O avô da minha mulher, Octávio da Silveira (que ela não conheceu), foi um deputado federal cassado e preso pela ditadura de Vargas, em 1935, quando da Intentona Comunista. Estou casado com a Valéria há bastante tempo já, e tenho ouvido conversas na família dela sobre a prisão do patriarca, e sua luta pelos mais pobres, praticamente desde que começamos nosso relacionamento.
Por sorte, o pesquisador Cezar Benevides arregaçou as mangas e escreveu um livro em memória do Octávio da Silveira, personagem – segundo o próprio autor – esquecido de nossa história. O livro, chamado “edipus paranaensis: notas sobre um condenado pela memória” (Estúdio Texto, 112 páginas) é o segundo volume de uma trilogia; o primeiro, “edipus parahybensis”, já publicado, trata sobre o engenheiro Ítalo Joffily Pereira da Costa; o próximo vai tratar dos historiadores Arnold Toynbee e de Daisaku Ikeda – este último, segundo Benevides, “reiteradamente citado por estadistas e intelectuais do mundo inteiro como merecedor do Prêmio Nobel da Paz”.
Já na primeira frase “edipus paranaensis” começa relacionando a ação de Vargas contra a pequena oposição de esquerda: “um dos aspectos instigantes do período Vargas na historiografia brasileira é o movimento comunista de 1935 e a participação de insignificante minoria parlamentar composta por quatro deputados e um senador, todos da Aliança Nacional Libertadora. Entre estes estava o representante do Paraná Octávio da Silveira, acusado de ser um dos principais articuladores do fracassado movimento.”
O Octávio da Silveira que emerge das páginas de “edipus paranaensis” é um médico neurologista que, na vida política, sempre teve atuação independente, lutando contra a repressão e a favor dos mais pobres – por exemplo, ele “protestou contra o fechamento (…) da União Feminina do Brasil, onde ‘centenas de mulheres pobres, de mulheres proletárias’ encontravam ‘assistência médica, dentária jurídica e econômica’”, e “requereu informações sobre a prisão de um operário, acusado de autor da morte de um agente policial, fato ocorrido num comício popular”.
Preso devido à participação – duvidosa, segundo se pode depreender de “edipus paranaensis” – na Intentona Comunista, Octávio da Silveira é solto em 1937, mas continuou sendo observado de perto pelo DOPS durante um bom tempo. Até no Golpe de 64 a nova ditadura tenta tirar-lhe os direitos políticos devido à sua participação como esquerdista no passado; mas desta vez ele consegue se safar e o processo contra ele é arquivado – o seu advogado na ocasião, João de Souza Ferreira, aliás, era o marido de uma tia da Valéria. Segundo Benevides, esta foi a “derradeira batalha” de Octávio da Silveira, que “deixou de vencer apenas a morte que o emudeceu menos de dois anos depois. ”
Independentemente do laço que envolve até mesmo a mim na história de Octávio da Silveira, “edipus paranaensis” é um livro extremamente carinhoso, em que o autor, por exemplo, relaciona a promulgação da Constituição de 1988 com o do nascimento de sua quarta filha, no mesmo ano.
E, mais do que tudo, o livro reforça as histórias sobre Octávio da Silveira que sempre ouvi na família da Valéria, que diziam que o médico e deputado era um idealista, um político que realmente se meteu no negócio por amor aos mais pobres – coisa que, como sabemos, não é muito frequente nos dias de hoje (se é que algum dia já foi).
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