Há poucas semanas eu soube que a GNT iria apresentar um documentário, dividido em duas partes, chamado “O III Reich em cores”. Os filmes coloridos, durante os anos de Hitler, eram caríssimos, e foram compilados para a criação do documentário. Bem legal, pensei. No dia marcado lá estava eu, fazendo todo o mundo assistir “Os Normais” pela antena interna, com péssima imagem, para que eu pudesse gravar o tal “O III Reich em cores” pela TV a cabo.
Na hora de assistir, a decepção. Cheguei a dormir durante uma das duas partes. Isto não é coisa que eu faça quando o assunto são documentários sobre aquela época maluca. (E é preciso ressaltar que o documentário, tecnicamente, é muito bem feito: é dito, por exemplo, em cada filme apresentado, quem é o autor das imagens e qual o seu interesse ao fazê-las.) Mas por que esta decepção? Por que, afinal de contas, “O III Reich em cores” é um documentário meio duro de assistir?
O grande defeito do documentário é também a sua grande qualidade. “O III Reich em cores” chateia por que, como os filmes coloridos eram muito caros na época, normalmente eram utilizados em ocasiões especiais, em festas. O regime de Hitler queria criar uma raça ariana saudável, feliz, sorridente, em permanente contato com a natureza e zelosa de suas tradições. Então dá-lhe imagens de festas rurais, como festas da colheita, desfiles nazistas em cidades do interior e coisas do gênero. A idéia dos filmes coloridos era sempre mostrar os arianos como um povo saudável, em suas festividades, comemorando suas felizes existências de “raça superior”. Esta idéia de celebração também se estendia à cobertura colorida de guerra: soldados sorridentes, saudáveis, limpos e aparentemente vitoriosos eram apresentados ao povo alemão – por mais que isto fosse mentira (a guerra já estava virtualmente perdida), por mais que “esta mentira fosse repetida até o último rolo de filme, até o último fotograma”, conforme as palavras do brilhante final de “O III Reich em cores”. Deste modo, o que parecia um defeito (a monotonia) era na verdade uma qualidade (mostrar a falsificação da realidade promovida pelos nazistas).
Mas ainda tem mais. A amante de Hitler, Eva Braun, também filmava com filmes coloridos – como ela quase não saía da casa de campo de Hitler, é de lá que aparecem algumas das imagens mais impressionantes para o espectador de hoje, como imagens coloridas de Hitler, Heydrich, Göring e Himmler conversando animadamente (o que estariam eles discutindo?).
E, finalmente, as imagens mais tétricas do “III Reich em cores” são fruto da permanente tentativa dos ideólogos nazistas de mentir ao povo: para mostrar aos alemães e ao resto do mundo que tudo estava correndo bem no Gueto de Varsóvia, uma equipe nazista fez filmes naquele lugar tétrico, com o claro objetivo de mostrar apenas as “coisas boas” lá de dentro. Mas não havia como. Em “O III Reich em cores” são apresentadas imagens de crianças, com apenas pele e osso, com uma terrível expressão de angústia no olhar, sentadas pedindo algo que ninguém ali poderia lhes dar. Estas imagens acabaram ficando para a posteridade como provas incontestáveis e a cores da barbárie nazista.
(texto escrito em 2001)
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