Nick Drake
Música

Nick Drake

1 de abril de 2015 2

Paulo Francis, por ter falado da corrupção da Petrobras no começo dos anos 1990, tem sido bastante lembrado ultimamente. Vou falar de outra lembrança que tenho dele: reconheço que me incomodava, naquele tempo, quando Francis batia sem dó na música pop. Ele dizia que isto não era arte, que nada sobreviveria. E eu ficava me questionando se ele não teria mesmo razão.

Hoje, muitos anos depois, este assunto – se a música pop é arte ou não – já não tem o menor sentido para mim. De todo modo, se Paulo Francis fosse vivo, eu teria um argumento muito forte contra a sua teoria: o nome deste argumento é Nicholas Rodney Drake – ou Nick Drake, nome pelo qual este grande cantor folk britânico é conhecido até hoje.

Nick Drake, cujo falecimento ocorreu há quarenta anos, no dia 25 de novembro de 1974, é o típico artista reconhecido depois da morte, tal como Van Gogh, Kafka ou Bach. Mas, ao contrário destes, ele era um músico pop. Este reconhecimento póstumo tem pouquíssimos exemplos neste gênero – se é que tem algum. Poderíamos pensar no Velvet Underground, mas é covardia. Realmente, a grande banda americana só foi reconhecida depois do término; mas não só ela era patrocinada por Andy Warhol, como Lou Reed e John Cale continuaram vivos e tocando músicas do Velvet Underground muitos anos depois do fim da banda. Já Nick Drake só deixou para a posteridade alguns discos e algumas fotos – várias delas promocionais. Não há sequer uma filmagem dele adulto. Já a única entrevista que ele deu foi de um constrangimento total, para todas as partes envolvidas.

Os três discos que Nick Drake lançou em vida – Five Leaves Left, de 1969;Bryter Layter, de 1970; e Pink Moon, de 1972 (depois ainda seriam lançados alguns títulos póstumos, compilando gravações já lançadas ou algumas inéditas) – não chamaram a atenção de ninguém. Naquele período a concorrência de música pop era pesada – Cat Stevens, Paul Simon, Bob Dylan, Stevie Wonder, Elton John, Paul McCartney, John Lennon – e Nick, um cantor de uma timidez absurda, que odiava se apresentar ao vivo, dar entrevistas, promover seu trabalho, simplesmente não conseguiu achar seu espaço. É verdade que há quem diga que a gravadora Island deveria ter trabalhado mais para promovê-lo – mas ninguém duvida que o próprio Drake também não ajudava. O que importa é que, depois da morte do cantor em 1974, sua fama e sucesso não param de crescer. Isto – é o que eu diria a Paulo Francis – é a prova de que a música pop pode, sim, ser eterna: Arte com A maiúsculo, aquelas coisas.

Nascido na antiga Birmânia (o país, situado no sudeste asiático, hoje se chama Myanmar) em 19 de junho de 1948, Nick Drake cresceu numa família de classe média alta. Era um estudante quieto, mas relativamente popular – muito distante do verdadeiro eremita em que se transformou nos últimos anos da sua vida. Viajou com amigos para França e, como tantos outros nos anos 1960, teve diversas experiências com drogas – se ele usava em grandes ou pequenas quantidades é motivo de dúvida até hoje. Estudou literatura em Cambridge, e desistiu do curso para se dedicar à música.

Ainda muito jovem conseguiu um contrato com a Island para gravar, durante vários meses e com uma excelente equipe de músicos, o trabalho de estreia Five Leaves Left. Apesar da baixa vendagem do álbum, lançou mais outro disco com uma equipe contratada pela gravadora. Como Bryter Layter (o meu preferido) também vendeu muito pouco e o cantor foi ficando cada vez mais recluso (além de praticamente não conseguir se apresentar ao vivo), foi uma verdadeira surpresa quando Nick Drake dirigiu-se até a Island e gravou em apenas duas sessões o seu terceiro álbum, Pink Moon (desta vez, só ele e seu violão em quase todas as faixas). Este disco, que é o favorito de Jake Bugg, também não vendeu quase nada.

Consciente de seu fracasso como artista e com problemas emocionais cada vez mais sérios, Nick voltou a morar na casa de seus pais, onde faleceu devido a uma dose excessiva de comprimidos para dormir – não se sabe com certeza até hoje se foi suicídio ou uma superdosagem acidental.

O estilo de Drake é calmo, às vezes triste – e às vezes se nota uma ponta de ironia. Normalmente se percebe que ele tinha um grande prazer em cantar. Sua técnica no violão era primorosa: muitos até hoje não entendem a afinação que utilizava. Sua voz frequentemente era sussurrada, mas a dicção quase sempre bem clara. De todo modo, uma voz que era um complemento perfeito para suas melodias normalmente belíssimas e sua interpretação atingia profundidades inauditas.

DEZ FAIXAS CLÁSSICAS

“Day Is Done”

Tudo é perfeito aqui. A sensação de que tudo já foi cumprido. A instrumentação de câmara. A interpretação ao mesmo tempo arrebatadora e contida. A melodia inacreditavelmente linda.

“Hazey Jane II”

E você achava que o Belle & Sebastian não era original porque “imitava” Smiths ou Velvet Underground? Na verdade,a obra inteira da banda escocesa é derivada desta canção de Nick Drake. Desculpem aí…

“Poor Boy”

Até bossa nova o cara colocava nas músicas dele. Um monstro.

“The Thoughs Of Mary Jane”

Olha, não posso acreditar que uma música tão doce e sensível seja uma homenagem à marijuana. Não combina, gente!

“Way To Blue”

Os Beatles já tinham feito música pop de excelente qualidade com quarteto (ou coisa que o valha) de cordas em “Eleanor Rigby”. Com uma formação semelhante, Nick Drake chega num patamar também semelhante de qualidade. É de arrepiar.

“At The Time Of A City Clock”

Melodia e arranjo intrincados. Uma canção cheia de possibilidades.

“I Was Made To Love Magic”

Canção póstuma, com Nick Drake deliciosamente irônico… e doce.

“Saturday Sun”

Uma valsa que certamente inspirou as belíssimas valsas do fã Elliott Smith.

“Sunday”

O que é esta flauta? O que é esta flauta???

“Fly”

E estas cordas ao fundo, com voz e violão à frente?

(texto publicado no Mondo Bacana em 2014)

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There are 2 comments

  • Luis Freitas disse:

    Sensacional, um dos grande nomes da música pop a fazerem a travessia muito cedo.
    Ouvindo, sempre….

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