“Feriado de mim mesmo”, de Santiago Nazarian
Literatura

“Feriado de mim mesmo”, de Santiago Nazarian

24 de setembro de 2015 0

O leitor não deve se desanimar se, ao iniciar a leitura de “Feriado de mim mesmo”, o terceiro romance de Santiago Nazarian (Planeta, 161 páginas), achar que está diante de um livro redundante e repetitivo. Para que se tenha uma ideia, este é um começo de parágrafo na terceira página:

Então os pingos eram muitos, quentes, o chuveiro. O chuveiro a pingar sobre ele. A pingar sobre sua mão, girando a torneira. Um pouco mais quente. Um pouco mais frio. A temperatura exata, para o dia começar. A água escorrendo pelo ralo lembrou-lhe que ele precisava limpar. Lembrou-lhe que ele precisava limpar o apartamento.

Repetição de palavras, de verbos, frases curtas que fazem com que o livro pareça não sair do lugar: na verdade, o que parece redundância é o início de uma teia narrativa muito bem estruturada e que vai fazendo com que o leitor fique cada vez mais hipnotizado à medida que as páginas são vencidas.

“Feriado de mim mesmo” conta a história de Adriano, rapaz solitário que quer ser escritor – mas que, enquanto o seu livro não toma corpo, sobrevive graças ao trabalho de tradutor. A sua atividade permite que ele possa fazer seu próprio horário – o que, alias, combina perfeitamente com seu comportamento misantropo: ele tem pouquíssimos amigos, quase não sai de casa e, quando quer fazer sexo, arranja alguma aventura de uma noite. Este mundo enclausurado satisfaz sem maiores sobressaltos o personagem principal do romance.

A vida ia seguindo com tranquilidade quando coisas estranhas começam a acontecer no apartamento. O primeiro fato esquisito foi o telefonema de um rapaz desconhecido que acabou gravando na secretaria eletrônica um voto de feliz dia dos namorados e só poderia ter sido engano. O problema é que este engano começou a se repetir: novos recados mandados pelo mesmo desconhecido continuaram a cair na caixa postal.

A situação começou a ficar feia quando apareceu uma escova de dentes não comprada no banheiro de Adriano. De quem ela poderia ser? O rapaz dos telefonemas estava invadindo a casa, tomando posse, colocando sua escova de dentes no banheiro?

E o intruso estava ficando cada vez mais audacioso: um dia ele vai até o prédio onde o tradutor mora e fala com este pelo interfone, convidando-o para um almoço. Adriano pede para que o outro espere um pouco enquanto termina de se arrumar e, quando chega ao térreo, o invasor já tinha ido embora.

Neste ponto o rapaz solitário já está numa verdadeira roda-viva, já que o intruso vai ficando mais e mais dono da situação: matando baratas, comendo pedaços do frango que tinha sido preparado, mexendo nos arquivos do micro e começando até mesmo a receber correspondências – é quando o tradutor fica sabendo o nome do outro: Thomas Schimidt. Às vezes Adriano chega a ver o vulto dele.

Com a situação já insustentável o tradutor tenta reagir: chama a polícia para se livrar do intruso – nada conseguindo. Coloca veneno de rato no frango no forno para matar o invasor – e acaba passando mal. Adriano fica então em dívida a respeito de sua própria sanidade mental: seria ele mesmo o invasor? Seria então o intruso uma parte dele mesmo que estava se rebelando? Ou tudo não passava de um plano maquiavélico de alguém para deixá-lo maluco?

Não se pode continuar a contar a história a partir daqui para não estragar a surpresa do final.

O tema da invasão no apartamento já tinha sido desenvolvido por autores do realismo fantástico como Julio Cortázar no conto A casa tomada, por exemplo. Mas, ao contrário da história do autor argentino, em Feriado de mim mesmo, já que a história é contada apenas sob o ponto de vista do personagem principal, fica-se o tempo todo na dívida se a história contada é de cunho surrealista, ou policial, ou se é apenas fruto da imaginação delirante de Adriano (o mistério é sanado no final do livro).

O romance de Santiago Nazarian (que será adaptado para o cinema pela diretora Eliane Caffé, em data ainda não definida) pode também suscitar algumas questões de cunho filosófico ou sociológico – sobre a solidão num mundo interconectado, por exemplo -, mas este tipo de análise não é fundamental para que se aprecie as qualidades literárias do livro. Afinal de contas, “Feriado de mim mesmo” é um livro claustrofóbico (basta lembrar que praticamente toda a trama se desenrola no apartamento de Adriano), angustiante, e que vai ficando cada vez melhor e mais tenso à medida que vai chegando ao seu surpreendente final. Um thriller estranho e muito bem realizado.

(artigo publicado na Revista Dominical do Jornal O Estado do Paraná em dezembro de 2005)

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