O umbigo de Heitor – Uma história de pânico, ironia e má digestão
Obra Literária

O umbigo de Heitor – Uma história de pânico, ironia e má digestão

31 de agosto de 2025 0

“Antes da internet:

– Vou fazer pós-doutorado em literatura neozelandesa do sec. XIX

Depois da internet:

– Como escreve embigo”

Quando você pensa em memes, você pensa neste, especificamente. Você, Heitor, não conhece nenhum mais engraçado. Tudo nele é perfeito: o deboche da ignorância em tempos de internet, o exagero sem pudor, a falta de interrogação na frase final — que é uma pergunta, afinal de contas. E você acha que o principal nele é o maravilhoso “embigo”. Podia ser “imbigo” também — que você se lembra de ter ouvido na infância —, mas é “embigo”, que enfim parece ser uma forma mais sofisticada de falar errado.

Pensando agora, você não sabe por que acha tão engraçado esse meme, já que seu próprio umbigo não lhe dá nenhuma alegria. Ele é bonito, e tal, mas sensível demais. Sua mulher vive querendo limpá-lo, e você tem pânico quando pensa nisso. Às vezes você, Heitor, pensa que, se fosse um habitante de um país menos paranoico com a higiene pessoal — a Nova Zelândia, por exemplo —, seu umbigo sujo e dolorido não seria algo menos asqueroso.

Enfim, com a pandemia você, Heitor, engordou, e agora que o seu umbigo cresceu, ficou mais importante, mais dolorido. Um horror — são muitos os horrores que o umbigo lhe traz.

Junto com a pandemia também veio a má digestão, Heitor. Os bifes que você ama passaram a significar um verdadeiro terror para você. Os sucos de fruta, nossa. Pães. Você ama pães. Mas assim que os come, parece que eles ficam parados no meio do caminho.

Então, Heitor, foram duas más notícias que você teve com a pandemia: dor de umbigo e má digestão. A primeira seria resolvida com um emagrecimento — que você não tinha a menor vontade de fazer. A segunda poderia também ser resolvida do mesmo modo, mas será mesmo? Você não poderia estar com algum outro problema?

Então você resolve ir ao médico, que faz uma ecografia abdominal e lhe dá o veredito: você tem que tirar a vesícula.

O veredito do médico

— E como é o procedimento? — você pergunta, Heitor.

— Ah, é simples, risco mínimo — o médico responde, como se fosse a coisa mais simples do mundo. — Por laparoscopia, são feitos quatro furos nos quais entram as câmeras, os bisturis, e por onde sai a vesícula.

— E onde são esses furos? — você pergunta de novo, Heitor.

E o médico explica que são três na barriga e que a vesícula sai pelo umbigo.

Você entra em pânico, Heitor. Fica temendo pela dor no umbigo até se operar.

Mal consegue dormir. Diz para todo mundo que está em pânico. Diz que não quer ninguém mexendo no seu umbigo. Porque seu umbigo dói, Heitor, e porque você tem má digestão. E você tem que tirar a vesícula, coisa que você não queria fazer.

Enfim, você tira a vesícula, e no pós-operatório sente dor no umbigo, nos cortes, na barriga. Mas não é aquela dor que você imaginou. Não foi aquela tragédia toda.

Você é ridículo, Heitor. Ridículo.

(Conto presente em “A mulher de César”, coletânea a ser publicada ainda neste ano.

Ilustrações geradas por IA – Google Gemini.)

0

There are 0 comments

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *