“No is always easier than Yes”
Literatura

“No is always easier than Yes”

15 de janeiro de 2016 0

1 – Como apareci na mídia falando mal dos outros

“Nunca li nada deste jornalista Mario Marques, do “Globo”, mas me parece um cara legal. Acho que entendo o porque dele, segundo a leitora Juliana Medrado, falar mal de Strokes e White Stripes a cada frase. Eu nunca ouvi White Stripes e, se parece Strokes, nem quero ouvir. Mas o problema dos Strokes é que NUNCA, mas NUNCA mesmo, uma banda tão elogiada foi tão ruim. ‘De modus que’ as poucas pessoas que enxergam que strokes é uma farsa devem insistir com este tema.”

A mensagem acima foi mandada por mim mesmo para o jornalista Lucio Ribeiro, que a publicou em sua coluna de 13/02/2002. Mais tarde, se não modifiquei completamente minha posição quanto aos Strokes – continuo achando a banda superestimada – posso dizer que mudei, sim, de opinião. Considero Hard to explain, do disco de estréia deles, uma música fenomenal – e o álbum todo está longe de ser ruim (quanto ao White Stripes, então, hoje sou fã de carteirinha, conforme comentei aqui). Hoje eu jamais escreveria a mesma coisa. Se mudei tão rapidamente de idéia quanto aos Strokes, como  pude me enganar tanto?

O que aconteceu foi mais ou menos o seguinte: todo o hype em cima dos Strokes me irritava, pois eu lia em todo o lugar o nome deles, enquanto que bandas novas que eu considerava  (e que de certa foram ainda considero) muito melhores – como System of a Down, Limp Bizkit, Papa Roach – eram simplesmente ignoradas e/ou desprezadas. Resultado: ouvi poucas vezes Strokes, sempre com enorme má-vontade – e, como não parecia nu-metal, simplesmente achei pavoroso. Mas não era. Eu simplesmente conhecia mal a banda. Se eu tivesse pretensões de onisciência, eu estabeleceria aqui uma primeira lei: Freqüentemente odiamos coisas que não conhecemos. Como não posso responder pelos outros, deixo esta idéia no ar. Isto aconteceu comigo em relação aos Strokes, pode acontecer com outras pessoas também.

Mas não é sobre isto que eu pretendo falar aqui. Eu vou comentar, simplesmente, o fato desta minha mensagem ter sido publicada numa coluna de extraordinário sucesso, a do Lucio Ribeiro.

2 – Ter prazer em falar mal dos outros

“Falar mal das pessoas é muito mais gratificante do que falar bem. Eu, se pudesse, só falaria mal.”

Começa assim a coluna de Diogo Mainardi de 29 de janeiro de 2003, parecendo querer colaborar de propósito com o objetivo do texto que eu tinha em mente na época. Por que, afinal de contas, se comenta tanto este colunista da Veja? Pelo mesmo motivo que se falava em Paulo Francis enquanto ele estava vivo. É o mesmo motivo que faz com que quem seja ligado em música pop fale tanto em Alvaro Pereira Jr. hoje em dia. É que estes jornalistas adoram (ou adoravam) dizer que algo é horrível sem argumento nenhum – apenas pelo prazer de destruir. Seu sucesso se deve a um fato pouco comentado: simplesmente, as pessoas adoram – ou se sentem atraídas por – críticas destrutivas. Existe um certo prazer mórbido em ver um livro, uma música, um filme, um livro, qualquer coisa, sendo destruído sem apelação. Até mesmo os defensores do objeto da ira do crítico destrutivo se  sentem irreversivelmente atraídos por este, xingando-o em retorno – criando um processo perverso, circular e inútil.

Mais do que ser gratificante, como defende Diogo Mainardi, falar mal dos outros dá ibope. Eu só me apercebi disto quando minha mensagem sobre os Strokes, nada argumentativa e totalmente destrutiva, foi publicada pelo Lucio Ribeiro. Falar bem, ao que parece, não tem graça nenhuma. (E, o que é sintomático, normalmente se conhece bem o que se gosta e – a não ser em caso de masoquismo – se conhece bem menos o que não se gosta.)

