanda Torres é, mesmo, uma grande escritora, que escreveu mais um grande livro. E grandes livros têm mais de uma leitura possível. *** (Foto que acompanha o texto obtida no Gshow)
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Auschwitz por dentro e por fora
Cinema, História
Auschwitz por dentro e por fora
5 de janeiro de 2025 at 19:09 0
O filme começa em um cenário idílico, numa beira de rio: alguns jovens, crianças e casais se divertem e relaxam numa bela paisagem com um linda vegetação. As pessoas têm uma tonalidade de pele muito clara, uns são loiros, alguns rapazes estão sem camisa. Eles voltam por um bonito caminho no meio do mato. A casa de um casal do grupo citado acima é grande, bonita, com belos jardins perfeitamente cuidados - lembra um pouco a perfeição dos jardins de "Playtime - tempo de diversão", clássico de Jacques Tati de 1967. As cenas de lugares bonitos com uma linda vegetação também lembram a cidade onde vivem os personagens principais da primeira temporada da série "O conto da aia", baseada no romance homônimo de Margaret Atwood. O filme em que questão é "Zona de interesse" (direção de Jonathan Glazer, Estados Unidos, Reino Unido e Polônia, 2023, 105 minutos, disponível no Prime Video), e não é nenhuma comédia que debocha da modernidade do final dos anos 1960, como "Playtime", e nem uma história fictícia que ocorre num futuro distópico, como "O conto da aia". O casal que mora na linda e bela casa é formado por Rudolf Höss (vivido por Christian Friedel), que foi o comandante do campo de extermínio de Auschwitz e é considerado por muitos o maior assassino em massa da história, e sua esposa Hedwig Höss (vivida por Sandra Hüller). "Zona de interesse" é baseado numa história tragicamente real. O principal acontecimento do filme é a tentativa dos superiores de Höss de tirá-lo do cargo de comandante do campo de extermínio, e o desespero dele e da sua mulher, que lutam para a sua permanência no posto. O horror do lugar é lembrado só de vez em quando, como quando se ouve o grito de alguns prisioneiros, ou quando se percebe que o comportamento das empregadas de  Hedwig Höss é estranhíssimo: elas são judias e basicamente não falam e nem olham para cima. Na maior parte do filme tudo é limpo, organizado, bonito e funcional. É assustador. Não à toa Steven Spielberg acha que "Zona de interesse" é o melhor filme sobre o Holocausto já feito. Se tudo é assustadoramente limpo e organizado em "Zona de interesse", em "O filho de Saul" (dirigido por László Nemes, Hungria, 2015, 107 minutos) tudo é exatamente o seu contrário: o filme conta a história de Saul Ausländer (Géza Röhrig), um prisioneiro de Auschwitz que trabalha jogando os cadáveres assassinados nas câmaras de gás num crematório, num ritmo de trabalho inumano. Lá pelas tantas Saul acha que um menino que sobreviveu ao gás e foi posteriormente assassinado por um guarda nazista é seu filho, e ele tenta dar um enterro digno e religioso para o garoto. Não vou contar mais para não dar spoiler. A câmera, em close-up, fica grande parte do tempo filmando a frente e as costas de Saul Ausländer, deixando quase todo o resto fora de foco. Isso acaba deixando uma sensação de permanente desconforto no espectador, como se toda a violência que os prisioneiros vivem não fosse o suficiente. Em "O filho de Saul" basicamente não há nenhum momento de trégua, e provavelmente este filme consegue dar uma ideia bastante verossímil do inferno que era ser prisioneiro em Auschwitz - bastante diferente, aliás, da visão paradisíaca que Rudolf Höss e Hedwig Höss tinham da vida a um muro de distância. (Agradeço especialmente ao crítico André Barcinski, por me chamar a atenção num vídeo no YouTube sobre "Zona de interesse", e a meu grande amigo Antonio Carlos Sandoval Pedro, o Nash, que é especialista em cinema e comentou "O filho de Saul" em uma apresentação com debate na UFPR alguns anos atrás. A imagem que acompanha o texto, de "O filho de Saul", foi obtida no site "O plano crítico".)
