Uma das coisas surpreendentes de O Homem Eterno (Editora Mundo Cristão), do escritor inglês G.K.Chesterton (1874-1936) é como ele consegue agradar ateus ou agnósticos inteligentes. Daniel Piza, de quem eu reclamei recentemente aqui, indicou o livro em sua coluna no Estadão. Marcelo Coelho falou bem do livro no jornal Folha de São Paulo. Por estes críticos admiram esta genial obra em defesa do cristianismo em geral, e do catolicismo em particular? Alcir Pécora, também na Folha, explica: “por mais que o leitor partilhe dos pressupostos ateus, evolucionistas e materialistas que ele combate, não tem como se impedir de admirar a capacidade inesgotável de Chesterton para fazer do que parece verdade certa o objeto de um saco de piadas engraçadas e inteligentes”.
Chesterton se converteu ao catolicismo já no final da vida, e O Homem Eterno foi escrito já depois de sua conversão. A obra é dividida em duas partes, resumidas com pouquíssimas palavras a seguir: em “Da criatura chamada homem” Chesterton explica que o homem é muito mais diferente dos animais do que sonha a vã filosofia ateia, e em “Do homem chamado Cristo” ele mostra que Jesus Cristo ou bem era um louco – pois dizia ser o Filho de Deus – ou era o próprio Filho de Deus. O problema é que o conjunto do que ele falou é tão sério e profundo que mesmo quem é ateu não costuma descartá-lo como um doente mental. Só resta então a segunda – e maravilhosa – hipótese.
A coleção “Livros que mudaram o mundo”, da Editora da Folha de São Paulo, está publicando obras de importância histórica inquestionável. Dela li recentemente “A interpretação dos sonhos”, de Sigmund Freud, que fala de uma teoria revolucionária (quando lançada) sobre os sonhos: que eles são a realização de um desejo. Para isto, o inconsciente se serve de diversos subterfúgios que fazem com que a censura do próprio cérebro seja “driblada”. A partir disto, vários desejos inconfessáveis vêm à tona, através das máscaras criadas pelos sonhos.
Para pessoas não especialistas no assunto, como eu, “A interpretação dos sonhos” é de um impacto e de uma pertinência extraordinários – por mais que não se concorde com todas as ideias expostas por Freud em sua obra clássica. Pena que muitos trechos necessitem de um conhecimento prévio de medicina ou psicologia para serem bem compreendidos. A Folha poderia ter lançado uma edição resumida do livro (que tem mais de trezentas páginas em formato grande e letra pequena) e isto teria sido, acredito, mais proveitoso para o público leigo.
“Elizabeth Costello” (Vintage Books – a edição brasileira é da Companhia das Letras) é meio um ensaio, meio um romance, do escritor sul-africano J.M. Coetzee, Prêmio Nobel de 2003. O livro conta a história de uma escritora, cujo nome dá o título à obra, que é um alter ego do próprio Coetzee. A autora é famosa por ter escrito um genial livro de estreia, o qual sempre é lembrado quando ela é citada, e faz conferências em diversos locais – como universidades, e até mesmo em um navio. Cada capítulo do livro tem, como título, o tema desenvolvido por uma conferência – a qual é a parte “ensaio” de “Elizabeth Costello”. A parte “romance” do livro trata do que acontece com a própria escritora nos dias em torno da conferência – seu cansaço, seu relacionamento com o filho, a nora e a irmã, suas dúvidas a respeito de suas próprias opiniões.
As teses de Elizabeth Costello (a parte “ensaio do livro”) são fortes e originais – mesmo discordando delas, é difícil não ficar fascinado com o poder da argumentação de Coetzee -, e tratam de temas como a literatura na África, o tratamento dispensado aos animais, a publicação ou não de descrições detalhadas das brutalidades nazistas. E a parte “romance” do livro é tão fascinante quanto: Elizabeth Costello é uma personagem forte e contraditória, que gruda na nossa memória.
“O caderno vermelho”, de Paul Auster (Companhia das Letras) é um livrinho inesperado: o importante escritor americano, autor de “Invenção da Solidão”, conta curtas histórias reais, todas elas descrevendo coincidências surpreendentes e inesperadas. A mão do acaso, ou de Deus, como queiram, está presente o tempo todo. Se fosse escrito por Paulo Coelho, a crítica cairia de pau.
Não importa. “O caderno vermelho” é delicioso!
(publicado no blog do Mondo Bacana em 4 de janeiro de 2011)
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