O paradoxo entre Bach e o Nu Metal
Música

O paradoxo entre Bach e o Nu Metal

23 de novembro de 2015 0

“Existem várias referências que levam a crer que o nu metal será o verdugo de nossa geração. Incompreendido e atacado, Bach também foi por seus contemporâneos”
(Marcos Fernandes adivinhando o tema de uma coluna minha)

Quando o meu grande amigo Marcos Fernandes criou uma sugestão de lay-out para a página incial deste site, abaixo do nome de cada participante ele escreveu uma frase que corresponderia a uma coluna passível de ser escrita pelo autor. Conhecedor da minha opinião, e sabedor do meu gosto por nu-metal e por Bach, o Marcos escreveu de maneira brilhante a “minha” frase e o “meu” título – que são os que encabeçam este texto. Desde que os li penso em escrever algo a respeito.

Não lembro exatamente quando escutei, pela primeira vez, uma banda de nu-metal (corruptela de new metal). Provavelmente foi num clipe do Korn na MTV. Aquele contraste entre o descontraído visual dos integrantes da banda, quase igual ao de rappers, com o vocal e a intrumentação graves e pesadíssimos me pareceu terrivelmente desagradável. Só o que eu conseguia pensar é que eles não tinham nenhum humor. Mais tarde, ouvi o cd Three dollar bill do Limp Bizkit e a impressão se manteve. Na mesma época, assisti na MTV um show onde várias bandas de nu-metal tocavam, e quando vi a cara de Serj Tankian do System of A Down só consegui pensar: este sujeito simpático e igual ao Juarez Machado não pode (não pode!) tocar este som tão agressivo. O contraste entre a alegria esfuziante de Tankian e o peso da música me parecia tétrico como um filme de terror.

Lembro pouco da primeira vez que tive contato com o nu-metal, e menos ainda da época em que comecei a mudar de opinião. Eu sei que, mais ou menos um ano após os primeiros e infrutíferos contatos, eu comecei a virar fã do gênero (o que continuo sendo até hoje). Bem diferente do meu amigo Marcelo Costa, que disse aqui que as bandas mais criativas da atualidade são Radiohead, Mercury Rev, Flaming Lips e Wilco, para mim a inovação da atualidade no rock está nas bandas de nu-metal. As bandas deste estilo têm – de forma exacerbada, exagerada – características que são quase sempre consideradas louváveis numa banda de rock: força, energia, pegada, estas coisas. Ao ouvir uma boa banda de nu-metal – obviamente, como sempre, há variação na qualidade das bandas – tem-se a impressão de que se está sendo sacudido, tal é a potência das músicas. O principal objetivo do estilo, inclusive, parece mais fazer barulho e ser intenso do que propriamente ser melódico, numa radicalização extrema do “conceito” rock and roll. Mesmo com estas qualidades poucos gêneros são tão desprezados pela crítica – apesar do enorme sucesso do estilo entre o público adolescente (o que também ocorreu com outra grande banda, o Black Sabbath dos anos 70, conforme comentei aqui). Nos próximos parágrafos vou apresentar alguns argumentos se contrapondo às principais críticas contra o estilo. (Antes de prosseguir, permitam-me uma pequena digressão: o fato de eu gostar igualmente de música erudita e de música pop me permite, quem sabe, um distanciamento maior em relação a cada um destes gêneros – ao mesmo tempo que me dificulta a discussão, no sentido da igualdade de conhecimento, com especialistas em cada estilo.)

É inegável que grande número de detratores do estilo usam contra o nu-metal argumentos em tudo semelhantes àqueles que as gerações mais velhas utilizam contra o rock – todo o rock. Vulgaridade (ou superficialidade) é um. Falta de melodia é outro. É como se uma geração simplesmente fosse surda às tentativas de expressão da geração posterior. Foi assim com a ópera, que era vulgar perante a música de concerto. Posteriormente aconteceu o mesmo com o jazz, que era vulgar perante a música clássica – e, claro, algo semelhante acontece com o rock, que até hoje é considerado vulgar perante grande parte dos amantes de música erudita e dos aficcionados por jazz. Os novos estilos trazem novos elementos na música, com os quais as pessoas que cresceram ouvindo estilos anteriores não estão acostumadas – e, por isto, muitas vezes tendem tendem simplesmente a depreciar. E qual seria o novo elemento do nu-metal? Os acordes graves e intensos, muitas vezes repetitivos. Bandas como System of a Down, Papa Roach e Limp Bizkit se baseiam muito mais em notas graves no baixo e na guitarra do que os demais grupos de rock – e é isto que as torna tão estranhas aos ouvidos desacostumados. A inclusão de elementos do hip-hop tem sua importância e é muito interessante – mas são os acordes graves, intensos e às vezes repetitivos mesmo que fazem a diferença.

Um outro argumento, segundo o qual o nu-metal carece de originalidade, parece mais sólido que os anteriores. Nenhuma das bandas anteriores ao estilo (às quais eu tive acesso) e que, segundo se diz, já faziam algo igual ao nu-metal há muito tempo – Ministry, Faith No More, Sepultura -, me pareceu, simultaneamente, ter todos os elementos do gênero: rock pesadíssimo e às vezes repetitivo, ritmo um tanto lento, predominância de acordes graves e intensos, elementos de hip-hop, vocal berrado ou apenas agressivo. Apesar disto, é impossível negar que o nu-metal tenha, sim, sofrido grande influência de bandas que vieram antes – como sempre acontece, aliás. E é neste ponto que tenho que defender uma outra idéia: a de que a originalidade, na arte, não é tão importante. A grandeza de um artista reside muito mais na sua força interior, na sua maneira de se expressar, do que se ele veio antes ou depois de outro artista do mesmo gênero. Tenho para mim que grandes inovadores da música – por exemplo, Beethoven, Charlie Parker e o Velvet Underground – ficaram para posteridade não tanto por sua originalidade, mas principalmente por sua própria grandeza. Tanto é assim que exemplos de artistas não tão originais e de qualidade indiscutível são inúmeros: Mozart nasceu 24 anos depois de Haydn, pertence ao mesmo estilo – o clacissismo -, mas é universalmente reconhecido como o maior dos dois; há muito do Beethoven dos últimos quartetos na obra camerística de Brahms, e nem por isto Brahms deixa de ser um dos maiores compositores de todos os tempos; os Beatles dos primeiros discos eram em tudo semelhantes ao rock que se fazia na época – mas praticamente só eles mesmos é que ainda são escutados com interesse artístico, e não histórico; mesmo o Nirvana, considerada geralmente a maior banda dos anos 90, era sucesso de público e de crítica muito mais por causa de sua força artística do que por causa da sua – discutível – originalidade. E assim, inesperadamente, este texto termina com mais um paralelo (ou paradoxo, como diria Marcos Fernandes) entre Bach e o nu-metal: o alemão, autor de A Arte da Fuga e da Oferenda Musical e que hoje é considerado o maior compositor de todos os tempos, foi também o último grande compositor do barroco, um estilo que já existia muito antes dele – tanto é assim que, quando era vivo, não só sua obra era considerada de pouco valor, como também ultrapassada.

(texto escrito em 2003)

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