“O novo Epicuro: as delícias do sexo”, de Edward Sellon
Literatura

“O novo Epicuro: as delícias do sexo”, de Edward Sellon

23 de setembro de 2015 0

Na excelente introdução de “O novo Epicuro: as delícias do sexo”, de Edward Sellon (Hedra), Braulio Tavares escreve que a

literatura pornográfica bem que poderia ser considerada como um subgênero da literatura utópica. A maior parte das utopias literárias são utopias sociais, em que o autor tenta conceber a melhor sociedade possível dentro de um quadro de premissas, que naturalmente mudam de uma época para outra e de um país para outro. (…) A pornografia, pelo contrário, é uma utopia pessoal, que ignora o mundo e transcorre geralmente entre quatro paredes. É uma utopia do privado, uma fantasia dionisíaca de um homem só para um homem só, mesmo sua narrativa põe em cena (como em Os 120 dias de Sodoma, do Marquês de Sade) grande número de personagens. (…) Praticamente todo romance erótico é escrito sob o impulso de “eu queria que fosse assim, queria que acontecessem essas coisas, queria que as pessoas fizessem exatamente desse jeito”. É uma literatura de “wish fulfillment”, em que, muitas vezes, a fantasia do leitor e a do presumível público estão afinadas no mesmo tom.

Ainda segundo Braulio Tavares,

Um dos traços marcantes de “O novo Epicuro: as delícias do sexo” são as reiteradas relações com menininhas púberes, revelando um lado pedófilo que não era apenas de Sellon, mas de grande  parte dos autores do gênero. Numa época em que as mulheres casavam por convenção familiar mal entravam na adolescência, em geral com homens bem mais velhos, e envelheciam prematuramente, o erotismo das ninfetas era quase um lugar comum. Observe-se também que esta pedofilia nunca, ou só raramente, se confunde com estupro ou violação. O sexo entre homens maduros e as “lolitas” em geral é descrito não apenas como consensual, mas (…) como uma atividade a que as meninas se entregam com entusiasmo e alacridade. Talvez mais um aspecto utópico deste tipo de literatura: a vontade de descrever os atos como ele gostaria que eles de fato ocorressem.

Publicado originalmente em 1865, “O novo Epicuro: as delícias do sexo” conta a história das aventuras sexuais do protagonista: morando em uma casa grande com muros altos, ele tem privacidade para fazer o que bem entende lá dentro. Dois dias por semana ele se dedica ao estudo, possivelmente o domingo ao descanso – e os quatro dias restantes a orgias sexuais. Ele leva meninas para dentro de sua fortaleza e sua tática mais comum é mostrar-lhes relações sexuais de animais como galinhas e cavalos e, a partir disto, sugerir a elas para que façam com ele a mesma coisa que os bichos fazem entre si. Conforme comentado acima, quase todas gostam da novidade – e algumas acabam até morando com o protagonista (que nunca abandona ninguém, pelo menos).

Embora o livro seja frequentemente divertido, é muito difícil para alguém de hoje em dia – eu incluído – não se chocar com a pedofilia apresentada por Edward Sellon. Aliás, provavelmente o público do tempo dele também não achava que ele fosse um sujeito lá essas coisas, tendo em vista que ele vivenciou boa parte do que descreve em seu “O novo Epicuro: as delícias do sexo”. Segundo a contracapa, escrita por C.I.Scheiner, o autor

teve uma boa educação e foi dotado de muitos talentos. Foi completamente amoral no tocante ao sexo, além de destemido a ponto de ser imprudente.  (…) A vida de Sellon foi bastante dificultada pela sua queda por meninas, gosto sem dúvida adquirido na Índia, onde a pedofilia era bastante comum e tolerada com mais liberalidade que na Inglaterra. Trazida para sua terra natal, ela se mostrou um flagelo que o levou gradativamente a um comportamento ultrajante, que acabou resultando em grande escândalo e o tornou alvo do ostracismo da “sociedade refinada”.

Com uma vida extremamente agitada e um casamento conflituoso, Sellon se suicidou num hotel de Londres em 1848. Seus contemporâneos tinham a impressão de que ele era “um homem destinado a coisas maiores”. Ainda segundo Braulio Tavares, “é possível que a libertinagem tenha consumido não apenas suas melhores energias, mas também as fortunas que herdou ou amealhou ao longo da vida”.

E eu acrescentaria que o seu “O novo Epicuro: as delícias do sexo” acabou sobrevivendo como uma curiosidade de uma época e de uma sociedade sexualmente repressoras.

0

There are 0 comments

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *