Chico Buarque foi meu grande ídolo musical na fase de saída de infância, entrada na pré-adolescência. Lembro que, assim que comprava seus discos, passava horas com os encartes tentando decorar as suas letras (normalmente decorava-as todas). Com o tempo, fui deixando o cantor de lado, e confesso que até hoje é raríssimo eu ficar com vontade de ouvir uma música sua.
De todo modo, era inevitável que ficasse curioso em ler seus livros, a partir do momento em que Chico Buarque resolveu ser um escritor “sério”, com “Estorvo”, de 1992. Curioso mas nem tanto, né? Só agora resolvi tirar a cisma, com o mais recente livro do autor, “O irmão alemão”, lançado ano passado. Por mais que jamais imaginasse que ele fosse escrever mal, a extraordinária qualidade do livro me surpreendeu. Acho que eu esperava alguma coisa mais formal, mais rebuscada – como boa parte de suas letras. Que nada. A leitura de “O irmão alemão” se revelou deliciosa.
A história real por trás do livro é conhecida: o pai de Chico, Sérgio Buarque de Holanda – um dos maiores intelectuais brasileiros, autor da obra-prima “Raízes do Brasil” – viveu uma época na Alemanha, onde teve um caso com uma moradora de lá, engravidando-a. Quando soube da história, o filho Chico fez de tudo para saber por onde andava seu meio-irmão.
“O irmão alemão” é e não é a história desta busca: o livro é contado em primeira pessoa por um tal de Francisco de “Hollander” (ops), professor; o pai dele, como o pai de Chico Buarque, também é um Sergio, intelectual e leitor compulsivo – mas não tem nenhum destaque no meio acadêmico, ao contrário do verdadeiro pai do cantor (o livro, por sinal, é dedicado a “Sergios” – o meio-irmão de Chico também se chamava Sergio); e a mãe de Francisco de Hollander é italiana, o que não bate com a história real.
E é assim, sem saber bem o que é verdadeiro e o que é falso no livro, vamos nos divertindo com a história que o personagem principal conta: ele tem um caráter meio duvidoso, gosta de roubar carros para se divertir, tem inveja do irmão ignorante que faz enorme sucesso com as mulheres, não está preocupado com as lutas políticas do período (final dos anos 60, início dos 70). Lá pelas tantas, Francisco de Hollander descobre que tem um meio-irmão na Alemanha e faz de tudo para procurá-lo, e sua procura pouco tem de angustiante, mas muito de divertida.
E é no desfecho que “O irmão alemão” perde para sua influência assumida, a obra-prima “Austerlitz”, de W.G.Sebald (autor que chega a ser citado no livro), já que a sua revelação tem um impacto muito inferior à do romance “original”. Mas também não dá para culpar o Chico Buarque por causa disso, já que a história do meio-irmão dele nem é tão fascinante assim.
Além disso, Marx já dizia que a história se repete como farsa: e deve ser por isso que Chico resolveu nos brindar com uma paródia farsesca – e deliciosa, diga-se de passagem – da obra-prima de W.G.Sebald.
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