3 – Sim e Não

 “No is always easier than Yes”.

Embora esta frase (“Não é sempre mais fácil que Sim”), retirada de uma canção de Morrissey chamada Black-Eyed Susan, pareça originalmente versar sobre uma pessoa cética – a partir de um ponto de vista também correto, na minha opinião -, não é sob este aspecto que irei analisá-la aqui.

Já se viu acima como falar mal por falar pode ser gratificante, e como pode também trazer sucesso de audiência – se me permitem – com relativa facilidade. O Não – a crítica destrutiva – parece ser, como Morrissey diz, realmente mais fácil que o Sim  – a defesa, mais ou menos apaixonada, de alguma coisa (que pode ser, por exemplo, uma música, um filme, ou um programa de TV).

Falando da minha experiência pessoal, posso dizer que sempre fui uma pessoa profundamente entusiasmada com as coisas que gosto, e este meu lado sempre foi olhado com um pouco de estranheza por outras pessoas. Era  freqüentemente difícil fazer outras pessoas entenderem por que eu gostava tanto de Marcel Proust ou de Johann Sebastian Bach – ou por que os outros não conheciam as obras de quem eu estava falando, ou por que eles achavam inútil que alguém gostasse destas coisas, ou mesmo (percebi recentemente que até isso pode acontecer) por uma pontinha de inveja. Com o tempo, entretanto, a opinião negativa dos outros foi perdendo a importância para mim. Mas eu estaria mentindo se dissesse que o Sim, hoje, me é mais fácil que o Não.

Foi, conseqüentemente, com grande prazer que li uma pequeno trabalho de Denis Diderot chamado Elogio de Richardson. O entusiasmo que o filósofo francês demonstra pelo escritor inglês Richardson é impressionante. Alguns trechos, escolhidos quase ao acaso, dão uma pequena idéia do quanto Diderot era entusiasmado pelo escritor de Clarisse: “Pintores, poetas, pessoas de gosto, leiam Richardson; leiam sem parar”; “Quanto mais bela a alma, quanto mais refinado e puro o gosto, quanto melhor o conhecimento da natureza e maior o amor pela verdade, maior a estima pela obra de Richardson”; “Eu conheço a casa dos Harlove como a minha; o lar do meu pai não me é mais familiar que o de Grandison” (os Harlove e Grandison são personagens dos romances de Richardson); “Ah Richardson! eu ousaria dizer que a História mais verdadeira é cheia de mentiras, e que teu romance é pleno de verdades. A História pinta alguns indivíduos: você pinta a espécie humana; a História atribui a alguns indivíduos o que eles nem disseram, nem fizeram: por outro lado, tudo o que você atribui  ao homem, ele disse e fez; a História não trata senão de um intervalo de tempo e de um ponto da superfície do globo: você abarcou todos os lugares e todos os tempos”. E assim, de elogio rasgado em elogio rasgado, Diderot vai declarando sua admiração irrestrita pelo romancista Richardson. No último parágrafo, Diderot declara que seu texto sobre Richardson foi composto com linhas sem ligação, sem planejamento e sem ordem, à medida que eram inspiradas pelo tumulto de sua alma, causado pelo gênio do romancista inglês.

Se a leitura deste panegírico já tinha me dado grande prazer (pois era, afinal de contas, o Sim exacerbado), o melhor ainda estava por vir: na nota explicativa do Elogio de Richadson (ver mais detalhes aqui) André Billy  conta que diversos autores – La Harpe, Nisard, Saint-Marc Girardin, entre outros – criticaram este trabalho por considerá-lo “colorido demais”, “exagerado” e “apenas uma obra de um declamador”. Declamador?, pergunta André Billy. O fato é que não se lê mais nem La Harpe, nem Nisard, nem Saint-Marc Girardin, e que o Elogio de Richadson ainda nos faz sorrir de prazer e simpatia, complementa o compilador das Oeuvres de Diderot.

Se eu pudesse escolher uma frase para chamar jocosamente de A Vingança do Entusiasmado, certamente seria esta.

(texto escrito em 2003)

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