“Inverno”, de Karl Ove Knausgård
Literatura

“Inverno”, de Karl Ove Knausgård

5 de maio de 2024 0

Aqui já tinha comentado que a Quadrilogia das Estações, de Karl Ove Knausgård, apresenta um volume para cada uma das estações do ano, e que a série é uma espécie de manual de instruções para uma filha que ainda não tinha nascido. Já tinha discorrido sobre “Outono”, e o presente texto é sobre “Inverno” (Companhia das Letras, 232 páginas, tradução do norueguês de Guilherme Silva Braga, publicado originalmente em 2015), o segundo da série.

Assim como no livro anterior, “Inverno” é composto por pequenos textos de cerca de três páginas cada um, comentando sobre assuntos variados, como “cérebro”, “montes de neve”, “sexo”, “ponto de fuga”.

O estilo de Knausgård é fascinante. Ele escreve de maneira tão detalhada e interessada sobre assuntos às vezes aparentemente insignificantes (como corujas ou cotonetes) que às vezes eu imagino que, se Deus fosse falar de sua própria criação – ou das criações dos humanos – suas palavras seriam semelhantes à do grande escritor norueguês. Vejam por exemplo este exemplo, o início do texto sobre o cérebro:

O cérebro, que numa pessoa adulta pesa cerca de um quilo, é composto de dois hemisférios simétricos e separados por uma fissura longitudinal, e se parece acima de tudo com uma grande noz, no sentido de que a superfície é toda enrugada, cheia de sulcos e depressões, e também porque o cérebro, a exemplo das nozes, encontra-se no interior de uma casca dura e redonda que faz as vezes de caixa. Mas, enquanto a noz é seca, enrugada e morta, o cérebro é úmido e repleto de líquidos, e nessa perspectiva se parece mais com um molusco, que também é composto de um interior úmido e vivo fechado no interior de uma casca. A diferença mais importante, claro, é que o molusco compõe uma unidade, que constitui uma criatura em si mesmo, enquanto o cérebro é apenas um órgão que integra um todo maior, a saber, o corpo humano, através do qual o cérebro se ramifica por meio dos inúmeros nervos que dele saem. Mas, se pudéssemos retirar o cérebro da caixa craniana e separar cada um desses nervos, que saem do cérebro, descem pela nuca e se espalham por todas as partes do corpo, o cérebro haveria de parecer-se com uma criatura à parte, não mais uma criatura terrestre, porque não teria pernas nem braços, mas uma criatura que flutua no mar.

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