“Ele simplesmente não está a fim de você” e “Garotas que dizem ni”
Literatura

“Ele simplesmente não está a fim de você” e “Garotas que dizem ni”

15 de setembro de 2017 0

(texto publicado no suplemento dominical do jornal O Estado do Paraná em 2006)

A revolução do costumes e a invenção da pílula anticoncepcional, nos anos 60, permitiram que as mulheres passassem a ter, em relação ao que acontecia nas décadas anteriores, uma liberdade sexual muito maior. Além disso, o aumento da participação feminina no mercado de trabalho fez com que elas, cada vez mais, não precisassem mais procurar maridos que as sustentassem. Isto tudo, entretanto, não resultou necessariamente em um aumento da felicidade para as mulheres. Dar pistas para solucionar o dilema em que muitas solteiras ou divorciadas vivem nos dias de hoje é o objetivo do terapeuta sexual Ian Kerner no livro Fala sério! Você também não está a fim dele (Best Seller, 192 páginas).

O livro, obviamente, é uma resposta ao já famoso Ele simplesmente não está a fim de você, dos roteiristas do seriado Sex and the city, Greg Behrendt e Liz Tuccillo – livro que é citado de maneira deletéria, inclusive, mais de uma vez por Ian Kerner em Fala sério! (que, pouco ético, sequer relaciona o nome dos seus autores).

Para Kerner, as mulheres que querem ter relações sexuais “como os homens” – isto é, com uma grande quantidade de parceiros -, muito freqüentemente, acabam rapidamente criando um envolvimento emocional com eles, o que é causa, quase sempre, de frustração. Como se sabe, a separação entre sexo e amor é muito mais clara na cabeça dos homens no que das mulheres, e é por isso que é tão freqüente a “síndrome do dia seguinte”, quando elas ficam esperando, desesperadamente, um telefonema do parceiro sexual do dia anterior – quase sempre, sem sucesso.

Muitos homens, por outro lado, sabendo que conseguem rapidamente novas parceiras (graças, não custa insistir, à liberação sexual) acabam não se interessando em manter relações estáveis e duradouras. Assim começa um círculo vicioso que as deixa cada vez mais frustradas: se não fazem sexo logo, eles perdem a paciência e vão procurar outra; se fazem, eles as deixam do mesmo jeito. Com isto – e aqui é o ponto principal do livro de Ian Kerner – as mulheres vão baixando cada vez mais suas exigências e, literalmente, vão para a cama com qualquer um, deixando distante o sonho de casar (ou ter um relacionamento estável) e ter filhos.

Como sair desta situação? Basicamente, com um aumento na auto-estima. Não cair na conversa de qualquer um. Respeitar-se mais – percebendo, claro, que não está assim tão a fim dele. Não ficar desesperada por estar sem namorado. Sentir-se bem consigo mesma. Livrar-se de relacionamentos obsessivos.

Por outro lado, se a mulher for sonhadora demais, que busque um homem “real”, e não um “príncipe encantado” que só existe nas histórias infantis… Agora, se ela quiser mesmo fazer sexo “como os homens fazem”, então que não se envolva emocionalmente – exatamente do modo como os homens costumam agir.

Se o livro de Ian Kerner é de um homem, mas voltado para o sexo feminino, É impossível ler um só – histórias para devorar a qualquer hora (Matrix, 151 páginas) é uma coletânea de textos escrita por três mulheres jornalistas, as “Garotas que dizem Ni”, falando de pequenos detalhes de suas vidas – mas que não é dirigido para nenhum dos sexos em especial.

Grupo formado no início de 2003 pelas jornalistas paulistas Clarissa Passos (a Clara McFly), Flávia Pegorin (a Flá Wonka), e Viviana Agostinho, (a Vivi Griswold), as “Garotas que dizem Ni” (uma alusão aos Cavaleiros que Dizem Ni do filme Em Busca do Cálice Sagrado, do grupo inglês Monty Python) têm um site com crônicas diárias e tinham, até janeiro deste ano, uma coluna na Revista Época.

Com 60 textos selecionados entre os favoritos das jornalistas e do público que freqüenta o site delas, reeditados sem a pressa da publicação, É impossível ler um só é um painel de comentários sobre assuntos cotidianos, manias, lembranças do tempo de infância e afins: características das novelas mexicanas, esportes “de macho”, sabões em pó, coisas que as avó dizia, amor pelos dicionários… nada de grande importância, afinal de contas. Não que isto seja impeditivo para que se faça algo de valor: é só lembrar do seriado Seinfeld, declaradamente sobre “o nada”, para que se perceba que assuntos insignificantes podem resultar em algo realmente bom, engraçado e original.

A maioria dos textos do livro está mais para o interessante do que para o desinteressante: entre os melhores, podemos citar Bola de papel, sobre papeizinhos de divulgação de sortistas e videntes, Eu acho que vi um chatinho, a respeito dos chatos, Contos de catraca, com comentários ouvidos no ônibus, Aqui ó, sobre spams, e Dez maneiras de irritar seu irmão (título auto-explicativo). Mas É impossível ler um só também tem textos tão sem graça que deixam o leitor se perguntando o que ele tem a ver com as opiniões das moças. Interessa saber que elas acham um clássico como Esaú e Jacó, de Machado de Assis, chato? Que uma delas odiou ter feito a Primeira Comunhão? Que elas têm saudade do mimeógrafo? Que elas não gostavam de física e matemática?

De todo o modo, os pontos fracos não chegam a desestimular a leitura do primeiro livro das “Garotas que dizem Ni”.

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