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Livros lidos recentemente
História, Literatura, Religião
Livros lidos recentemente
28 de dezembro de 2024 at 18:10 0
"Nação tomada pelo medo", de Thom Yorke & Stanley Donwood (Darkside, tradução de João Paulo Cuenca, 168 páginas, publicado originalmente em 2021): a poesia de Thom Yorke, vocalista da grande banda britânica Radiohead, é claustrofóbica, estranha e de forte crítica social. Os desenhos deste lindo livro em capa dura, a cargo de Stanley Donwood, são tão impressionantes quanto. Foi bom ter tatuado o símbolo da banda no braço, ele aparece em grande parte dos desenhos de "Nação tomada pelo medo". *** "O livro dos espíritos", de Alan Kardec (FEB, tradução de Guillon Ribeiro, 367 páginas, publicado originalmente em 1857): o cemitério de Père Lachaise, em Paris, é famoso por ser o descanso final de gente muito famosa, como Oscar Wilde, Marcel Proust e Jim Morrison, vocalista da banda americana The Doors - mas o túmulo mais visitado é o do criador do espiritismo, Alan Kardec, graças aos espíritas brasileiros que vão até lá render homenagens ao fundador desta religião extremamente popular por aqui, mas basicamente esquecida no resto do mundo (obtive boa parte dessas informações num documentário da TV francesa). "O livro dos espíritos" é escrito em forma de perguntas e respostas, e é o primeiro livro que os interessados nesta religião normalmente devem ler. *** "A revolução dos bichos", de George Orwell (Companhia das Letras, tradução de Heitor Aquino Ferreira e posfácio de Christopher Hitchens, 147 páginas, publicado originalmente em 1945): eu era pré-adolescente quando li esta obra-prima pela primeira vez. Ainda tinha ilusões socialistas, e foi um choque para mim. Além disso, não sabia da relação de "A revolução dos bichos" com Stálin e Trótski. A releitura me confirmou que George Orwell sabia das coisas. *** "Maigret sai em viagem", de Georges Simenon (L&PM Pocket, tradução de Alessandro Zir, 164 páginas, publicado originalmente em 1958): neste livro o famoso Inspetor Maigret investiga um crime na alta sociedade. Simenon é sempre muito bom, mas não gostei muito da solução do crime neste romance. *** "Mistérios de Curitiba", de Dalton Trevisan (Record, 141 páginas, publicado originalmente em 1968): "A palavra do Senhor contra a cidade de Curitiba no dia de sua visitação: / Suave foi o jugo de Nabucodonosor, rei de Babilônia, diante de Curitiba escarmentada sob a pata dos anjos do Senhor como laranja azeda que não se pode comer de azeda que é. / Gemerei por Curitiba: sim, apregoarei por toda a Curitiba a nuvem que vem pelo céu, o grito dos infantes a anuncia; porque o Senhor o disse." E assim por diante. *** "O queijo e os vermes - o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela Inquisição", de Carlo Ginzburg (Companhia de Bolso, tradução de Maria Betânia Amoroso, 256 páginas, publicado originalmente em 1976): Domenico Scandella, conhecido por Menocchio, era um moleiro da região do Friuli, na Itália, e que nasceu em 1532. Ele não só sabia ler e escrever, numa época em que pessoas de sua classe social eram quase sempre analfabetas, como suas leituras o faziam ter ideias sobre a origem do mundo. Segundo Menocchio, a vida e mesmo Deus surgiram de uma massa pastosa inicial, assim como os vermes surgem - conforme a crença da época - do queijo. Sabemos da vida e das ideias de Menocchio porque ele foi longamente interrogado pela Inquisição, com tudo registrado. "O queijo e os vermes" apresenta uma história insólita, tão esquisita e fascinante quanto aquela dos benandanti, descritos em outra obra do mesmo autor, "Os andarilhos do bem", comentado aqui. *** "Da próxima vez, o fogo", de James Baldwin (Companhia das Letras, tradução de Nina Rizzi, 128 páginas, publicado originalmente em 1962): composto por dois textos, o curto "Carta a meu sobrinho em ocasião do centenário da abolição", e "Carta de uma região de minha mente", este livro é, segundo a contracapa, um "clássico incontornável no debate sobre os direitos civis nos Estados Unidos". Nesta obra extraordinária, Baldwin não só discute as raízes e as consequências do racismo norte-americano, como se mostra um tanto impiedoso contra seu