“Numa e a ninfa”, de Lima Barreto
Literatura

“Numa e a ninfa”, de Lima Barreto

20 de maio de 2018 0

Acho nunca li um livro cuja apresentação critique tão fortemente a própria obra apresentada, como no caso daquela feita por Antonio Arnoni Prado para a edição da Penguin-Companhia das Letras para “Numa e a Ninfa”, de Lima Barreto (290 páginas). Segundo Prado, “além da densidade individual imprescindível à singularidade da ação, o que parece faltar é a articulação de sentido entre a lógica da trama e a natureza dos motivos que a entretecem, de modo que o fluxo do romance patina na intercepção de episódios reduplicados, descosidos, como que encaixados na trama sem razão justificada, distanciando o curso do relato, seja das peripécias de uma aventura, seja das revelações de um acontecimento singular, seja ainda das aspirações a um destino que se projete contra as adversidades do mundo, como ocorre nos outros romances do autor”.

O romance “Numa e a Ninfa”, publicado por Lima Barreto em 1915, saiu anteriormente, em 1911, em forma de conto. Segundo Antonio Armando Prado, o tema principal do romance – Numa Pompílio de Castro é um deputado preguiçoso e inculto, que chegou ao cargo devido à influência da família da mulher, Edgarda, que não só escreve seus discursos como tem um caso extraconjugal com o próprio primo – era “mais ajustado ao conto”, e acabou desandando no romance, “ficando aquém do gênero maior”.

Como em outros romances de Lima Barreto, muitas histórias paralelas são contadas em “Numa e a Ninfa” – como a do jornalista inescrupuloso Fuas Bandeira; a de Lucrécio Barba de Bode, um ex-carpinteiro semianalfabeto que tenta subir na vida se encostando em políticos; e a do dr. Bogóloff, um russo imigrante que consegue uma posição no Ministério da Agricultura prometendo absurdos, como criar porcos do tamanho de bois, e bois do tamanho de elefantes.

Eu concordo com Antonio Arnoni Prado em alguns poucos aspectos de sua crítica: o dr. Bogóloff, por exemplo, era pilantra ao mesmo tempo que muito ponderado em termos de sua vida privada e de suas posições políticas; o primo de Edgarda, com o qual a mulher do deputado que dá título ao romance tem um caso, tem uma visão correta da vida política, mas não só não tem vontade de mudar alguma coisa, como, ainda, escreve anonimamente discursos para que sua amante passe para o deputado Numa Pompílio.

Mas eu mesmo gostei muito de “Numa e a Ninfa”, um painel devastador da vida política de sua época: quase todos os personagens só querem se dar bem, sem o menor interesse na vida do povo ou no bem do país – sabemos bem com isso funciona, né?

Além do mais, a prosa de Lima Barreto é irresistível: ele consegue chamar atenção e dar prazer na leitura mesmo em histórias que às vezes parecem não fechar tão bem.

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