Patrick Modiano, Prêmio Nobel de 2014
Literatura

Patrick Modiano, Prêmio Nobel de 2014

11 de julho de 2015 0

Já estou me acostumando, todos os meses de outubro, a esperar o Prêmio Nobel de Literatura. Os vencedores dos últimos anos, de maneira geral, são escritores dos quais eu nunca tinha ouvido falar: Mo Yan, Alice Munro, Tomas Transtörmer, Herta Müller. Sempre tenho curiosidade de conhecer alguma coisa dos vencedores mas, na maioria das vezes, a preguiça vence (dos citados acima, li alguns romances de Herta Müller – alguns excelentes, outros nem tanto).

Coisa diferente aconteceu com o vencedor deste ano, Patrick Modiano (do qual também nunca tinha ouvido falar). Logo que li as primeiras notícias sobre o autor me interessei de cara: os seus livros, em geral, contam histórias que se passam na ocupação nazista da França, frequentemente sobre pessoas que colaboraram com os alemães – um assunto tabu até hoje para os franceses, e que sempre me despertou curiosidade. O pai de Patrick Modiano era, provavelmente, judeu – e que conseguiu escapar de campos de concentração possivelmente por ter colaborado com os nazistas. A dúvida sobre o caráter e a vida do pai é um tema recorrente na obra de Modiano (assim como a morte, ainda na infância, do seu irmão mais novo).

Assim que tive as primeiras notícias do Nobel, fui rapidamente até à Estante Virtual para comprar alguns livros antes que os preços disparassem (o que efetivamente aconteceu: já tem romance de Modiano valendo 150 reais no site). Comprei três na Estante Virtual, ainda com os preços razoáveis. E baixei no Kindle Suspended sentences, uma edição com três romances de Modiano em inglês (um dos quais já tinha comprado em francês). Somando isso às minhas férias, já li cinco livros de Modiano – o que não chega a ser uma coisa tão espetacular, dado que os romances dele quase sempre são curtos, como os de outro escritor de língua francesa que também admiro, o belga Georges Simenon (interessante notar que as obras dos dois têm outro ponto em comum, além da brevidade: a precisão geográfica nas descrições das histórias, muitas vezes passadas em Paris).

Os cinco livros de Modiano que li – Chien de printemps, Les boulevards de ceinture, Villa triste, Remise de peine e Fleurs de ruine – têm muitos pontos em comum. São escritos em primeira pessoa por um personagem masculino que tenta se lembrar de acontecimentos e, principalmente, de uma pessoa marcante em sua juventude: o fotógrafo Jansen de Chien de printemps; o pai do narrador em Les boulevards de ceinture; a namorada Yvonne, em Villa Triste; a espécie de tutora Annie, em Remise de peine (Suspended sentences, na versão em inglês); e o mendigo/nobre/comissário de bordo (opa) Pacheco (ou Lambert) de Fleurs de ruine (Flowers of ruin, na versão em inglês). Como comenta o tradutor Mark Polizzotti na excelente introdução de Suspended sentences, o narrador não é o centro das histórias: ele tenta apreender o que está acontecendo, mas normalmente há tantos pontos obscuros quanto claros nas suas lembranças. E dá-lhe descrições de ruas, terrenos, casas. O tempo também não é linear: acontecimentos recentes e antigos se revezam à medida que a história é contada: se o leitor se distrai, já nem sabe bem em que época se passa o que está sendo descrito. Além disso, ocorrências importantíssimas na história muitas vezes são contadas de passagem – quase como se fossem secundárias. As histórias do pai e do irmão (citadas acima), também aparecem, com mais ou menos detalhe, em alguns dos cinco livros.

Modiano já disse que tem a impressão de estar escrevendo o mesmo livro há 45 anos. Em apenas cinco histórias, tive uma impressão parecida. E quer saber de uma coisa? Se bem me conheço, não vou sossegar enquanto não ler todos estes livros “iguais” de Modiano – um escritor (já deu para perceber) raro, original, profundo – e genial.

(publicado no blog do Mondo Bacana em 2014)

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