Orlando, de Virginia Woolf
Literatura

Orlando, de Virginia Woolf

18 de fevereiro de 2018 0

Orlando nasceu no final do século dezesseis e em 1928 ainda estava vivo. Quer dizer, “vivo” não é o adjetivo mais correto porque Orlando, aí pelo meio de sua longa vida de mais de 300 anos, mudou de sexo e passou a ser uma mulher. Às vezes, parece, ela voltava a ser homem, mas isto não fica claro porque a autora Virginia Woolf usa, boa parte do tempo, uma linguagem impressionista, pouco exata, em uma de suas obras mais famosas, chamada exatamente “Orlando” (Landmark Editora, edição bilíngue), publicada em 1928.

O livro é uma espécie de biografia fictícia, como se tivesse sido escrita por um historiador: frequentemente Woolf cita as “fontes” que utilizou – ou que foram perdidas – durante a elaboração do seu livro. Orlando é um nobre inglês extremamente rico com pendores literários, e que se apaixona por uma russa que o abandona sem nenhuma explicação. Depois disso ele fica amargo e solitário, até que se apaixona novamente por uma duquesa – mas resolve “fugir” da Inglaterra, virando embaixador em Constantinopla, para não ter que enfrentar outro amor. Há um golpe na Turquia e Orlando foge de lá, passando a viver com um grupo de ciganos. É quando tenta voltar para a Inglaterra que Orlando descobre, de um dia para outro, que virou mulher – e é neste estado que ela retoma sua propriedade na Inglaterra, vivendo muitos anos ainda.

A leitura de “Orlando” é frequentemente cansativa, dada a quantidade de detalhes aparentemente insignificantes que Virginia Woolf inseriu na sua obra. Mas os destaques do livro são muitos e posso citar: a maneira absolutamente natural com que a personagem troca de sexo, que ocorre sem que ninguém estranhe (ninguém estranha ela viver mais de 300 anos, aliás, até porque não é a única personagem do livro que vive tanto); a maneira sutil com a qual Orlando muda sua visão do mundo e das pessoas quando deixa de ser homem e passa a ser mulher; e, finalmente, a maneira ferina com a qual a autora descreve os homens pertencentes à “intelectualidade”. O trecho abaixo dá uma ideia da coisa:

O intelecto, por divino que seja, e todo respeitável, tem o hábito de alojar-se nas mais miseráveis carcaças, e com frequência, ai de nós!, age como canibal entre outras faculdades, de modo que muitas vezes, onde a mente é maior, o coração, os sentidos, a magnanimidade, a caridade, a tolerância, a bondade e o resto mal têm espaço para respirar. Por isso, a alta opinião que os poetas têm de si mesmos; por isso, baixa opinião que têm dos outros; por isso, as inimizades, injúrias, invejas e réplicas nas quais estão constantemente envolvidos; por isso, a volubilidade com que as concedem; por isso, a ganância com que exigem simpatia para si próprios; tudo isso, devemos sussurrar, para que os intelectuais não nos ouçam, torna o ato de servir o chá [para intelectuais] uma ocupação mais perigosa e, na verdade, mais árdua do que geralmente se admite.

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