A advogada portuguesa Ana Cássia Rebelo mantém um blog desde 2006, chamado “Ana de Amsterdam”. O título é uma homenagem à música de Chico Buarque, cujo trecho da letra ilustra o cabeçalho da página na internet: “Sou Ana de cabo a tenente/ Sou Ana de toda patente, das Índias/ Sou Ana do oriente, ocidente, acidente, gelada/ Sou Ana, obrigada/ Até amanhã, sou Ana/ Do cabo, do raso, do rabo, dos ratos/ Sou Ana de Amsterdam”. É um blog simples, da Blogger, sem comentários, sem patrocínios, sem nada. Somente textos e links para vídeos para o Youtube.

A qualidade dos textos é tão invulgar que incentivou o sociólogo, crítico e escritor João Pedro Jorge a publicá-los em livro – lançado agora no Brasil pela Biblioteca Azul (192 páginas) com o nome da página na internet, “Ana de Amsterdam”. Inicialmente, Ana Cássia Rebelo tinha receio do tamanho da exposição que seu livro a submeteria: conforme ela declarou à Folha de São Paulo, “é uma escrita muito íntima, e os meus irmãos, pais, filhos iam ter contato com ela”. Ainda segundo a reportagem da Folha, quando foi publicado o livro “Ana de Amsterdam”, ela pediu aos filhos mais velhos, adolescentes, que não o lessem ainda.

O livro realmente expõe de maneira impiedosa a vida íntima da autora. Ela não tem medo de parecer politicamente incorreta, como quando confessa que praticava bullying na adolescência, que não gosta de algumas ex-colegas feias e que não aprecia animais, afora passarinhos. Ama de maneira incondicional seu pai – que tem uma mentalidade bastante retrógrada para seus padrões.  Seus três filhos são a parte central de sua vida, mas confessa que não é tão feliz assim sendo mãe.

O sexo é parte importante das postagens reproduzidas no livro: ela passa por períodos de frigidez e tenta redescobrir o prazer sexual (no qual tinha se iniciado aos oito anos) com pornografia pela internet e com diversos parceiros que fazem de tudo para satisfazê-la. Ao mesmo tempo que despreza os homens, fica feliz quando lhes desperta o desejo na rua. Numa postagem dramática, acusa o ex-marido de assédio.

“Ana de Amsterdam” também descreve em detalhes a luta da autora contra a depressão – com direito a detalhes como os remédios que toma, as visitas a psiquiatras e suas tentativas e pensamentos relacionados ao suicídio. Descrições de seu dia-a-dia, o trabalho como advogada, recordações de suas visitas a Goa (antiga colônia portuguesa na Índia onde seu pai passa a maior parte do ano) e ótimos microcontos – sempre com uma personagem principal feminina – também fazem parte das postagens do blog de Ana Cássia Rebelo apresentadas no livro “Ana de Amsterdam”.

Com um estilo espetacular – às vezes sóbrio, às vezes lírico – e com uma sinceridade e uma franqueza incomuns, “Ana de Amsterdam” é um livro que não perde o interesse para o leitor em uma página sequer. Um mergulho aprofundado numa alma atormentada.