próprio passado como pregador protestante. *** "Clímax", de Chuck Palahniuk (LeYa, tradução de Érico Assis, 224 páginas, publicado originalmente em 2014): C. Linus Maxwell (apelidado de ("ClíMax") é um milionário que cria artefatos eróticos para mulheres, mas não quaisquer artefatos: os produtos da sua indústria deixam as usuárias viciadas como se fossem dependentes de heroína ou fentanil - com todos os problemas graves que vêm junto com o uso desenfreado de drogas pesadas. Os romances de Chuck Palahniuk são sempre esquisitos, mas aqui ele pesou a mão na estranheza. E eu, claro, gostei, como sempre. *** "As pessoas parecem flores finalmente", de Charles Bukowski (L&PM Editores, tradução de Claudio Willer, 311 páginas, publicado originalmente em 2007): diz a lenda que o filósofo e escritor Jean-Paul Sartre chamava Bukowski de "o maior poeta da América", mas parece que isso era uma mentira inventada pelo próprio poeta. Neste, que é o primeiro livro de poesia do autor que já li, os temas são os mesmos de grande parte de sua prosa: bebedeiras, corridas de cavalos, a vida de escritor, sua mulher e sua filha. Mas aqui há uma maior objetividade, e, por que não? - um maior lirismo.
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Is John John a brother of Resistência?
Impressões, Textos em outras línguas
Is John John a brother of Resistência?
21 de dezembro de 2024 at 19:06 0
I consider myself a center-right liberal, as I mentioned in the section called “Energy” of my third book, “Rua Paraíba”. In today’s political political controversy, I can consider myself an “isentão”, an unbiased person, the guy who is hated by both sides of the fight. But the text here is not about politics, rest assured. President Lula’s dog Resistência (resistance in English) was probably born in 2018. According to a post by President Lula on Facebook,
“a small black mongrel crossed the crowded Via Rápida in the Santa Cândida neighborhood, one of the highest and coldest in Curitiba. Swerving between cars and frightened by the noise of the horns, the little puppy trembled and cowered when two men who were passing by finally took her in. It was April 2018 and the two were not from there. Marquinho and Cabelo, metalworkers from São Bernardo do Campo, didn't think twice and, thus, the little dog named Resistência became the first mascot of the then Lula Livre Camp (the camp in front of the Federal Police in Curitiba, where now President Lula was imprisoned).”
According to a report in the Brazilian newspaper Folha de São Paulo on January 1, 2023, the current First Lady Janja Lula da Silva adopted her in June 2018, after Resistência fell ill at the Lula Livre Camp. The little dog then ended up climbing the ramp of the Planalto Palace (literally Plateau Palace, the seat of national executive power) during the president's inauguration. John John, our dog, is so fun that he ended up serving as inspiration for a comic book, “John John's Paradise”, written by André Duarte Curtarelli and Juliana Frank, for which I wrote the afterword, which can be read here on the website. He was adopted on February 2, 2020, the day before my birthday. According to the afterword,
“I didn’t want to have another dog so soon after our poodle Ninon had died. To convince me to keep him, Teresa, my daughter, suggested naming him after my favorite surfer, the American John John Florence.”
When he arrived here at home, he had already spent a little over a year in a pet adoption NGO: our dog had been picked up wandering on a street that I don’t know which one it is, and he always took care of a little dog that ended up being adopted before him. He was probably about two years old when I adopted him, so he must have been born in 2018, just like Resistência. Likewise, the president’s dog, according to the Folha de São Paulo report, has “black fur and white spots on the chest and on the tips of her paws — over the years, the tone has become more grayish,” which is a perfect description of John John’s fur. And they look exactly like each other, as we can see in the photo that accompanies the text. John John may not be a brother of the Resistência, but from everything I wrote above, he seems to be, don't you think?
