“Os jovens adoram Tarkosvki por que confundem lentidão com profundidade”
Logo após ter escrito, numa coluna anterior, que o Paulo Francis era um jornalista que fazia sucesso por fazer críticas destrutivas, recebi um e-mail onde o Rodrigo James (também colaborador deste site) dizia que eu não deveria comparar o Alvaro Pereira Júnior e o Diogo Mainardi com o Paulo Francis pois este último sabia do que falava. A frase acima, sobre o diretor de cinema russo Andrei Tarkovski (1932-1986), e que me foi citada recentemente pela minha amiga Iáskara, é uma prova inequívoca de que freqüentemente o Francis era certeiro em seus comentários.
Solaris, lançado em 1972 e objeto de uma refilmagem recente com George Clooney, é, como todos os filmes de Tarkovski, de uma lentidão exasperante (apesar de ser mais ágil que Stalker ou Sacrifício, por exemplo). O filme tem quase três horas e conta a história de Cris Kelvin (vivido por Donatas Babionis), um astronauta russo que tem a missão de desativar uma estação espacial no planeta Solaris, onde eventos estranhos estão acontecendo. Chegando lá ele descobre que acontecimentos esquisitos são estes: as pessoas mais presentes no pensamento de quem visita a estação se materializam e assumem vida própria. Quem aparece diante de Cris Kelvin é Hari, sua bela esposa já falecida, a qual o tinha abandonado após uma discussão com a sogra, mãe do astronauta. Este então tem um tórrido romance com sua esposa materializada, e o restante do filme trata do seu drama, já que ele está apaixonado por uma “Hari” efêmera – já que ela só existe quando está próxima dele e ainda sob a ação dos raios de Solaris – e quase fantasmagórica.
O parágrafo acima praticamente resume todo o filme Solaris, que, conforme exposto acima, tem quase três horas de duração. É verdade que este resumo parece muito curto, mas outro filme de Tarkovski,Sacrifício, pode ser resumido numa frase: “um homem tem relações sexuais com uma bruxa para evitar que o mundo seja destruído”. Bem como dizia Paulo Francis, Tarkovski não é profundo. Se formos comparar os seus enredos com os dos filmes de Ingmar Bergman por exemplo – com quem é freqüentemente equiparado -, os do diretor russo parecem vindos de um filme B.
Apesar de tudo isto, Tarkovski fascina. Seus filmes mostram um mundo em lenta decomposição. São freqüentes longas tomadas de goteiras, de lugares sujos, de lixo. Em Solaris a estação espacial tem coisas velhas jogadas em toda parte, e os objetos estão sempre dispostos de maneira desorganizada. É um filme de ficcção científica sem nenhum efeito especial: embora se passe num futuro distante, todas as pessoas usam roupas contemporâneas o tempo todo, e nenhum equipamento parece muito moderno. A sua forma de filmar é notável: os longos closes parecem captar o pensamento das personagens; as tomadas lentas, quase paradas, aumentam terrivelmente a tensão do enredo; elipses (eliminação de cenas subentendidas) também são freqüentes, tornando ainda maior a sensação de estranheza. Tarkovski é praticamente o criador de uma nova estética, exasperante e fascinante ao mesmo tempo. Assim como em Limite, de Mário Peixoto a maneira de contar é mais importante do que a história em si.
Assim, involuntariamente Paulo Francis acabou “acertando no que não viu”: não só os jovens gostam de Tarkovski por que acham que lentidão é sinônimo de profundidade, mas também por que são freqüentemente receptivos a novas formas de olhar o mundo.
(texto escrito em 2003)
0
There are 0 comments