Marlon Brando – necrológio
Cinema

Marlon Brando – necrológio

13 de maio de 2015 0

Considerado por muitos o maior ator da história do cinema, Marlon Brando nasceu em 3 de abril de 1924 em Omaha, no estado norte-americano de Nebraska. Tanto seu pai quanto sua mãe eram alcoólatras e relapsos na educação dos filhos, o que causou um trauma que Brando, de certa forma, levou pelo resto da vida.

Começou a estudar teatro em 1943, em Nova Iorque, e em 1947 o diretor Elia Kazan lhe convidou para o seu primeiro grande papel, como o rude Stanley Kowalski de Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams. Nesta peça Brando já mostrava seu talento estupendo e seu vestuário em cena, chocante para a época – jeans apertados e camiseta rasgada – foi inspirado em pedreiros que ele via trabalhando.

Depois de recusar vários convites de Hollywood, Brando finalmente faz a sua estréia no cinema em 1950, com Espíritos Indômitos, de Fred Zinemmann. Em 1951 ele, novamente com Kazan, faz Uma Rua Chamada Pecado, a versão filmada de Um Bonde Chamado Desejo – e consegue sua primeira indicação para o Oscar. Consegue novas indicações em seus filmes subseqüentes, Viva Zapata (também de Kazan) e Júlio César (de Joseph Mankiewicz). Em 1954 Brando faz o personagem principal de O Selvagem, de Lazlo Benedek, um motoqueiro revoltado vestindo jaqueta de couro: o filme, graças principalmente ao ator, foi um verdadeiro marco cultural da chamada juventude tranviada, influenciando decisivamente os costumes de uma época marcada pela repressão (os ecos deste filme se fazem sentir até mesmo no surgimento do rock and roll).

Também em 1954 ele recebe seu primeiro Oscar de melhor ator, pelo Terry Malloy de O Sindicato de Ladrões, novamente com a direção de Elia Kazan: sua fala quase chorando, quando conclui que poderia ter sido grande e que não conseguiu sê-lo, é um momento sempre lembrado entre os mais impressionantes do cinema. Faz mais alguns filmes e em 1957 recebe mais uma indicação para o Oscar, por Sayonara, de Joshua Logan. Em 1958 trabalha em Os Deuses Vencidos, de Edward Dmytryk; em 1960, Vidas em Fuga, de Sydney Lumet. Em 1961 toma A Face Oculta de Stanley Kubrick no meio das filmagens e resolve ele mesmo dirigir o filme: este estranho e soturno western, apesar do sucesso comercial alcançado, foi o único dirigido por ele.

Os anos 60 representaram uma longa decadência para Marlon Brando: fez muitos filmes irregulares e, no início da década seguinte, já era um veneno de bilheteria tão grande que teve de fazer um teste com Francis Ford Coppola para obter o papel de Vito Corleone em O Poderoso Chefão (lançado em 1972). Neste teste ele alterou a voz e colocou algodões nas bochechas, criando então um tipo inesquecível – o que acabou convencendo os produtores do filme, que não o queriam, a aceitá-lo: foi a volta do sucesso para Marlon Brando, que recebeu novamente um Oscar por sua atuação (só que desta vez ele mandou uma atriz fantasiada de índia para receber o prêmio em seu lugar, e ainda fez com que ela lesse um discurso sobre a situação dos índios americanos na cerimônia).

Em 1973 recebe nova indicação para o Oscar por A Última Noite em Paris, de Bernardo Bertolucci, onde faz o papel de um norte-americano em Paris atormentado pelo suicídio da mulher, e que tem um conturbado caso de amor com a personagem vivida por Maria Schneider. De 1979 é Apocalipse Now, de Francis Ford Coppola (baseado no livro O Coração das Trevas, de Joseph Conrad), onde Brando faz seu último grande personagem: o Coronel Walter E. Kurtz, um militar americano que ensandece no Vietnã e torna-se ditador de uma comunidade local. Nos últimos anos de sua vida Brando passou a cobrar fortunas por personagens que pouco apareciam nos filmes – chegando a concorrer a um Oscar de melhor ator coadjuvante por A Dry White Season, de Euzhan Paulcy, de 1988.

Os anos 90 foram de grande sofrimento pessoal para o ator: seu filho Christian, filho da primeira mulher de Brando, é condenado a dez anos de prisão por matar o namorado da meia-irmã Cheyenne, filha da terceira mulher, depois de saber que ele a teria violentado. Cinco anos depois da condenação, Cheyenne se suicida. O próprio Brando reconheceu, no julgamento de Christian, que não foi um bom pai. Esta tragédia fez o grande ator passar os últimos anos de sua vida praticamente recluso. Segundo uma biografia não-autorizada a ser publicada proximamente, o ator também estaria falido por causa dos excessos de gastos, e também pelas custas dos advogados, morando em um bangalô e vivendo de uma aposentadoria do Estado.

Marlon Brando estudou na Actor’s Studio, que segue o método de Stanislavski, que tenta fazer com que os atores busquem dentro das próprias experiências soluções para os problemas colocados pelas personagens. Uma professora sua de teatro, porém, disse que Brando nunca precisou aprender a atuar – seu talento já era inato. Na mesma linha, Paulo Francis dizia que os outros atores precisavam anos de treino para tentar fazer o que ele fazia naturalmente – só que Brando, mesmo assim, sempre tinha melhores resultados. Sua presença em cena era carismática e hipnotizante; além disso, ele era mestre em fazer papéis bastante diferentes dele próprio: fez, por exemplo, um mexicano em Viva Zapata! e um japonês em Casa de Chá do Luar de Agosto.

Era exigente e independente, e costumava não dar bola para convenções sociais (ficava, inclusive, grandes períodos de tempo sem tomar banho). Foi um dos homens mais bonitos do seu tempo no começo da carreira e, mesmo obeso no final da vida, tinha um enorme charme que atraía as mulheres – casou pelo menos três vezes e teve cerca de oito filhos, com as esposas e com outras mulheres (segundo ele próprio, seu desejo sexual era excessivo). Preocupava-se muito e de maneira constante, também, com causas sociais como o problema indígena (visitou, inclusive, os índios da Amazônia bem antes de Sting).

Descanse em paz, Marlon Brando. O mundo vai ficar mais chato sem você.

(texto escrito em 2004)

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