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Será que o John John é irmão da Resistência?
Impressões
Será que o John John é irmão da Resistência?
15 de dezembro de 2024 at 16:14 0
Eu me considero um liberal de centro-direita, conforme comentei na parte chamada “Energia” do meu terceiro livro, “Rua Paraíba”. No “Fla-Flu” político dos dias de hoje, posso me considerar um “isentão”, o cara que é odiado pelos dois lados da briga. Mas o texto aqui não é sobre política, fiquem tranquilos. A cadela Resistência, do Presidente Lula, nasceu provavelmente em 2018. Segundo uma postagem do Presidente Lula no Facebook,
“uma pequena vira-lata preta cruzou a tumultuada Via Rápida do bairro Santa Cândida, um dos mais altos e mais gelados de Curitiba. Desviando entre os carros e assustada pelo barulho das buzinas, a pequena filhote tremia e se encolhia quando dois homens que passavam pelo local finalmente a acolheram. Era abril de 2018 e os dois não eram dali. Marquinho e Cabelo, metalúrgicos de São Bernardo do Campo, não pensaram duas vezes e, assim, a cachorrinha batizada de Resistência tornou-se a primeira mascote do então Acampamento Lula Livre.”
Segundo uma reportagem da Folha de São Paulo de 1 de janeiro de 2023, a atual primeira-dama Janja Lula da Silva a adotou em junho de 2018, depois que Resistência ficou doente no Acampamento Lula Livre. Depois a cachorrinha acabou subindo a rampa do Palácio do Planalto na posse do presidente. O John John, nosso cachorro, é tão divertido que acabou servindo de inspiração para uma história em quadrinhos, “O Paraíso de John John”, escrita por André Duarte Curtarelli e Juliana Frank, na qual eu escrevi o posfácio, que pode ser lido aqui no site. Ele foi adotado no dia 2 de fevereiro de 2020, véspera do meu aniversário. Segundo o posfácio supracitado,
“eu não queria saber de outro cachorro logo depois que a nossa poodle Ninon tinha morrido. Para me convencer a ficar com ele, Teresa, minha filha, sugeriu batizá-lo com o nome do meu surfista favorito, o americano John John Florence”.
Quando ele chegou aqui em casa, já tinha ficado pouco mais de um ano abrigado numa ONG de adoção de pets: nosso cachorro tinha sido pego vagando numa rua que eu não sei qual é, e sempre cuidava de uma cachorrinha que acabou sendo adotada antes que ele. Ele provavelmente tinha cerca de dois anos quando o adotei e, assim, deve ter nascido em 2018, assim como a Resistência. Do mesmo modo, a cachorra do presidente, ainda segundo a reportagem da Folha de São Paulo, tem “pelagem preta e manchas brancas no peito e na ponta das patas —com o passar dos anos, a tonalidade foi ficando mais acinzentada”, que é uma descrição perfeita da pelagem do John John. E um é a cara do outro, como podemos ver na foto que acompanha o texto. O John John pode até não ser irmão da Resistência, mas, por tudo o que escrevi acima, ele parece ser, não acham?
