Quando comprei “Platão”, de R. M. Hare, um livro pequeno de cerca de 110 páginas das Edições Loyola, imaginei que estava diante de uma obra do tipo daquelas da coleção “Primeiros Passos”, da Brasiliense (que começou a ser editada nos anos 80 fazia a introdução para o leigo de diversos assuntos, em pequenos livros como “O que é punk?” e “O que é nazismo?”) ou da “Encanto Radical”, da mesma editora (que, na mesma linha seguida pela “Primeiros Passos”, publicava pequenas biografias de gente como Marcel Proust ou James Dean). E o objetivo do “Platão” de R. M. Hare, parece, era esse mesmo, já que a introdução começa com a seguinte frase: “este livro não pretende ser um acréscimo à literatura já enorme e crescente dos estudos platônicos, mas um estímulo e uma ajuda a pessoas comuns que desejem conhecer Platão”. Pessoas comuns lendo Platão: eu.
Do grande filósofo grego, eu tinha lido alguns diálogos, como “Fédon” e “Apologia de Sócrates”, e tinha gostado muito de seu estilo (e apreciado muitas de suas ideias). Na mesma linha, na contracapa da coleção da Folha de São Paulo “Os livros que mudaram o mundo”, o ótimo Hélio Schwartsman escreve que
“Platão é, sem sombra de dúvida, um dos filósofos mais influentes de todos os tempos. O alcance de sua obra é tamanho que praticamente todos os autores que o sucederam podem ser classificados de platônicos ou antiplatônicos nas questões mais essenciais. Sua abordagem dos problemas filosóficos é tão profunda, provocativa e apaixonante que vem cativando todas as gerações de pessoas cultas há 2.500 anos. Parte do sucesso se deve à forma de diálogo em que escreveu a grande maioria de seus textos. O tom de conversa é o mais propício para fazer com que o leitor se maravilhe com as coisas do mundo. “
A partir do que escrevi acima, fica claro que eu só queria alguma coisa bacana para ler – e, se não fosse pedir muito, na mesma linha das poucas obras de Platão que li.
Ledo engano. Já na introdução de “Platão”, o autor R. M. Hare escreve que “alguns colegas tiveram a gentileza de, a pedido meu, examinar e criticar o manuscrito”. Aí ele cita vários nomes, e continua: “embora todos eles saibam incomparavelmente mais sobre Platão do que eu, fui obstinado o bastante para nem sempre concordar com eles”. Já achei estranho. Eu queria um livro simples, não um de discussões de interpretação sobre Platão.
E a coisa continua nessa linha. R. M. Hare não aceita nenhuma interpretação de Platão que não venha direto do grego:
“É bem mais seguro não atribuir a Platão nenhuma proposição que não possa ser traduzida para o grego, a língua em que ele realizou seu pensamento. Se não for possível fazê-lo, ele não pode ter pensado aquilo.”
A famosa teoria das Ideias de Platão é reduzida a simplesmente a
“quando (Platão) fala de ‘ver’ uma destas entidades chamadas Ideias, ele pensa em alguma coisa bem próxima do ver literal, mas usando para tanto aquilo que ele chama, na República, o ‘olho da mente’”
Praticamente nenhuma palavra sobre a importância da teoria das Ideias de Platão na história da filosofia, algo que se deveria esperar num livro de ajuda a pessoas comuns.
De todo modo, tem bastante coisa bem interessante no livro, como a especulação sobre quais são as ideias de Sócrates e quais são as de Platão nos “Diálogos” deste último; a criação dos personagens “fictícios” Patão (o Platão que trata das Ideias, da “filosofia perene”) e Latão (o Platão cientista, matemático, lógico); e a análise da “divisão do eu” entre carne e espírito do grande filósofo grego.
No final do livro, o autor acaba aconselhando que o “leitor não-especializado se atenha a Platão; e, para esse propósito há algumas séries de traduções de Diálogos isolados, alguns com excelentes introduções, bem como um conveniente volume contendo todos os Diálogos”.
R. M. Hare parece querer nos dizer que, já que não conseguiu fazer uma obra de introdução para leigos, você – pobre leitor ignorante – vá direto à fonte e leia os livros do grande filósofo grego.
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Como estudante de Filosofia, preciso esclarecer que a coleção publicada pela Loyola da qual “Platão ” de R.M.Hare faz parte é uma tradução da coleção Very short introduction da Universidade de Oxford para iniciantes interessados ou estudantes de filosofia. Tenho vários dessas coleções e devo discordar, o autor apresenta resumidamente, porém de modo acadêmico uma boa apresentação, e o leitor comum pode não conhecer, mas pelo menos está em boas mãos se fizer um esforço. 🙂
obrigado pelos comentários, Laura. Eu só achei que o autor, por exemplo, queria desanimar quem não sabia grego – o que não é exatamente o mais recomendado para iniciantes, haha.