Autor de comédias absolutamente impagáveis como “Uma mulher sem importância” e “A importância de ser prudente”, Oscar Wilde também tentou o sucesso com o drama bíblico, na espetacular peça curta em um ato “Salomé”. Na época em que foi escrita (final do século XIX), as leis inglesas proibiam a encenação de temas bíblicos, e possivelmente por isto o irlandês Wilde acabou escrevendo a peça em francês – apenas mais tarde ela foi traduzida para o inglês.
A história bíblica é bem conhecida: a mulher do Rei Herodes, Herodias, cansada de ser acusada de adúltera (tinha sido casada com o irmão do rei) pelo profeta João Batista (Jokanaan, na versão da peça), instiga a filha Salomé a dançar para Herodes. O rei, enfeitiçado pela graciosidade da menina, pede que esta lhe faça um pedido – até “metade do seu reino”. Salomé, sob as ordens da mãe, pede a cabeça de João Batista numa bandeja de prata. Herodes tinha medo do poder espiritual do profeta, e por isto tenta evitar a todo custo obedecer ao desejo da menina – mas acaba cedendo. Palavra de rei, afinal, não volta atrás (“ah, por que fiz eu um juramento? Os reis nunca deveriam empenhar sua palavra. Se não a cumprem, é terrível, e se a cumprem, é também terrível”, lamenta Herodes na versão de Oscar Wilde).
Oscar Wilde subverte a história bíblica: em “Salomé”, é a filha de Herodias que se apaixona pelo profeta (“Não há nada no mundo tão vermelho como tua boca. Deixa-me beijar a tua boca”) e, recusada por João Batista (“Nunca, filha de Babilônia! Filha de Sodoma! Nunca”), pede a cabeça do profeta a Herodes. Herodias, aqui, apenas concorda com a filha, que é a verdadeira força motriz da peça. O rei então entra em desespero. Oferece tudo o que pode para Salomé mudar de ideia (“Escuta. Tenho joias escondidas neste lugar… joias que nem mesmo tua mãe jamais as viu… joias que são maravilhosas. Tenho um colar de pérolas de quatro voltas. Dir-se-iam luas acorrentadas com raios de prata. Dir-se-iam cinquenta luas presas em uma rede de ouro. (…) Quando o usares, será tão bela como uma rainha.” – e por aí vai), mas fracassa. João Batista é degolado.
Em outra liberdade com o texto bíblico, Salomé beija a boca do degolado e logo é assassinada a mando do rei Herodes (na verdade, a filha de Herodias viveria muitos anos ainda depois da morte de João Batista, vindo a falecer entre os anos de 62 e 71 d.C.)
Enquanto vivo, João Batista não aparece em cena: a mando de Herodes, ele já está preso em uma cisterna desde o início da peça. Os demais personagens apenas ouvem sua voz vinda lá de dentro. E o que o profeta louco fala? Coisas como: “Filha do adultério, só um homem pode salvar-te, esse de quem te falei. Vai procurá-lo. Acha-se em um barco no mar de Galileia e fala com Seus discípulos. Ajoelha-te à beira do mar e chama-O pelo Seu nome. Quando Ele chegar junto a ti (porque Ele vem para todos os que O chamam), inclina-te a Seus pés e pede-lhe o perdão de teus pecados”. Uma verdadeira pregação no deserto.
1
There are 0 comments