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Dalton Trevisan (1925-2024)
Literatura
Dalton Trevisan (1925-2024)
10 de dezembro de 2024 at 01:19 2
Eu devia ser ainda criança quando minha mãe me falou de Dalton Trevisan pela primeira vez. Ela tinha alguns livros escritos por ele em casa, fui ler e não levei muito a sério: não devia ser assim tão bom um escritor que falava só de bairros e lugares que eu conhecia. O bairro Barreirinha. A Praça Tiradentes. A Rua das Flores. O prazer que eu tenho com suas histórias é difícil de descrever. Até hoje, se leio um conto dele e vejo citado um lugar em que eu sempre passo, eu sinto um certo arrepio bom. Bobo, mas bom. Por uma dessas coisas que é difícil de explicar racionalmente, passei a sentir de uns dois meses para cá uma grande necessidade de ler seus contos – cheguei a contar para um amigo que estava com cada vez menos vontade de ler ficção, fora J.M. Coetzee e Dalton Trevisan. Comprei quatro livros dele recentemente, já li um – "Mistérios de Curitiba" - e, entre os outros três, um grosso volume chamado “Antologia Pessoal”. Não via a hora de começar a lê-lo. Não via a hora de escrever sobre os contos dos livros que comprei recentemente. Não costumo me abalar muito com a morte de quem não conheço pessoalmente, e não conheci pessoalmente o maior escritor que já nasceu na minha cidade. Mas me abalei MESMO com a morte de Dalton Trevisan. De uma maneira idiota e meio patética, no fundo eu achava que ele era meu amigo. Descanse em paz, gigante. (foto que acompanha o texto obtida na Banda B)
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“A ciência tem todas as respostas?”, de Sabine Hossenfelder
Ciência, Religião
“A ciência tem todas as respostas?”, de Sabine Hossenfelder
8 de dezembro de 2024 at 15:49 0
Não muito tempo atrás escrevi aqui que "quanto a mim, poucas coisas me dão mais tédio do que cientistas ateus filosofando, tentando dar um sentido positivo à vida". No mesmo texto, comentei: "como disse a polêmica – e divertida – física alemã Sabine Hossenfelder  (...), cientistas frequentemente entram no campo da religião (...) quando falam das “grandes questões” (criação e o sentido da vida, eu poderia citar) e (...) não há nada de errado com isso, desde que eles assumam que estão fazendo isso". Minha curiosidade sobre Sabine Hossenfelder me levou a ler, recentemente, seu livro "A ciência tem todas as respostas?" (Editora Contexto, 257 páginas, tradução de Peter Schulz), que analisa vários aspectos da ciência, como o início do universo e da vida, por exemplo. A física alemã é ateia de quatro costados: ela defende, por exemplo, que não existe "livre arbítrio" porque nossos pensamentos, em última análise, são criados por átomos. Ela acha também que a física quântica não é tão surpreendente assim, e que a consciência não atua sobre fenômenos quânticos (não me peça para resumir a explicação dela, não a entendi direito!). Mas ela também acha uma bobagem quando cientistas defendem que Deus não existe, já que a ciência não pode dar esta resposta, simplesmente por falta de provas! Como ela escreve em seu brilhante livro,
"Não me leve a mal. Eu não tenho nada contra pessoas perseguem essas ideias em si. Se alguém achar que isso tem valor por alguma razão, tudo bem para mim - todos devem ser livres para praticar sua religião. Mas eu quero que cientistas estejam atentos aos limites de suas disciplinas. Às vezes, a única resposta científica que pode ser dada é 'nós não sabemos'. É por isso que me parece provável que, nesse processo de descoberta do conhecimento, religião e ciência continuarão a coexistir ainda por um longo tempo. Isso porque a ciência é em si limitada e, onde a ciência termina, buscamos por outros tipos de explicação. (...) Não é que eu queira ser simpática com pessoas religiosas pela única razão de ser agradável. Para começo de conversa, eu não sou exatamente conhecida como uma pessoa agradável. Mais importante do que isso, cientistas que afirmam, como fez Stephen Hawking, que 'não existe a possibilidade de um criador', ou como Victor Stenger, que Deus é uma "hipótese falseada", demonstram que não entendem o limite de seu próprio conhecimento. Eu sinto arrepios quando cientistas fazem essas declarações presunçosas."
O último parágrafo do livro mostra que nem sempre cientistas ateus dão preguiça quando escrevem sobre a vida:
"Então, sim, nós somos sacolas de átomos rastejando por um pálido ponto azul no braço espiral externo de uma galáxia incrivelmente ordinária. E, ainda assim, somos muito mais que isso."
"A ciência tem todas as respostas?" é, sem dúvida nenhuma, o melhor livro de divulgação científica que já li. E é divertidíssimo.
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“O dia em que o céu caiu”, de René Goscinny e Albert Uderzo
Literatura
“O dia em que o céu caiu”, de René Goscinny e Albert Uderzo
24 de novembro de 2024 at 18:11 0
Criada em 1961 por René Goscinny e Albert Uderzo, a série de livros de história em quadrinhos Asterix faz, até hoje, um imenso sucesso no mundo inteiro: além das HQs (traduzidas em mais de 100 idiomas e que já venderam mais de 120 milhões de exemplares) e filmes (de desenho animado e "normais"), até um parque temático nos moldes da Disneyworld foi construído nas imediações de Paris. As histórias da pequena aldeia gaulesa (a Gália se situava onde atualmente é a França) que resiste à dominação romana, pouco antes do início da Era Cristã, graças à poção mágica criada pelo druida Panoramix - que dá uma força sobrenatural a seus habitantes - continua fascinando crianças, jovens e adultos pelo mundo todo. Entre as maiores qualidades das histórias do baixinho e corajoso Asterix podem ser citados: o brilhante traço de Uderzo (que nitidamente foi melhorando a cada nova história criada, até se estabelecer em sua plenitude por volta do episódio "Asterix entre os bretões", lançado em 1966); a esperteza e a inteligência do personagem principal; o conseqüente contraste com a obtusidade de seu melhor amigo Obelix (que caiu num caldeirão da poção mágica quando criança e que, por isto, conquistou uma força sobre-humana para o resto da vida); a sabedoria do druida; os engraçados personagens Abracurcix (o chefe da aldeia), Chatotorix (um bardo que canta insuportavelmente mal) e Ordenalfabetix (o vendedor de peixes que vive se pegando com o ferreiro Automatix) - e não se pode esquecer do charme adicional de histórias em que os não-poderosos (os gauleses, neste caso) sempre vencem os poderosos (aqui, os romanos). Mas sem dúvida nenhuma a qualidade que é a maior responsável pelo imenso sucesso de Asterix são os brilhantes roteiros assinados por René Goscinny, falecido em 1977 - e a morte deste foi uma perda insuperável para a qualidade das histórias do baixinho gaulês, o que se pode comprovar lendo "O dia em que o céu caiu”, HQ recentemente publicada lá fora e também por aqui (Record, 49 páginas). Quem assina o roteiro, como tem feito desde a morte de seu colega, é o desenhista da dupla, Albert Uderzo. A história conta a chegada de duas naves extraterrenas na aldeia gaulesa, uma dos walneydistianos, da estrela Walneydist, que são mais bonzinhos; a outra nave é dos nagmas, seres ambiciosos e sem escrúpulos vindos do planeta Gnama que querem conquistar o universo todo. O que estas duas expedições, de planetas rivais, querem na aldeia dos irredutíveis gauleses? Saber o segredo de sua força, claro, que já conquistou fama muito além do nosso planeta. E, a partir deste mote, muita coisa acontece na aldeia: luta de naves, vôos, desaparecimentos, toda a sorte de acontecimentos fantásticos. Não que "O dia em que o céu caiu” seja ruim, não mesmo. A HQ tem brigas memoráveis entre Ordenalfabetix e Automatix, os "efeitos espaciais" são bem bolados - sem contar que é sempre um prazer ver o pessoal da aldeia em ação. Mas quando comparamos esta história bobinha com as brilhantes HQs com roteiro de Goscinny, como por exemplo a fábula sobre a luta entre a razão e a superstição rasteira “Asterix e o adivinho”, a profundamente melancólica “Asterix e o caldeirão”, o estudo sobre a ambição humana “Asterix e o domínio dos deuses” ou o enorme deboche sobre os dominadores de todos os tempos que é “Asterix e os louros de César”, ficamos pensando se realmente Asterix e Obelix mereciam este final de carreira tão melancólico. (texto publicado no suplemento dominical do jornal "O Estado do Paraná" em 2006)
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